sábado, 26 de fevereiro de 2022

CRISTIANISMO, MAZELA DA HISTÓRIA

 

                                                         

                     

             As teologias religiosas hierarquizantes nunca são produto de seu povo, no máximo são submetidas com contento aos povos. Cristo era um pobre judeu rejeitado pelos outros hebreus e seus seguidores foram uma multidão de pessoas humildes.

            O Vaticano, porém, instalou-se em Roma, a grande capital do Império Romano. Até hoje, de lá a teologia oficial é ditada para a multidão de seus fiéis que não está a sua maioria na Europa, mas sim nos rincões perdidos da América Latina, África e outras paragens. O terceiro mundo não produziu a sua teologia oficial.

            O protestantismo vem de um berço rico que é a Europa do norte, burguesa e capitalista. Quando chega no terceiro mundo vem “a missão”. Os missionários norte-americanos aqui fazem o mesmo que já faziam seus concorrentes, os jesuítas, há uns cinco séculos atrás, negros, pobres, somos povos à espera de salvadores.

            O cristão da catacumba, perseguido até a arena dos leões por ser cristão, é um miserável nesta injusta distribuição de nossa história. O pobre que se converte a Deus num templo da periferia das grandes cidades do Brasil de hoje é o desempregado, o rejeitado, o empregado da madame, que anula a sua vida para o fausto das elites. A senzala é também uma opressão psicológica profunda que até hoje não foi abolida. Neste mundo que ainda é de escravos, o Cristo que chama de irmão é o maior bálsamo da alma.

            Por isso a teologia vem de longe, mas cala fundo. A teologia exploradora e o explorado estão unidos nesta relação de exploração dialética. Que distância há entre um pobre que conseguiu tomar uma coca-cola e os acionistas da empresa, mas eu poderoso é este que faz com que a bebida da empresa fale à alma do pobre rapaz! Estendendo esta mesma visão, pode-se dizer que Jesus Cristo, até hoje, é uma coca-cola para os sedentos da redenção.

            Os jovens estagiários do setor de marketing das coca-colas são rapazes e moças que lutam para viver e não tem consciência, a todo momento, de que são engrenagens de um mundo de exploração em série. Um jovem padre, um pastor que saiu das drogas e prega a Bíblia, um cristão que dá sopa em nome de Jesus, nenhum deles, como o jovem estagiário de marketing multinacional, imaginar-se-á um elemento do capitalismo, ou um opressor, ou um agente do falso cristianismo. Aliás, a exploração pode não ser consciente até nos ditadores. Conta a história que alguns ditadores se consideravam de verdade homens salvadores de seus povos.

            As religiões vêm de longe, mas falam de perto aos corações dos desesperançados porque exploradores e explorados são parte de um mesmo mundo. Não há um sem o outro.

            Excetuando-se grandes exemplos em contrário, o cristianismo em seus dois mil anos, é a história de um mundo dois mil anos explorado, vilipendiado, roubado, injustiçado, cujo lucro do trabalho permanecia com o patrão, cuja liberdade para nada servia, cuja ostentação da riqueza era atroz perante o contraste da feiúra da miséria da maioria. Em dois mil anos de cristianismo, os povos cristãos continuaram injustos e, mais ainda, aprimoraram a injustiça. O escravo se revoltava e fugia do cativeiro. O assalariado, no entanto, sai de sua casa pela madrugada e toma horas de condução para ser explorado sem nem precisar de chicote e feitor do lado. A exploração vai se refinando com o passar do tempo.

            Este cristianismo da prática, sendo um elemento da exploração, só veio a legitimar este mundo de injustiças. O cristianismo católico fez o elogio da pobreza mas seus cardeais vendiam indulgências aos ricos. O cristianismo reformado protestante, em geral é o cristianismo que liberta do regime do feudalismo, mas é visceralmente o cristianismo do capitalismo. É o cristianismo progressista porque incentiva a ciência capitalista, mas reacionário e conservador na libertação humana, na justiça social, na igualdade social.

            Os dois grandes cristianismos de nossa história são, em sua maioria, duas grandes explorações, duas grandes injustiças insanáveis por si mesmas, duas farsas às quais os verdadeiros cristãos devem ter distância, ressalvadas as grandes exceções em ambos os casos. Por serem duas farsas, o reino dos céus há dois mil anos não chegou à terra, e bem fazem seus sacerdotes em apregoarem que o reino dos céus não é deste mundo, pois caso contrário desnudariam a última peça de suas hipocrisias.

            A farsa é tão abjeta que ainda hoje – com tanta ciência, com tanto iluminismo, com tantos filósofos e burgueses estetas e sensíveis com tanto bom senso -, ainda alguns cristãos legitimam a miséria dizendo que é necessária a injustiça porque é na pobreza e na dor que se revela o justo.

            As duas grandes eras cristãs, a feudal e a capitalista, são talhadas para este tipo de cristianismo servil e abjeto. O cristianismo destes dois milênios, aliás, é a luva que encobre a sua e feia mão das injustiças feudal e capitalista. Quando a história decepar a mão, se salvará a luva.

 

fonte: Cristianismo Libertador, Alysson Mascaro, editora Comenius.

 

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