Por Valnei França
“Então, já de início percebemos que o tema central de Peter Pan gira em torno da descoberta infantil de que não será criança para sempre e a angústia e o medo gerados por esse entendimento. O ego, na psicologia analítica, é o que nos dá a noção do ‘eu’, daquilo que somos, desejamos e sentimos. E ele possui uma base somática, ou seja, possui um aspecto de identificação com o corpo. Por essa razão, quando nos damos conta de que somos um sujeito, passamos a ter o sentido de finitude, e isso é bastante assustador” (1).
Um fenômeno social existe no processo envolvendo a Infância e a Juventude Espíritas na descontinuidade de presença de Jovens em Casas Espíritas. Através das lentes do “Peter”, poderemos ter uma visão alternativa do problema. Qual a pergunta seria feita ao Jovem que evade da Casa Espírita? Você provavelmente já até pensou nisto ou falou com alguém mais chegado, enfim, cada um pode ter uma ideia do que esteja acontecendo. Mas, não é bem simples, o sabemos.
A questão do Peter e dos Garotos Perdidos, no livro, era “a condição de não crescer”, “não amadurecer”, de aproveitar ao máximo a condição de ser criança e/ou adolescentes, teoricamente “não assumir responsabilidades, talvez?” Mas, podemos fazer outra leitura possível. Podemos nos perguntar se “será mesmo que nossos Jovens querem sair da Casa Espírita?”, ou se será outro o problema.
Aqui em Curitiba, Paraná, indico três fatos significativos para se ter uma ideia das possibilidades neste problema. O primeiro, um Movimento, na década de 80, que envolveu adolescentes, de Casas Espíritas distintas, que assumiram papéis de liderança na condução de estudos e organização de eventos. Chamava-se Novos Rumos e promoveu ações interessantes a partir dos interesses destes jovens. O Segundo, de sigla G.I.M.E. situado mais na Regional Ure-Leste, teve vida mais breve, mas não menos significativa. Procurava a integração das Mocidades da Regional, promovendo ações entre entre os grupos de Juventude ainda mais e não apenas uma ou outra vez por ano, nos aniversários das Casas. E, por último, o Grupo VENHA! Este surgiu com a iniciativa de Jovens que participaram de um Encontro Espírita de Verão e decidiram se organizar para realizar ações sociais via promoção de esporte e cultura, participavam Jovens de várias Regionais.
São exemplos de que os Jovens, num primeiro momento, não buscam evadir de suas Casas Espíritas como se já estivesse “predeterminado pelas estrelas” ou em cumprimento à “Teoria do Conflito de Gerações”, ou mesmo outra crendice qualquer. Algo acontece que torna difícil o convívio destes Jovens nas Casas Espíritas. Uma das questões deste problema é a visão em que alguns consideram os departamentos, e sua organização, como estanques, “caixinhas” ou, ainda, considerando cada uma como uma fase distinta no processo de formação. Para contrapor esta maneira de ver, vamos considerar as ações no Departamento de Infância e Juventude, como processos educativos. Sempre que se propõe a ensinar a alguém, este ato é um processo educativo.
Ora, podemos nos apoiar na análise que Arendt (2) faz do problema da Educação Escolar nos EUA, no pós-guerra.
A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. (Arendt, 1961, p. 247)
Arend, aponta que não podemos considerar o processo educativo um problema isolado das questões de seu entorno. “Certamente, há aqui mais que a enigmática questão de saber por que Joãozinho não sabe ler”, diz a pensadora. Então, o fato de existir uma evasão de Jovens nas Casas Espíritas não podem apenas ser vistas como uma questão isolada do todo da Casa, e como um “fator negativo” individualizado a este ou aquele Jovem. O processo educativo (Evangelização de Crianças e Jovens), deve ser considerado coletivo e um “contiuum”(3), pois a criança de agora será o Jovem de amanhã e, posteriormente o adulto na Casa Espírita ou fora dela.
“- Meu Deus o que foi que Eu fiz para merecer isso?”
Esta, com certeza, é a frase de muitos pais que se decepcionam com seus filhos, ou melhor, descobrem que seus filhos não vão seguir aquilo que eles, os pais, determinaram para seus filhos. A criança quando vem ao Mundo recebe influência de seu entorno, primeiro na Família e depois em cada uma das Instituições em que ela participa, se relaciona. O “espírita de berço”, provavelmente tende a ser menos representativo nas Casas Espíritas. Merece aqui uma pesquisa para se saber ao certo.
Assim, a criança, objeto da educação, possui para o educador um duplo aspecto: é nova em um mundo que lhe é estranho e se encontra em processo de formação; é um novo ser humano e é um ser humano em formação. (Arendt, 1961, p. 234-235)
Como processo formativo, o trabalho no DIJ é o mínimo da maioria das outras Instituições e, principalmente, daquelas onde a escolha parta exclusivamente do Jovem. Isto pode ser em “tempo quantitativo”, ou em intensidade - “tempo aiônico”. Em favor dessa ideia podemos citar o mesmo Peter,
Pan, após seu confronto com o Capitão Gancho, é questionado pelo pirata sobre quem ele é. E o menino responde: “Eu sou a juventude, sou a alegria, sou um passarinho que acabou de sair do ovo”. (1)
Os três “fatos significativos” que citei anteriormente, serve como contra ponto a ideia de ausência de responsabilidade por parte dos Jovens. Talvez aceitar a fala dos Titãs “A gente não quer só comida / A gente quer comida / Diversão e arte / A gente não quer só comida / A gente quer saída / Para qualquer parte”. Os Jovens querem seu Mundo e não este que apresentam para eles. Lembrando que em Arendt “cada geração prepara o Mundo para a nova geração”.
Assim sendo, qual é o Mundo que está sendo ofertado aos Jovens? A força nova da vida impulsiona a nova geração para um futuro incerto, mas que esbarra em um Mundo já formado que não aceita determinadas inovações. As veem como fator de risco que podem destruir o que gerações e gerações construíram. Podemos dizer que os Jovens buscam suas “felicidades” que até, talvez, fossem as mesmas que a dos seus pais, coordenadores e dirigentes, mas com certeza não são mais. O Mundo Social evolui diferentemente do Mundo Natural. Na natureza as forças genéticas conformam cada ser e estes cumprem as regras de seu grupo, salvo as mutações. Isto significa que não haverá contradição entre o ser que nasce e o grupo adulto. O Humano precisa desde cedo da proteção e formação na Família, Ele aprende e tem o potencial de inovar. E assim o fez em todas as versões de Homo, cada uma mais especificada e complexa que as anteriores. O rebento se torna humano já na infância onde lhe é apresentado “um Mundo criado e a ser formado”, e o recém-chegado, num primeiro momento, só pode aceitar. Contudo, A cultura é transmitida e é recriada a todo tempo, e quando se torna hegemônica em um ou mais humano torna-se um Mundo Novo. Isso é perigoso, subversivo.
… como o capitalismo interfere na felicidade, de modo a passarmos a ser escravos dos bens materiais, e viver assim, em um estado de espírito vazio e perturbado por não se sentir completo em uma busca interminável do ‘novo’(4). (Lima et alli)
Podemos até pensar que os Jovens não saem da Casa Espírita, Eles saem deste mundo rijo, engessado, artificial em relação à própria essência de ser Humano. Eles vão sair de qualquer Instituição que os deixem tristes, inibidos das suas emoções mais íntimas. Eles vão “buscar a felicidade” e esta não se apresenta no horizonte destas Casas Espíritas. O Jovem que sai, da Casa, procura oxigênio, procura Vida com todo o vigor possível. Ele não aceita, como diz a canção Coração de Estudante “Já podaram seus momentos / Desviaram seu destino / Seu sorriso de menino / Quantas vezes se escondeu /… Mas renova-se a esperança / Nova aurora a cada dia”.
Será que a Instituição só queira um certo tipo de Jovem? Aquele acomodado, apático, passível de ser moldado que até daria inveja a qualquer Pink Floyd em The Wall (O Muro)?
Ou, ainda, será que está faltando um objetivo maior, ou a resposta do que queremos, realmente, com esses Jovens?
REFERÊNCIAS
1) MOURÃO, Hellen Reis. Peter Pan: Conto Aborda Medo De Compromisso E Amadurecimento, site Personare, acessado em 14/12/2023. <https://www.personare.com.br/conteudo/peter-pan-conto-aborda-medo-de-compromisso-e-amadurecimento-m6481>
2) ARENDT, Hannah. A crise na educação in “Entre o Passado e o Futuro”. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 221-247. 1a edição (Between past and future): 1961.
3) Dicionário.Continuum: Conjunto de elementos que passa de um para outro continuamente, sem intervalos nem interrupções. Acessado em 14/12/2023
4) LIMA, Gabryella S; MELO, Fernanda A. C.; RUFINO, Emmanoel A.; Metáforas do Capitalismo: Peter Pan e a Idealização de Sonhos. Plataforma Espaço Digital. Acessado em 28/12/2023 <https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/49935>
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom artigo, nos leva a reflexões pertinentes e necessárias!
ResponderExcluirProvocativo, problematizador e reflexivo!
Nos mostra a necessidade que possuímos de aprender na partilha, na troca, e que o importante é fazer "COM" os jovens e não " PARA" os jovens!!!
Parabéns meu amigo!!!