Por Sérgio Aleixo (*)
Muito justo que se denuncie a incompatibilidade da
tese das assim chamadas “crianças índigo” com o Espiritismo. Mas até parece,
ultimamente, que este é o único caso de infiltração de doutrina estranha no
movimento espírita. Denuncia-se esta historinha que vem de fora e cujos
fundadores, aliás, nunca a apresentaram como espírita e, por outro lado,
silencia-se quanto a inúmeras outras doutrinas cujos criadores, há décadas, e
aqui no Brasil, apresentam-nas como complementares ou superadoras do
Espiritismo. Denuncia-se a tese das crianças índigo como não espírita, mas
publica-se propaganda de página inteira das obras do Sr. Pietro Ubaldi.[1]
Urge compromisso a esta imprensa que se
pretende espírita, a fim de que haja pelo menos coerência no que faz. Se uma
revista diz que é espírita, não pode propagandear, a título de Espiritismo
(mesmo subliminarmente), o que avilte os postulados espíritas. Mas quem está a
mandar? Os donos de cotas de publicidade. Alguns deles, vampiros históricos do
bom conceito do adjetivo espírita. E se os americanos das crianças
índigo fizessem propaganda em revistas “espíritas”? Seria o fim da cruzada
contra a seita new age? Ou será que tudo é contra o médium Divaldo Franco?
Infelizmente, ele vem de publicar A nova geração: A visão espírita sobre as
crianças índigo e cristal (2007), a reboque do best-seller Crianças
Índigo (de 1995; no Brasil, 2005), cujos conceitos provêm de exótica seita
norte-americana que pretendia até mudar o DNA das pessoas mediante sessões
pagas de “energização”.
Só é certo que por trás disto tudo está o
“capetalismo” de falsos espíritas, meros escravos dos donos das cadernetas de
publicidade de suas revistas e jornais muito pouco doutrinários um sem número
de vezes; mas tudo nos conformes jurídicos, é claro. Conversas capitalistas,
legalistas, porém, não nos eximem de responsabilidade perante o Mestre Maior,
que veio dar testemunho da Verdade! Não deveríamos estar falando de negócios,
mas de Espiritismo!
O resultado é que se acaba depreendendo de certas
publicações “espíritas” que haveria mesmo diversas correntes filosóficas no
Espiritismo. Editores, escritores e articulistas não têm registrado suficiente
preocupação em distinguir eventuais incongruências no movimento espírita
daquilo que é propriamente o Espiritismo. E a título de defesa da ética
jornalística e da liberdade de consciência e do amor ao próximo, findam por
conferir a adeptos de escolas espiritualistas distintas da doutrina codificada por
Allan Kardec o suposto direito de se proclamarem espíritas.
Em face desta situação inaceitável, se pessoas
comprometidas apenas com a Doutrina Espírita ousam colocar as coisas nos seus
devidos lugares, não mais que de repente, tréplicas manobristas aparecem
tratando de problemas completamente alheios ao estrito esclarecimento dos
conceitos em exame; geralmente, fixadas em vieses comportamentais do tipo:
“Podemos discordar deles, mas os irmãozinhos têm direito de pensar como
quiserem”. O fato resulta mesmo num lavar de mãos de estilo individualista
pós-moderno, numa defesa cínica e inócua de direito inalcançável e consagrado,
peculiar a quem teme, no caso, desagradar integrantes de partidos opostos, ou
mercado consumidor mais amplo.
No âmbito da liberdade de consciência, é
indiscutível que qualquer um pode acreditar no que quiser, se benignamente, não
deixando de merecer por este motivo toda amizade e consideração dos demais,
sobretudo dos espíritas sinceros. Todavia, a exposição de outras doutrinas espiritualistas
por adeptos ou meios de comunicação social do Espiritismo exige a maior
precisão e o mais firme engajamento.
Há que existir liberdade de expressão e de
discussão; a imprensa espírita deve expor e mesmo debater ensinos contrários a
Kardec ou dele destoantes, mas nunca lhes franquear livre acesso, direta ou
indiretamente, ao título Doutrina Espírita, porque a este não têm
direito, assim como os adeptos daqueles ensinos nunca se dirão espíritas com
acerto. Constitui verdadeiro crime de responsabilidade a falta de determinação
de espíritas esclarecidos ante a insistência histórica de alguns espiritualismos
em se proclamarem Espiritismo. Este aval declarado ou mesmo subliminar,
concedido por editores, escritores e articulistas agrilhoados a conveniências
mercadológicas, custa muito caro ao presente e ao futuro da Doutrina codificada
por Allan Kardec.
Certas publicações “espíritas” hão estampado, por
exemplo, ricas propagandas das obras de Pietro Ubaldi; nalgumas, o culto
escritor italiano, falecido no Brasil em 1972, recebe um epíteto no mínimo
intrigante em face dos espaços “espíritas” onde figura assim proclamado: “o
arauto da nova civilização do espírito”. E Kardec? Foi o quê? Ubaldi é
apreciado pela dissidência rustenista não só por sua reedição, no séc. 20, da
equivocada tese da queda do espírito, mas porque pretendeu salvar o Espiritismo
do “nível Allan Kardec”. Do mesmo modo, no séc. 19, Roustaing e seus discípulos
quiseram “criar o livre pensamento espiritualista”, pois, segundo eles, Kardec
não passava de um “autoritário senhor”, do “chefe” de um “espiritismo de
fantasia”, de uma “igrejinha com seus corrilhos, entregue a lutas
liliputianas”.[2]
Mas há que abafar estes inconvenientes históricos;
não contá-los a ninguém, sob pena do estigma da intolerância... Devemos
esquecer também que Jesus não morreu por causa do amor a que exortava, mas
pelas verdades que proclamava... Estaremos prontos, então, para entrar no céu
dos indiferentes, liderados pelos defensores do direito dos lobos diante do
rebanho de ovelhas incautas...
Até que a militância viril de um titã como Herculano
Pires seja levada a sério e constitua modelo efetivamente seguido pelos
espíritas devotados, haveremos de nos deparar ainda muitas vezes com pareceres
como este, do filósofo Luiz Felipe Pondé, professor do programa de estudos
pós-graduados em Ciências da Religião da PUC-SP:
Apenas uma prova definitiva, empírica, poderia
desmistificar a morte. Ou uma mistura de teorias como o kardecismo com viagens
a vidas passadas. Não creio nessa possibilidade, pelo menos até onde temos
evidências. O kardecismo permanece um discurso pararreligioso, um frankenstein
positivista, que tende a assimilar todo tipo de literatura oportunista
(energias de todo tipo) e de massa, além de dados imprecisos da indústria da
ufologia.[3]
[1] Cf. Revista Internacional de
Espiritismo.
Novembro de 1963. Por “Irmão Saulo” [J. Herculano Pires]. Confira o texto
completo do mestre paulista aqui: http://sites.google.com/site/aderj2/torre-de-vigia-doutrinaria/j-herculano-pires/texto-4.
[2] Cf. Cap. 1: A Queda do Espírito
e o Problema das Origens, http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2009/12/o-espiritismo-rejeita-terminantemente-o_29.html,
e Cap. 6: Liberdade e Consciência no Espiritismo, http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2010/05/liberdade-e-consciencia-no-espiritismo.html
(*) Escritor e
palestrante espírita. Vice-presidente da Associação de Divulgadores do
Espiritismo do Rio de Janeiro.
Gente nova, Textos novos, Capacitadissimo... Parabéns!!!
ResponderExcluirExiste uma questão muito séria no que diz respeito às Doutrinas e religiões: não sabemos claramente distinguir quando elas evoluem, ou se distorcem. Um exemplo claro de distorção foi o do Cristianismo Primitivo pregado por Jesus. O que fizeram dele? O que evoluiu? O que distorceu? A distorção do cristianismo primitivo já começava a dar mostra com as influências judaicizantes de Tiago apóstolo. Atualmente, a coisa não é diferente. Há muito personalismo e salada mística em muitas obras que se dizem espíritas. Uma vez em um cogresso Espírita no Ceará, perguntei a um palestrante por que no evento, havia livros espíritas, espiritualistas etc sendo vendidos sem nenhuma distinção. Então ele me respondeu que era par o público exercitar seu senso crítico para reconhecer o que é ou não espiritismo. O problema é que tem pessoas de renome no movimento espírita misturando coisas, e ninguém fiscalizando isso. Hoje entendo que manter a pureza doutrinária, sem conservadorismo, é uma tarefa muito difícil. Proibir? Fiscalizar? Mas uma coisa é certa. Lemos muito sobre Espiritismo e entemos muito pouco do que Kardec e os instrutores espirituais queriam nos dizer. Fico pensando quantas vezes Chico Xavier deve ter lido o Livro dos Espíritos...
ResponderExcluirAlex Saraiva
Crateús/CE
Sergio Aleixo é muuiiiito bom, competente e muito necessário ao movimento espírita!Amei vê-lo por aqui...
ResponderExcluirOs espíritas, alheios aos ensinamentos de Kardec, facilmente absorvem idéias que se mostram encapsuladas na mensagem de "paz e amor" e temem desdizê-las sob a esfarrapada desculpa da "falta de caridade". Esquecemo-nos que discutir idéias é uma condição de liberdade e como diz o autor do texto todos têm o direito de pensar o que bem quiserem, mas não dá para aceitar teses não espíritas como se espíritas fossem. Se querem estudar e divulgar idéias espiritualistas(não espíritas) procurem os milhares de grupos que existem e preenchem esse espaço. Movimento espírita é espaço para a divulgação do pensamento Kardeciano pura e simplesmente, isso é fato. Roberto Caldas
ResponderExcluir