Nos últimos tempos, tem havido uma expressão de que muitos se valem e que um tanto me incomoda. Vou fazer aqui uma reflexão a respeito. Muita gente anda dizendo: o universo quer, o universo faz, o universo isso, o universo aquilo. Eu diria que esse uso indevido da palavra universo é a vergonha de dizer Deus. Se Deus quiser, Deus faz, Deus isso, Deus aquilo.
Como estamos muitos de nós, empenhados, e com razão, em nos livrarmos de uma imagem antropomórfica de Deus, ainda mais em tempos de fanatismo e fundamentalismo, em que se atribui a Deus qualquer absurdo, arranjou-se esse substitutivo: em vez de Deus, diga-se universo. E parece tudo menos comprometido. Só que então antropomorfiza-se o universo. O universo não faz nada, a não ser que entendamos que no universo se espraia uma inteligência suprema, uma providência amorosa, que está presente no infinito. Mas então, isso é Deus!
Dizem os místicos, que saboreiam a presença de Deus, que não se pode nomeá-lo, que não se pode colocar em palavras a sua presença e a doçura que nela sentimos. Por isso, a poesia – a única capaz de metaforicamente tocar a presença divina. Assim, toda a tentativa de nomeá-lo ou renomeá-lo é problemática.
Numa belíssima cena de um dos filmes de ficção científica mais comoventes, com inspiração num livro de Carl Sagan, Contato, a cientista, ateia, numa viagem pelas estrelas, chega a dizer que só se poderia expressar aquilo que via pela poesia. Ou seja, o universo também melhor se capta pela poesia.
Mas para aquele que acredita na existência de Deus, e sobretudo a sente, o universo é sua manifestação, sua obra e sua extensão… então se há Deus, ele está no universo e além dele. Se não há Deus, nem ele faz nada, nem o universo faz qualquer coisa, porque este não tem alma ou inteligência, é apenas uma organização casual.
Essa breve reflexão aqui é apenas para indicar o quanto falamos sem pensar, seguimos modismos no automático, sem nos darmos conta de que estamos em contradição com o que acreditamos e esperamos.
É verdade que precisamos elevar a nossa concepção de Deus – um Deus de amor, cósmico, presente em todos os seres, imanente no átomo e no espírito, um Deus pai e mãe, que brota em nós e nos chama para a perfeição. Devemos combater um deusinho punitivo, patriarcal, arcaico, irado, que é mera projeção de nossas imperfeições humanas. Precisamos evitar atribuir a Deus a responsabilidade de nossos atos no mundo, ou esperar que Deus resolva as nossas pendências e as nossas maldades. Mas substituir a palavra Deus pela palavra Universo não ajuda em nada esse movimento. Estamos deificando o universo, apenas isso.
Para terminar, compartilho aqui um poema místico meu em que percebo essa presença que nos inunda. Ele está em dois livros meus: Deus e deus e A Hora de Dora (esse de poemas) – ambos pela Editora Comenius.
Quando
Quando meus olhos se perdem das coisas
e andam ao vento,
cravo a mente no que não passa
e me contento.
Quando minhas mãos se despregam de mim,
repletas de coração,
não há mais corpos que me separem
e os homens são o que são.
Quando minha alma se aquieta
num mínimo verde ramo,
Deus farfalha entre as folhagens
e O amo.
E quando o meu pensamento
se embriaga de remotas estrelas,
transfiguro-me em azul
e sei que um dia hei de revê-las.
E no vento que passa e que fica
e no amor que me vivifica
e no verde que ao sol estala
e no azul que o cosmos exala
se espraia uma alma infinita…
No átomo, Deus se agita,
num átimo, Deus governa,
no íntimo, Deus palpita.
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