A notícia veio por uma pessoa muito querida, alguém que conheço desde criança e está se formando em medicina: Vitor Dal Poggetto. Eu havia dado o login e senha para ele ver os primeiros exames e ele, por conta própria, preocupado, entrou e viu primeiro que o resultado da biópsia já estava lá. Ligou para mim e contou-me com muito amor e delicadeza. Mas a notícia é dura. Cai com uma pedra no estômago. Eu, que sou tão articulada, fiquei sem fala.
Não prolonguei a conversa. Precisei contar para outras pessoas, precisei chorar, precisei orar.
A gente sente como se o tempo tivesse parado, não sabemos o que pensar e o que sentir.
Não, em nenhum momento pensei na morte (apesar do poema sobre morte no primeiro episódio dessa série da mama), porque sei que câncer de mama tem cura, está no começo e não pretendo morrer tão já.
Mas mil ideias perpassam a mente e atormentam o coração. O sofrimento em vista, a possível perda da mama (coisa que sempre me assombrou), o trabalho, os recursos, as reponsabilidades.
Depois de ser acolhida e confortada por alguns mais amados, que garantiram presença, cuidado, acompanhamento, prece e todo o amor do mundo, senti-me melhor.
E quando escrevo isso, ainda no mesmo dia da notícia, estou serena. Respiro fundo, concentro-me, elevo-me e sei que estou amparada, sei que tenho recursos psíquicos e espirituais para enfrentar toda dor, sei que tenho rede de apoio para atravessar o processo, seja ele qual for – do qual ainda não sei os passos, porque só conversei com o médico por telefone e ainda faltam alguns exames.
E o que pensar até agora desse evento inesperado e incômodo? Por que, para que, como me apareceu isso de repente, contrariando todas as expectativas de não ter justamente o câncer de mama? Preciso encontrar todos os sentidos, preciso procurar todas as aprendizagens.
Entre as primeiras impressões está o fato de nesses poucos dias ter recebido inúmeros testemunhos de casos de outras mulheres que já tiveram o mesmo câncer. Sensação de sororidade, sabendo que estou sendo apoiada por irmãs que já experimentaram ouvir essa má notícia e atravessar a jornada da cura. Sensação de pertencimento igualitário e fraterno.
Um dos motivos principais que não queria nada na mama é porque para mim é o maior símbolo do feminino, um lugar sagrado do corpo, impensável extirpá-lo. E ouvi de algumas mulheres: você vai suportar a dor, porque nós mulheres temos um limiar de dor mais alto. Então o sagrado da mulher está além do corpo: está na resiliência, na resistência, na alma feminina.
A outra impressão é o quanto de transbordamento de amor estou percebendo à minha volta e isso abastece o coração e asserena a aflição.
Então vou. Estou preparada (será?) para peregrinar pela via sacra, com estoicismo, com espiritualidade e com tantos amores.
E… sem jamais deixar a poesia.
Nessa vida
Não dei de mamar
Mas nunca deixei de amar
E oferecer o colo
Aos que estavam no mesmo solo
Do meu amplo lar.
E agora vai sangrar-me o seio
E vem-me o receio
De quebrar-me ao meio
O sangue guerreiro.
Mas não, logo poeto e me levanto
Seco depressa meu pranto.
Porque há tanto acalanto
De todo canto…
Logo me domino,
Pois não há espaço
Para titubeio.
Para o meu seio
Só há regaço
Humano e divino.
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