Angustiado visitante reclamava com Chico Xavier:
– Tentei cumprir rigorosamente o Evangelho, mas devo lhe dizer que não deu certo.
– O que houve, meu irmão?
– Sou gerente de uma agência bancária. Concedi vultoso empréstimo a uma pessoa que implorou ajuda, em face de suas dificuldades financeiras. Ocorre que o título venceu e não foi pago. Sou o responsável e vou ter que vender minha casa para pagar ou serei demitido. Por que esse castigo, se apenas cumpri o Evangelho?
E Chico:
– Emmanuel está dizendo que devemos sempre cumprir o Evangelho, mas com o nosso dinheiro, não com o dinheiro dos outros.
A bem-humorada observação do mentor de Chico nos remete a um problema relacionado com a vivência evangélica: a interpretação, em que muitas vezes se confunde alho com bugalho. O nosso gerente de Banco certamente pretendeu observar a recomendação de Jesus, no Sermão da Montanha (Mateus, 5:42): Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Porém, levada às últimas consequências, essa orientação de Jesus determinaria a falência de indivíduos e instituições. Por outro lado, não é nada evangélico um lacônico não a quem nos pede ajuda ou a disposição de não receber quem nos pede um empréstimo.
Sob o ponto de vista humano, é um direito agir assim e, talvez, até mais correto do que mentir, como ocorre frequentemente.
Se é o pobre que bate à porta, pedindo ajuda:
– Hoje tem nada não!
Além de assassinar o vernáculo, mentiu, porquanto sempre há algo que se possa oferecer a quem nos bate à porta.
Se é o amigo, que pede empréstimo:
– Sinto muito. Tive muitos gastos recentemente e não tenho como atender à sua solicitação.
Não raro, para evitar o constrangimento da recusa, pede-se a alguém que informe ao visitante:
– Ele não está.
Aqui, o cuidado de dar essa incumbência a uma criança, que na sua inocência, poderá complicar, informando ao ansioso visitante:
– Papai mandou dizer que saiu.
Quando mentimos em situações dessa natureza, incorremos em dupla falta, porquanto infringimos outro artigo do código evangélico. Palavras de Jesus (Mateus, 5:37): Seja o vosso “Sim”, sim, e o vosso “Não”, não. O que disso passar procede do maligno.
Pois é, prezado leitor. Sempre que pretendemos nos livrar de alguém partindo para a mentira, estamos apelando para o maligno que mora em nós, estabelecendo sintonia com as sombras.
Mentir é algo muito sério e comprometedor!
***
O ideal, na vivência evangélica, é o nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra. Sempre haverá algo que se possa oferecer ao que bate à porta. Entendo mesmo que sua carência maior, que raramente satisfazemos, é um pouco de atenção.
Lembro uma mensagem de Meimei, em psicografia de Francisco Cândido Xavier, quando diz E, em verdade, se os famintos e os nus te pedem pão e agasalho, esperam de ti, acima de tudo, o sorriso de ternura e compreensão que lhes acalme as chagas ocultas.
Quanto aos empréstimos, amigo leitor, se você está “dando tratos à bola”, buscando uma fórmula intermediária entre o não e o sim, passo-lhe a experiência de um amigo. Diante dos que lhe solicitam empréstimo, que ele sabe, será pago no dia de São Nunca, diz o seguinte:
– Você está me pedindo duzentos reais. Disponho de vinte. Pague quando puder.
Ele sabe que não mais verá a cor daquele dinheiro, mas fica o crédito de uma boa ação, contando com celeste remuneração: bênçãos divinas para sua vida.
O exemplo do banco é o mais emblemático: são os maiores parasitas do planeta - fornecem dinheiro ganhando mais dinheiro ainda.
ResponderExcluirA pessoa que concede empréstimos a juros tenta imitar o banco; é preferível, quando é possível, doar em vez de emprestar, sob o risco de criar mais problemas nas relações.
As relações humanas deveriam passar longe da questão financeira a fim de procurar promover a solidariedade, a fraternidade; a caridade não passa pela concessão de empréstimos ou coisas do tipo; passa pelo ombro amigo e pelas orientações lúcidas também.