Joana Abranches(*)
Na Evangelização, tudo pronto para a
festinha de fim de ano. Brinquedos, roupas e guloseimas serão distribuídos à
criançada em clima de muita animação. Poesias, teatrinhos e cânticos, tudo
planejado pra celebrar o nascimento do menino Jesus.
Mas na hora de concluir a programação
alguém sugere que o Papai Noel, caracterizado por algum companheiro de
boa-vontade, faça uma entrada surpresa e distribua os presentes.
A sugestão cai feito uma bomba!
Imediatamente o espírito natalino sai de cena e começa a brigalhada. Que
ousadia!... Como permitir que o símbolo capitalista do consumismo selvagem
adentre o recinto “sagrado” da Casa Espírita e “substitua” o aniversariante,
que deve ser o centro das atenções?!?...
E quem falou em substituição? E quem
falou que criança fica elucubrando sobre os porquês ideológicos desta ou
daquela personagem? Criança gosta de cor, movimento, carinho e fantasia; da
energia gostosa do sentimento de amor, facilmente detectada pelo coraçãozinho
infantil.
Quem pensa que é fácil conquistar uma
criança para que vá à Casa Espírita por prazer e não por obrigação, está muito
enganado. Para que isto aconteça é necessário estimular, entre outras coisas, a
fantasia e a imaginação. Usar todos os elementos disponíveis a nosso favor. E
aqueles que insistem em sustentar a velha metodologia insossa e monótona, e que
acham não haver problema algum nos pequenos irem obrigados, porque amanhã, ao
amadurecer, serão espíritas militantes e agradecidos pela “evangelização”
forçada que receberam, esqueçam. As mocidades espíritas (termo, aliás,
ultrapassado, que já deveria ter sido substituído há muito tempo) estão vazias.
Na pré-adolescência a turma já começa a evadir, e não tem “santo espíritólico”
que dê jeito.
Mas voltemos ao Bom Velhinho. Não é
segredo a ninguém que assim como o Dia das Mães – criado com nobres objetivos -
foi deturpado e explorado comercialmente, deu-se o mesmo com o Natal, na figura
do velho Noel. Originado da sensível iniciativa de um homem, em determinada
região européia, que resolveu homenagear Jesus proporcionando alegria às
crianças das redondezas através da distribuição de presentes na noite de natal,
Noel virou lenda, e como quase tudo na sociedade pós-moderna, foi transformado
pelo capitalismo de plantão em mais um “garoto propaganda.”
A solução então é expulsá-lo da Casa
Espírita? É negá-lo, quando lá fora, queiramos ou não, nesse período ele se
torna parte integrante do universo infantil? É discursar sobre a sua
promiscuidade consumista a crianças cujos olhinhos brilham quando vêem a sua figura
estampada ou caracterizada em todos os lugares aonde vão?
Não seria mais inteligente
utilizá-lo como mais um recurso pedagógico, para que as crianças percebam o
espírito de generosidade que os ensinamentos do Mestre despertam nas pessoas?
Ao condená-lo, estamos condenando a generosidade. Ao resgatá-lo em sua
essência, nos valendo dele como elemento motivador, revertemos a lógica
materialista do presente por si só para a lógica do sentimento de amor que
inspira a doação em todos os sentidos. Aí sim estaremos vivendo no mundo com a
pureza que possa “santificar” os nossos atos de cada dia, ou seja, fazendo a
diferença dentro do que já existe, como nos recomenda O Evangelho Segundo o
Espiritismo, à página “O Homem no Mundo.”
Mas se o negócio é abolir o fantasioso,
por que não abolimos também a Branca de Neve, a Cinderela, o Visconde de
Sabugosa, a Emília, etc?... Se o negócio é transformar a criança em
míni-adulto, mãos à obra! Façamos serviço completo. Roubemos-lhe o direito ao
imaginário, ao lúdico, à esperança, abrindo mão da ternura que acolhe e atrai
em nome de um radicalismo duro e frio que só afasta. Mas amanhã não nos
lamentemos pela falta de trabalhadores amorosos e fraternos em nossas fileiras.
Sejamos coerentes. Excluímos o
gorducho e bonachão velhinho, mas não nos incomoda manter adereços simbólicos
como o pinheiro, as luzes e outros, nem a tradição dos presentes distribuídos
sem nenhuma culpa. E nada mais natural!... Afinal, estamos encarnados. Já
abolimos os exageros, a comemoração material pura e simples, mas além da
comemoração espiritual a que já nos propomos o convencional ainda faz parte da
nossa forma humana de comemorar. Por que não admitir que ainda nos faz bem
enfeitar e iluminar os nossos lares para homenagear aquele que nos veio trazer
o presente maior... A luz? E dizem os espíritos que nesse período até “o outro
lado” fica mais bonito... Só que adornado pelas nossas vibrações mentais, que
se tornam mais leves e fraternas. A cada plano, pois, a decoração condizente.
Afinal, de que temos medo, se o que
fazemos durante o ano inteiro como educadores espíritas é mostrar a importância
maior dos bens espirituais, em detrimento dos bens materiais? Ao que me consta,
faz parte das nossas reflexões junto às crianças a valorização do ser e não do
ter, a conscientização de que embora os presentes sejam uma demonstração de
carinho, não são mais importantes que os sentimentos ou do que a forma como
tratamos as pessoas diariamente.
Temos trabalhado o Natal de Jesus da
forma correta? Refletido junto aos nossos pequenos sobre a necessidade do seu
nascimento cotidiano dentro dos nossos corações através da simplicidade dos
hábitos, do cultivo das virtudes e do desprendimento dos bens terrenos? Temos demonstrado,
pela forma de viver, que os Shoppings podem ser visitados e curtidos de vez em
quando, mas que não é essencial para a nossa felicidade “nos mudar” pra lá e
consumir todos os objetos que as vitrines oferecem?Temos criado filhos
conscientes da sua realidade de espíritos imortais com direito a um patrimônio
muito maior que uma roupa de marca? Temos levado, sobretudo aos mais carentes,
a consciência plena de que a pobreza é transitória, que auto-estima independe
de poder aquisitivo e dignidade nada tem a ver com classe social? Em nosso núcleo espírita a evangelização é
uma só para todos, em horário único, integrando os nossos filhos e os filhos
das famílias assistidas pelo departamento assistencial, sem nenhum traço
discriminatório?
Há um ditado popular que diz: “Angu de
um dia não engorda cachorro...” Se no dia a dia procuramos cumprir bem o nosso
papel de educadores do espírito, não será a presença de mera personagem de
ficção, em uma determinada data especial, que irá abalar as convicções
espirituais de nossas crianças. Só quem não se garante em termos de conteúdo
doutrinário e exemplos cotidianos é que tem motivos para temer a presença do
“famigerado” Papai Noel na festinha de natal do grupo espírita.
Ah, companheiros, reflitamos!... Pra
que temer algo tão banal?... Nossos medos bem que poderiam e deveriam ser
outros... Medo de perder a sensibilidade, a capacidade de amar, de demonstrar
afeto... Medo de perder a alegria de levar alegria. Talvez assim, nos
libertássemos de vez da mais insana das temeridades: O medo maior de ser feliz
pelo simples fato de - sem nos importar com “embalagens” - distribuir
felicidade em nome de Jesus!
*Joana Abranches é Assistente Social,
escritora e Presidente da Sociedade Espírita Amor Fraterno – Vitória/ES
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