quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A RELIGIÃO ARRELIGIOSA








            

            Por quase dois milênios os teólogos cristãos consideraram como condição essencial para a salvação do indivíduo e a sua recepção no Reino de Deus, a sua vinculação à igreja, por ela ser o único lugar que se pode viver na comunhão com Cristo. Essa orientação varia dentro das diversas teologias católicas e protestantes.
            Os dados do IBGE no censo de 2010, no contexto da chamada POF (Pesquisa Sobre Orçamento Familiar) apontam para desinstitucionalização religiosa do indivíduo e a queda do número de profitentes das religiões ditas históricas.
            O que é de fundamental importância é que o conceito denominacional está não só em franco desuso, como também em declínio tanto na América do Norte como no Brasil. Surge, portanto, para estudiosos da religião o “religioso genérico.”
       Ora, não estando o indivíduo mais vinculado a uma denominação religiosa, à sua pregação, sua vinculação far-se-á diretamente com Deus, ante o reconhecimento de sua vida e obras.
            Há um paradoxo em todo esse cenário temos que admitir, da mesma forma que ocorre a dessacralização, o homem busca um sentido para a sua espiritualidade. Isto é, as pessoas estão se divorciando das igrejas, mas não do desejo de Espiritualidade. As pessoas querem viver a experiência cristã no recôndito de sua vida.
          Derivando desse cenário, há uma necessidade de uma reinterpretação das religiões em explicar as origens do Universo e da vida, vem forçando os teólogos a racionalizarem novas explicações e novos padrões de acomodamento da religião num mundo cada vez mais dominado pela razão. É o instante da arreligiosidade das religiões.

            Contextuo a arreligiosidade como sendo: a) tudo aquilo que impede o desenvolvimento cognitivo do Ser; b) a mensagem de Jesus não sendo herança arguida por essa ou aquela Igreja; c) o cristão será aquele que busca viver a mensagem do Cristo; d) a fé que não embota a consciência.
    A religião arreligiosa é a religião real segundo Ken Wilber, famoso pensador estadudinense, criador da psicologia integral, considerado por alguns como o “Einstein da Consciência”, será a que, “em sua essência é uma ciência de experiência espiritual (usando “ciência” em amplo sentido como experiência direta, em qualquer domínio, que se submete às três linhas de injunção, dados e possibilidade de contestação)”
            Segundo Wilber, para que haja uma integração entre ciência e religião, terá de ser uma integração entre ciência real e religião real, e não entre ciência espúria e religião espúria. A religião arreligiosa é a religião desfeita de seus dogmas, ritos, elementos mitológicos e mitopoéticos; a religião real de Wilber. A religião essencialmente moral, fundamentada no amor.
           Allan Kardec no cap. I, de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” no item 8 quando trata da aliança da Ciência e da Religião, ele afirma o que possibilitará essa aliança é “o conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal, leis tão imutáveis como as que regulam o movimento dos astros e a existência dos seres.” 
         A religião real é a religião arreligiosa. Portanto, não existirão religiões, mas uma religião. Quando Allan Kardec assevera que O Espiritismo é religião é nesse sentido. Ou seja, a religião espírita é a religião.   A religião arreligiosa é viva, pois se expressa na moral do indivíduo. O templo é interior. Ela não é meio; caminho; mas consequência; fim em si mesma. Ela não é ensinada, mas descoberta interiormente, como marca do Criador em nós. É o Reino de Deus anunciado por Jesus. O Nirvana do Budismo.
            Na tradição Zen Budista é considerado que ninguém pode lhe oferecer um curso de religião. Segundo a tradição, a religião é tão delicada, tão frágil, que nenhum invólucro pode protegê-la. No momento em que você a transfere, ela já está morta. Ela vive numa vida interna. Vive em Buda. Em Krishna. Em Jesus, em um Mestre. Ele não a pode dar, mas você pode abrir-se para ela.
            Em “O Livro dos Espíritos”, questão 653, os Reveladores Espirituais afirmam que a “verdadeira adoração é a do coração.” Como está bem explícito no Evangelho de João, 4:24: “Deus é Espírito, e importa os que o adoram o adorem em Espírito e Verdade.”
            Mensagem recebida em 15.04.1860, assinada por Um Espírito, inserida em Obras Póstumas  atesta que o Espiritismo: “instituirá a verdadeira religião, a religião natural, a que parte do coração e vai diretamente a Deus, sem se deter nas franjas de uma sotaina, ou degraus de um altar.”
            Todo esse entendimento é consolidado quando da primeira mensagem que Allan Kardec recebeu através da médium Srta. Japhet, em 30.04.1856, que lhe revelou da sua missão. Observemos o trecho que transcrevo: “(...) Deixará de haver religião e uma se fará necessária, mas verdadeira, grande, bela e digna do Criador. Seus primeiros alicerces já foram colocados.”
            O aspecto tríplice – Ciência, Filosofia e Religião – consolidado pelo Espírito Emmanuel em nenhum momento foi aventado por Allan Kardec na Codificação. Antes disso, porém, os aspectos históricos e culturais brasileiros, a forte influência católica e a influência mais polêmica - o roustainguismo - nos primórdios do Espiritismo no Brasil, em que pesem alguns expoentes do pensamento espírita de antes e de então compreenderem o seu verdadeiro caráter, fez com que se desenvolvesse no Brasil o viés sofrivelmente religioso.
            Marion Aubrée e François Laplantine, antropólogos franceses de ofício, autores da obra “A Mesa, o Livro e os Espíritos” assim se expressam sobre esse quesito: “O corolário desse fundamento religioso é a organização dos centros espíritas brasileiros em forma de Igrejas.”
            Por isso e apesar de tudo isso é que levou Kardec a recomendar: “Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não podia nem devia enfeitar-se com um título cujo valor inevitavelmente se teria equivocado (e equivocou). Eis por que simplesmente se diz: DOUTRINA FILOSÓFICA E MORAL. Aqui se revela a herança Pestalozziana no amor aos conceitos que as palavras exprimem. E ainda, o conhecimento do “princípio da não contradição” de Aristóteles (384 a.C – 322 a.C), filósofo grego, que afirmava: “uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo.
            Propositalmente, expectei o futuro e fiz uma viagem retrocedendo ao passado para que, regressando ao presente, refletíssemos sobre as atitudes que adotaremos, individual e coletivamente, para fazer o Espiritismo voltar ao rumo proposto por Allan Kardec.


3 comentários:

  1. Valeu Jorge! Boa reflexão! Precisamos estudar a obra legada por Kardec com vontade e determinação, meditando cada parágrafo e com bastante prudência na condução das idéias para não apreciá-las aos pedaços, no que prejudica sensivelmente o entendimento da obra.
    Muita paz!

    Clodoaldo

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    1. Caro amigo Clodoaldo!
      Grato pelo estímulo. Sabe aquele texto que você sonha um dia escrever? Pois esse é o texto. Sempre me incomodou a questão religiosa do Espiritismo. Como você bem colocou, há a necessidade de se estudar o todo de um assunto, e não um parágrafo isolado.
      Abração!

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  2. Relembrando Allan Kardec.

    REVISTA ESPÍRITA (DEZEMBRO 1868)
    SESSÃO ANUAL COMEMORATIVA DOS MORTOS
    (Sociedade de Paris, 1° de novembro de 1868)

    (...) Todas as reuniões religiosas, seja qualquer culto a que pertençam, são fundadas sobre a comunhão de pensamentos; é aí, com efeito, que ela deve e pode exercer toda a sua força, porque o objetivo deve ser o desligamento do pensamento das amarras da matéria. Infelizmente, a maioria se afastou deste princípio, à medida que fizeram da religião uma questão de forma. Disto resultou que, cada um fazendo consistir seu dever no cumprimento da forma, se acredita quite com Deus e com os homens, quando praticou uma fórmula.

    (...) Os egoístas e os orgulhosos mentem quando se dizem reunidos em nome de Jesus, porque Jesus os desaprova por seus discípulos.

    (...) Tocados por esses abusos e desvios, há pessoas que negam a utilidade das assembleias religiosas, e, por conseguinte, dos edifícios consagrados a essas assembleias. Em seu radicalismo, eles pensam que melhor seria construir hospícios do que templos, tendo em vista que o templo de Deus está por toda a parte, que ele pode ser adorado por toda a parte, que cada um pode pedir em sua casa e a toda hora, ao passo que os pobres, os doentes e os enfermos têm necessidade de lugares de refúgio.

    (...) Mas do fato de que são cometidos abusos, de que se afastou do caminho reto, segue-se que o caminho reto não existe, e que de tudo o que se abusa seja mau? Falar assim é desconhecer a fonte e os benefícios da comunhão de pensamento que deve ser a essência das assembleias religiosas; é ignorar as causas que a provocam.

    (...) Dissemos que o verdadeiro objetivo das assembleias religiosas deve ser a comunhão de pensamentos; é que, com efeito, a palavra religião quer dizer laço; uma religião, em sua acepção ampla e verdadeira, é um laço que religa os homens numa comunhão de sentimentos, de princípios e de crenças; consecutivamente, esse nome foi dado a esses mesmos princípios codificados e formulados em dogmas ou artigos de fé.

    (...) O laço estabelecido por uma religião, qualquer que lhe seja o objeto, é, pois, um laço essencialmente moral, que religa os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não é somente o fato de compromissos materiais, que se quebram à vontade, ou do cumprimento de fórmulas que falam aos olhos mais do que ao espírito. O efeito desse laço moral é de estabelecer entre aqueles que une, como consequência da comunhão de objetivos e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que se diz também: a religião da amizade, a religião da família.

    (...) Se assim é, dir-se-á, o Espiritismo é, pois, uma religião? Pois bem, sim! sem dúvida, Senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e disto nos glorificamos, porque é a doutrina que fundamenta os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.

    (...) Por que, pois, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Pela razão de que não há senão uma palavra para expressar duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; que ela desperta exclusivamente uma ideia de forma, e que o Espiritismo não a tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o público não veria nele senão uma nova edição, uma variante, querendo-se, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com um cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das ideias de misticismo, e dos abusos contra os quais a opinião frequentemente é levantada.

    (...) O Espiritismo, não tendo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não se poderia, nem deveria se ornar de um título sobre o valor do qual, inevitavelmente, seria desprezado; eis porque ele se diz simplesmente: doutrina filosófica e moral (...).

    É interessante a leitura, na íntegra, deste discurso do Codificador do Espiritismo.

    Fraternalmente,
    Luiz Acioli

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