Num momento em que epidemias e
pandemias roubam a cena nos noticiários, uma doença silenciosa, há algum tempo
sutilmente instalada no meio de nós, continua causando estragos não menos
danosos que as enfermidades anunciadas. Sim, na sociedade dos “sem tempo”, do
individualismo e das relações descartáveis, um dos males do século é a solidão.
Aqui
e ali, jovens e “adolescentes retardatários” - contingente cada vez maior de
pessoas entre os 20 e os 40 anos de comportamento infantilizado - se acotovelam
em noitadas regadas a muito chopp,
vodca e ou drogas sintéticas. Nos barzinhos e danceterias, entram em bandos,
“ficam” com muitos e saem com muito pouco... Mais sozinhos e perdidos do que
nunca. Daí a imprescindível reincidência cotidiana no enganoso jogo do freqüentar.
Freqüentar significa a chance de estar na vitrine e encontrar companhia.
Companhia qualquer, que no dia seguinte jaz exibida como troféu em redes
sociais e blogs, nas fotos repetitivas dos sorrisos forçados sempre emoldurados
pelo copo ou pela latinha exibidos orgulhosamente numa das mãos, enquanto a
outra automaticamente faz sinal de positivo, ou outro qualquer – conforme a
tribo – pra ilustrar a pseudo-alegria de mais uma noite vazia e igual.
Por
outro lado, os assumidamente maduros formam a imensa fila dos solteiros,
separados e viúvos que procuram relacionamentos sólidos, parceiros afetuosos e
leais, mas que, em maioria, se precipitam em relacionamentos arriscados, diante
da incomoda sensação de que o tempo está passando, o corpo envelhecendo e as
chances diminuindo em razão da ditadura do corpo perfeito e da eterna
juventude, excludente e implacável, numa sociedade que há muito vem super
valorizando o supérfluo em detrimento do essencial. O desespero faz com que
joguem no escuro, seduzidos pela primeira impressão ou por mentiras virtuais em
que se quer muito acreditar, mas na verdade seduzidos pela própria carência e
premência de ostentar um parceiro. É a lógica de resultados, absorvida por
inteiro, a se transportar de forma perversa para a vida pessoal, nela também -
e principalmente - fazendo seus reféns. Estar só é sinônimo de incompetência
afetiva ou falta dos atrativos exigidos pelo mercado. Viramos coisa, objeto,
que independente do conteúdo, se consome ou se rejeita conforme a embalagem e o
marketing. O subproduto, claro, é a solidão.
Solidão acompanhada e não menos solitária.
Compartilhada pela TV, pelo cachorrinho de estimação, pelas horas a fio nos
sites de relacionamento ou pela espera ansiosa de um simples Email.
Solitude que dói quando se é mais um
igual a todos, e – por conseqüência –
invisível. Quando a gente se olha e não se vê, ou vê no outro a idealização
fugidia de algo que nunca virá a ser. A dor de possuir o que não se tem,
desnudar-se a quem não quer ver... A dor de perceber-se descartável, embora
humano.
Mas
a dor maior será talvez a do equívoco da finitude, a ausência do sentido real
da existência, da transcendência, do ser espiritual que pulsa e anseia - sem se
dar conta - por algo além da vã materialidade. No fundo, “ser feliz é tudo o
que se quer”, mas felicidade é também dar felicidade, o que só virá quando o
individualismo der lugar à generosidade e as aparências à essência. Só virá, de
fato, quando deixar de ser “um sonho que se sonha só”.
Não
nascemos pra viver sozinhos, é verdade. Além do mais, fomos secularmente
aculturados para o acasalamento inevitável e complementar. Assim, faz parte do
existir compartilhar a vida com alguém especial - às vezes nem tão especial
assim – mas cuja presença representa um cobertor emocional para que não se
morra de frio quando as crianças crescem e se vão, quando nossos pais já não
estão mais por aqui, ou quando aqueles irmãos, amigos e primos, antes
inseparáveis, tomam outros rumos. Em tese, o parceiro é a garantia de alguém
que fica quando todos partiram.
Porém,
em tempos bicudos de frustrações afetivas, precisamos encontrar alternativas
que atenuem a incomoda sensação de abandono que vez por outra teima em nos
assaltar... A saída é dar razão de ser à vida.
Focar menos no que não se tem e mais no que se pode ser. Colocar
as mãos num trabalho gratificante e a cabeça em ideais superiores que
certamente preencherão nossos dias. Repartir o que tenhamos em abundancia para
oferecer, inclusive afeto. Enquanto o “amor da nossa vida” não chega,
concentremo-nos no amor que podemos dar e receber da vida. Adotemos outras
famílias, novos amigos, programas saudáveis e divertidos, trabalho voluntário,
intimidade com Deus. Voltar a estudar, reencontrar um velho amigo também
solitário, desengavetar aquele antigo projeto... Estar por inteiro no mundo,
sem metades perdidas e com direito a uma autoestima pra lá de achada... Eis o
segredo para que se possa estar contente com a própria companhia quando não
houver mais ninguém por perto; para que se possa perceber o quanto é prazeroso
abrir a porta de casa após um dia daqueles, dar de cara com a gente no espelho
da sala vazia e, sem nenhum ranço de autopiedade, poder dizer pra si mesmo sem
medo de ser feliz: - Êta sossego danado de bom!
É preciso muito amor para poder cuidar bem da solidão! Muito Obrigado!!
ResponderExcluirInteiramente Sensata e coerente com o assunto, discorre com perfeita precisão os acontecimento de muitas pessoas e direciona medidas a quem quer realmente aproveitar melhor o tempo nesta estada Terrena... Muito Obrigada a autora Joana Abrantes , pela inspiração tão necessária a todos nós.
ResponderExcluirSheila Soares
Sheila,
ExcluirOlá, grande amiga! Que bom contar com a sua presença no "Canteiro". Seja bem-vinda!