Quem ainda não constatou em algum momento da vida que não fez uma escolha correta, muito embora a verdade estivesse às claras? Em tempos de fakenews e polarização político-partidária, autoritarismo, esses eventos saltam aos olhos.
Vive-se, no Brasil, de forma muito peculiar, analisados os contextos distintos, o que os alemães viveram no nazismo e que levou Hitler a confidenciar a um colaborador íntimo seu, do “especial prazer secreto de ver como as pessoas ao nosso redor não conseguem perceber realmente o que está acontecendo com elas.” Já Paul Joseph Goebbels, seu ministro da Propaganda, jactava-se de dedilhar na psique do povo alemão “como um piano”.
Esse fenômeno comportamental, também conhecido como autoengano ou cegueira voluntária, é parte expressiva do arsenal de sobrevivência e da reprodução no mundo natural. Esses eventos, como o próprio nazismo, a inquisição ibérica e tantos outros, revelam-se coletivos, contudo, é a confluência dos delírios das partes, ou individuais. Essa propensão humana ao autoengano é fonte inesgotável de danos e malefícios na vida pública e privada. O autoengano é a pretensão ilusória e infundada do autoconhecimento. É a convicção insofismável e arrebatadora de que sabe sem saber. O Brasil de hoje é uma prova inequívoca disso.
A empreendedora e autora Margaret Hefferman examina esses mecanismos cognitivos em sua obra Cegueira Voluntária, sem tradução para o nacional, muito embora existam várias obras nacionais com abordagem sobre o assunto no âmbito do Direito Penal, como também artigos e teses acadêmicas.
Para Margaret, uma das mais sutis manifestações da cegueira voluntária é a escolha no (a) companheiro (a) que escolhemos. Dados obtidos por mais de 25 milhões de pesquisados em sites de relacionamentos constataram que nos casamos e vivemos com pessoas parecidas conosco. Ela afirma que essa é a informação que mais incomoda as pessoas. Leia:
“Todos queremos sentir que fizemos nossas próprias escolhas, que somos espíritos livres e temos uma variedade a mais de gostos que os dados revelam. Não gostamos de saber que nos fascinamos por pessoas que são como nós, ninguém gostaria de se ver preso dentro de sua própria identidade, no entanto, os dados provam o contrário […] gostamos de pessoas que são parecidas conosco pelo simples fato de que elas são familiares, já sabemos como lidar com elas, dessa forma nos sentimos muito mais seguros. Esses sentimentos de familiaridade e segurança fazem com que gostemos mais de nós mesmos. Sentimos que pertencemos um ao outro, assim, nossa autoestima sobe e nos sentimos felizes. O ser humano gosta de se sentir bem sobre si mesmo, e para que se sinta seguro, ele se cerca pelo que lhe é familiar, isso satisfaz suas necessidades de segurança e bem-estar de forma eficaz”.
Eduardo Gianetti, professor e economista, assim se expressa acerca do assunto:
“Se o animal humano expulso do paraíso foi punido com a consciência da morte e a vergonha de ser quem é, ele recebeu também da natureza o dom de uma esperança selvagem e inexplicável: a cegueira salvadora e iluminada que nos protege de pensar e de viver plenamente o peso absurdo dos nossos erros e a certeza do nosso fim. Alegria sem razão de viver”.
Amizades rompidas. Familiares em conflitos. De repente, o tão próximo se tornou desconhecido. Bom caráter, alma generosa, uma pessoa singular, e não mais enxerga as representações sociais mais absurdas; absurdas contradições de uma sociedade em conflitos. Assim é a realidade brasileira. A estupidez se tornou excelência e não é percebida.
Gianetti afirma que o autoengano na vida prática é trágico. Quando mobilizado pelo fervor religioso e político-partidário, mobiliza aquilo que o homem há de melhor e põe a serviço do que há de pior e mais abominável. Esse é o cenário brasileiro e alcança o meio espírita, infelizmente, e, notadamente, para uma filosofia-moral que tem como fundamento maior o conhecimento de si mesmo, questão nº 919, de O Livro dos Espíritos.
O autoengano é atestado espiritual da negação de si mesmo.
O Espírito Joanna de Ângelis, aplicando os fundamentos espíritas às ideias de Carl G. Jung, classifica a consciência humana em: inconsciente, subconsciente e inconsciente sagrado.
O inconsciente é o conjunto dos processos que agem sobre a conduta e escapam à consciência. O inconsciente, portanto, é o Espírito, que se encarrega do controle da inteligência fisiológica e das suas memórias – campo perispiritual –, as áreas dos instintos e das emoções, as faculdades e funções paranormais, abrangendo a mediúnica. Para Jung, nele se encontra o inconsciente coletivo, para o qual concede atributos quase divinos. O inconsciente coletivo de Jung seria, então, o registro mnemônico das nossas vivências pretéritas.
O subconsciente junguiano é parte do inconsciente que pode aflorar à consciência, com seus conteúdos, alterando o comportamento do indivíduo. A compreensão dos ensinamentos do Espírito Joanna de Ângelis levam à compreensão de que aqui residem as origens do autoengano ou cegueira voluntária. Esses arquivos, por estarem próximos das experiências atuais, de forma automática, são destituídos de raciocínio; estático, mantém fortes vinculações com a personalidade do ser. É nele que se manifestam nos sonhos, nos distúrbios neuróticos, nos lapsos orais e de escrita – atos falhos, logo reconhecidos como responso também pela conduta moral e social.
No inconsciente profundo (sagrado, para alguns psicólogos transpessoais), é o repositório das conquistas anímicas, experiências do Espírito imortal ou do eu superior, realidade única da vida física, da causalidade existencial, somente alcançado pelo conhecimento de si mesmo.
O conhecimento de si mesmo é resultante da identificação da consciência com esse ser profundo que proporciona conquistar a lucidez sobre as realizações das reencarnações passadas, num painel de valiosa compreensão de causas e efeitos próximos como remotos, eliminando as experiências autoenganosas.
Jesus foi assertivo a esse respeito quando advertiu:
“Faça brilhar a vossa luz.” Lado escuro da nossa individualidade.
“Sois o sal da terra.” Nossas vidas estão insípidas.
“O argueiro no olho do irmão e a trave no nosso olho.” Não enxergamos o óbvio.
“Uma vida irrefletida não merece ser vivida.” Gosto dessa sentença socrática. Começar a refletir a vida a partir dos seus paradoxos oferece um bom exercício para se superar o autoengano e se alcançar o autoconhecimento.
Referências:
GIANETTI, Eduardo. Autoengano. Ebook. Cia de Bolso, 2008.
FRANCO, Divaldo. Autodescobrimento. Salvador, 1995.
KARDEC, Allan. O Livro dos espíritos. São Paulo, 2000.
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