Por Alkíndar de Oliveira (*)
Há vários anos ministro seminários espíritas
em diversas regiões do país. De poucos anos para cá percebo um fato
extremamente marcante: as instituições espíritas estão vivenciando, ou
procurando vivenciar, um favorável processo de mudança. Em todos os níveis.
Este produtivo processo está presente desde a
Casa Máter, Federação Espírita Brasileira, às demais entidades federativas
estaduais, quanto às instituições representativas regionais, os Centros
Espíritas e as entidades espíritas especializadas de âmbito nacional. Vê-se com
muita frequência que, na ocorrência de debates intelectuais entre espíritas,
agora se procura inserir a fraternidade. Estamos descobrindo que a fraternidade
está acima dos princípios religiosos, o que em outras palavras significa:
criarmos conflitos por questões religiosas é não entendermos o significado da
religiosidade. Estamos descobrindo que Jesus prefere ver-nos fraternos, sem uma
religião específica, do que religiosos, mas sem fraternidade.
Acredito que um dos pontos fundamentais desta
bem vinda mudança em nosso meio são as atitudes da atual presidência e
diretoria da FEB, que têm o caráter desenvolvimentista e são adeptos de que,
seguindo Kardec, haja liberdade de ação em cada Centro ou Instituição Espírita.
Aliás acredito que a atual diretoria da FEB
percebeu que a demanda por mudanças surgiu da base. Isto é, a demanda surgiu a
partir da insatisfação dos frequentadores dos Centros Espíritas. E felizmente
percebe-se, pelas atitudes tomadas, que a FEB se atualiza em termos de estilo
de liderança. O estilo antigo, de instituição responsável por gerar regras e
procedimentos, atualiza-se para o novo modelo de liderança, a de apoiadora de
novas ideias e projetos que, preferencialmente, venham dos próprios Centros
Espíritas. Não é mais “façam isto”, mas, sim, “façam o que julgarem ser melhor para o Centro Espírita, tomando o
especial cuidado de manter os princípios doutrinários”.
Descobre-se, finalmente, que as instituições
espíritas não necessitam de tutores, mas, sim, pedem apoio e união. Descobre-se
também que as instituições representativas não são o fundamento do movimento
espírita, mas, sim, os Centros Espíritas é que são determinantes na formação do
homem de bem. Perde a FEB por esse novo estilo de liderança? Muito pelo contrário,
ganha muito. E pela atitude moderna, sobe num honroso patamar, pois o
verdadeiro líder é aquele que serve. E isto a FEB está descobrindo. Descobre-se
finalmente que o novo estilo de liderança não é mais daquele líder que vai à
frente, mas, sim daquele que vai atrás, apoiando e incentivando o espírito de
equipe.
O que se vê hoje, reforço, é que o discurso
sobre fraternidade está finalmente tendendo a tornar-se prática e vivência.
Mas, não nos iludamos, ainda há muito por fazer. Existem segmentos paralisados,
ricos no discurso e pobres na prática. Percebe-se que estamos simplesmente no
alvorecer das atitudes fraternas, pois, elas ainda não são, em grande parte,
fato consolidado. Mas, a beleza deste momento é que o processo de mudança teve
início!
Um dos objetivos deste artigo, além de
refletirmos sobre este especial momento pelo qual passamos, é também o de fazer
um “balanço” entre nossas atitudes de espíritas e as atitudes de outras
religiões, que em pontos fundamentais, estão sendo mais atuantes do que nós.
Portanto a questão é: neste momento de mudanças que já estão ocorrendo em nosso
meio, por que não exercitarmos a humildade e aprendermos com as outras
religiões no que estão fazendo de bom e de correto?
Por sermos adeptos de uma Doutrina abrangente
(imagine, o Espiritismo reúne em seus fundamentos a filosofia, a ciência, a
religião!!!), repito, por sermos adeptos de uma Doutrina abrangente, muitos de
nós nos acostumamos a valorizar o “prédio”, sem construirmos o “alicerce”.
Ficamos numa agradável zona de conforto (agradável, até certo tempo).
Valorizamos a beleza do “prédio” (o
Espiritismo); admiramos sua arquitetura bem elaborada, encostamo-nos em suas
fortes paredes, mas nem sempre adotamos os procedimentos ou não utilizamo-nos
das ferramentas que facilitam o aflorar de nossa essência divina, que é o
objetivo máximo do Espiritismo. Em outras palavras, é o seu “alicerce”. Reforça
este parecer, Allan Kardec, no Livros dos Médiuns, capítulo XXVI, item 292,
questão 22: “Não olvideis que o objetivo
essencial, exclusivo do Espiritismo, é vosso adiantamento”.
A verdade é que, em relação ao Espiritismo,
muitas vezes agimos como crianças numa festa, nos lambuzamos com o bolo. Mas
não nos alimentamos direito.
Creio que aprender com outras religiões, no
que estão fazendo de correto em relação ao “alicerce”, é um salutar e
necessário procedimento. E este é o propósito principal deste artigo.
Bob Buford, adepto da religião protestante, é
um dos mais importantes empresários dos Estados Unidos. Por circunstâncias da
vida, num dado momento passou a direção de sua empresa a profissionais do
mercado, e tomou um caminho que lhe fazia mais sentido: o caminho da
espiritualização. Nesse meio tempo escreveu o livro A Arte de Virar o Jogo no
Segundo Tempo da Vida, Editora Mundo Cristão. Nesse livro ele narra a sua
trajetória.
Toda a mensagem do livro tem por base uma
metáfora inteligente, simples e prática. Ele diz que nossa vida pode ser
comparada a um jogo de futebol: tem o primeiro tempo, o intervalo e o segundo
tempo. O primeiro tempo é quando temos como foco o sucesso; o intervalo é
quando passamos a refletir mais profundamente sobre o que estamos fazendo de
nossa vida; o segundo tempo é quando substituímos o sucesso (do primeiro tempo)
pelo significado.
Explica o autor que não necessariamente o
segundo tempo se faz presente numa idade mais avançada, tanto é que ele próprio
escolheu entrar no segundo tempo quando tinha 35 anos de idade.
Importante: o autor, pela sua excelente
condição financeira, teve e tem a condição de dedicar-se quase que
integralmente a causas religiosas. No entanto, ele explica no livro o óbvio:
para bem atuarmos no segundo tempo não precisamos abandonar o nosso trabalho,
aliás, nossa atividade profissional pode ser um dos mais importantes palcos da
nossa atuação.
Para aprendermos com o autor, adepto do
protestantismo (repito), transcrevo a seguir parte do capítulo 16 do referido
livro, que – pelo seu conteúdo – é leitura recomendável (basta dizer que a
apresentação do livro é de Peter Drucker). Veremos como nos Estados Unidos
algumas religiões estão adotando modernos treinamentos para a liderança
religiosa e para o voluntariado, que podem nos levar a motivação para
construirmos em nosso movimento espírita estruturas educacionais mais condizentes
com a grandeza do Espiritismo. Não que já não estejamos caminhando nesta
direção, mas, com as atitudes que iremos ler a seguir, é bem provável que
cheguemos à conclusão de que - em relação a ao fato de ofertar treinamentos aos
espíritas - muitos de nós não estamos sabendo bem aproveitar da riqueza
espiritual que o Espiritismo nos proporciona. Mas, ainda está em tempo!
Palavras
de Bob Buford:
“O nosso Senhor nos ensinou a sermos como
crianças (despreocupadas), a evitarmos as preocupações excessivas (evitar o
controle por parte de demandas e posses) e não deixar que sejamos controlados
por muitos mestres. E na carta que Paulo escreveu à igreja de Roma, o apóstolo
explica a importância de controlar a vida interior para ter uma vida cheia de
satisfação: ‘Os que se inclinam para a
carne cogitam das coisas da carne; mas os que se inclinam para o Espírito, das
coisas do Espírito. Porque o pendor da carne dá para a morte, mas o do
Espírito, para a vida e paz’. (Romanos 8:5, 6).
A ironia é que a Igreja se tornou um desses
mestres que fazem com que muitos dos que estão no primeiro tempo se sintam
desesperadamente escravizados. A alegria que deveria resultar de servir aos
outros em nome de Cristo está ausente, porque a maior parte daquilo que fazemos
em prol da igreja é feito por obrigação. E isso acontece porque no primeiro
tempo nós ainda não descobrimos quem somos, que é que realmente gostamos de
fazer e como até as tarefas mais desagradáveis podem ser experiências
libertadoras e gratificantes quando se desprendem da essência do nosso ser.
Para a maioria das pessoas, o trabalho na igreja não é um sorvete com cobertura
de chocolate, e sim os brócolis e espinafre que mamãe as obrigava a comer
quando eram crianças.
Quando tiver descoberto a missão da vida,
você estará numa posição muito melhor para retomar o controle sobre seus
esforços de boa vontade no ministério da fé. Ao invés de se alastrar
relutantemente até mais um ‘final de semana de testemunho’, por exemplo, terá a
liberdade de preferir deixar que a luz da sua fé brilhe naturalmente enquanto
você joga bridge toda noite de segunda-feira com os colegas de trabalho. Assim,
terá retomado o controle de maneira a juntar o seu desejo de servir a Deus, a
sua paixão por um jogo de baralho e a sua demanda de desfrutar uma atividade de
lazer com pessoas afins.
É alentador ver como algumas igrejas estão se
tornando adeptas a combinarem a paixão com o talento. Robert Bellah, co-autor
do livro de sucesso Habits of the heart (Hábitos do coração), caracteriza esta
capacidade como uma função para ‘instituições de mediação’. Muitas igrejas
estão criando posições de ‘diretores de recursos de voluntariado’ ou
estabelecendo ‘equipes de ligação’ para ajudar as pessoas a descobrirem como
aplicar o melhor de si à tarefa de fortalecer o ministério da fé através da
igreja. Por exemplo, aqui em Dallas, a igreja presbiteriana de Park City lançou
mão recentemente do que eles chamam de Programa de Ligação, que já criou mais
de 2500 oportunidades de serviços distintos.
A igreja comunitária de Willow Creek, na
região metropolitana de Chigaco, desenvolveu um programa chamado Network [rede]
(hoje usado por muitas igrejas em todo o país), para ajudar as pessoas a
enxergarem a sua configuração individual, visando colocá-las em tarefas adequadas
de trabalho voluntário.
A igreja comunitária de Saddleback Valley, em
Mission Vielo, Califórnia, ajuda as pessoas a encontrarem sua SHAPE [perfil]
(iniciais inglesas das palavras descritas a seguir): Dons espirituais
(‘Spiritual gifts’); Coração, paixões (‘Heart, passions’); Habilidades
(‘Abilities’); Personalidade (‘Personality’); Experiência, know-how
(‘Experience, know how’)
Para que os cristãos que estão no segundo
tempo consigam reais avanços em termos de concretizarem as suas missões de
vida, muitas igrejas mais deverão adotar esta abordagem para envolver pessoas.
O meu ministério de fé, Leadership Network, tem uma unidade de pessoas que
trabalham para criar a Rede de Treinamento em Liderança, um programa que
realiza treinamentos de cinco dias para diretores de recursos de voluntariados
em igrejas”.
Caro leitor, pelas palavras de Bob Buford,
que transcrevi, fica claro que o movimento protestante nos Estados Unidos está
sabendo bem enfatizar o treinamento dos seus líderes e dos frequentadores de seus
templos. Por que não aprendermos com eles quaisquer que sejam as nossas
crenças?
Por que não criarmos em nossas comunidades
espíritas treinamentos contínuos de liderança? Por que não criarmos Centros de
Projetos de Voluntariado? E trazendo estas reflexões para nosso campo íntimo,
por que, como Bob Buford, não acreditarmos que viver religiosamente é adotar
atitudes construtivas também fora do templo religioso, por exemplo, num
descontraído e saudável encontro de lazer com amigos?
(*) Palestrante, Escritor e Consultor de
Empresas radicado em São Paulo-SP, profere palestras e ministra treinamentos
comportamentais em todo o Brasil. Obras espíritas: Desenvolvimento Espírita,
Aprimoramento Espírita, O Espírita do século XXI.
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