Um dia senti que as luzes do Natal piscavam menos e estavam perdendo o encanto, já não queria festas nem cânticos, porque dentro de mim não havia celebração.
A violência havia ferido meu materno coração.
Nascia o filho de Maria quando há apenas um mês haviam feito morrer o meu. Com 16 anos, na força do corpo e no princípio das descobertas sobre um mundo que abriga tudo, inclusive assassinos impunes e frios senhores que se dizem de bem, legitimando a morte.
A cada ano, porém, os sentidos se transformavam em vias de maturidade e o Natal transcendia meu olhar limitado. O mundo ferido pelas dores precisava de luz e cor para não morrer! As festas e os cânticos poderiam alegrar alguém. O festejado nascimento do Filho de Maria logo adiante esbarraria na Semana da Paixão, o erro não estaria em nascer nem em morrer, mas nas maneiras como a vida e a morte são figuradas no mundo regido pelas ânsias de poder.
Onze anos me distanciam daquele Natal quase fúnebre.
Uma década de mudanças no olhar e no sentir a vida. Um fio tênue de melhoria a cada novo Natal.
E a política do escárnio arrombou as portas das nossas moradas, quando o mais vil dos seres revelados assumiu a presidência do nosso país e roubou a esperança de tantos lares!
Outros Natais enlutados, no choro baixo pela Democracia menina, em sua representação feminina vilipendiada, tornada ameaça de estupro, corpo esburacado de Marielle Franco, para amargar genocídio na pandemia tornada arma em mãos de trevas.
Que luz acender nestas escuridões religiosistas brasileiras?
Com quem fazer coro sem fidelizar participação alienada entre fascistas?
Natais de sofrimentos e lutos antecipam o martirológio dos fiéis enquanto a potestade febril desata a sangria do gasto público em viagens e banquetes.
Como ter força suficiente para cantar chorando?
Outro Natal de corações saudosos desponta na haste de dezembro, e os olhares temem alimentar expectativas amenas, embora todas as almas desejem alegria e paz.
Reunindo o nascimento sagrado e cruz do martírio ao mesmo tempo, nosso fulgor cristão demonstra menos luzes exteriores, canta em silêncio, não se entrega aos aglomerados de incautos, mas resiste na busca pela estrela!
A força dos Natais estão nas luzes interiores!
Resistamos.
Precisamos de Natais sem sofrimentos. Parabéns pelo texto, Ana Claudia!
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