Por Doris Gandres
Impressionante a paralisia da vontade, o aniquilamento da indignação, o esvaziamento mental, intelectual, da capacidade de pensar, de refletir, de avaliar e, sobretudo, de valores morais, até os mais básicos, de respeito, de solidariedade e de fraternidade. E o crescimento exponencial da indiferença, da acomodação, da aceitação subserviente, do fanatismo, do doentio apego ao ter ou mesmo apenas ao parecer ter e isso a qualquer custo; e também o acirramento dos preconceitos e das discriminações de todo tipo: de credos, etnias, gênero, posição social etc etc etc.
O Espiritismo afirma que o sentimento de justiça é inato no espírito, tanto que o menor gesto de injustiça o espanta. Contudo, custa-me acreditar nisso diante da apatia, da indiferença, da covardia, da omissão particularmente dos que se pretendem adeptos da filosofia espírita – uma ciência filosófica com consequências morais de acordo com a visão de Allan Kardec, e que apresenta em seu escopo ideais e princípios sociais progressistas e universalistas como liberdade; igualdade; progresso; equilíbrio entre trabalho e repouso; direito e uso de bens terrenos para todos; melhoria das instituições, quaisquer sejam, por meios diretos e materiais; eliminação das gritantes e vergonhosas diferenças sociais e, mais ainda, justiça equitativa para todos.
Quaisquer tenham sido e ainda sejam as razões para essa apatia generalizada no meio espírita – seja medo, covardia, comodismo, alienação, ignorância (a menos provável hoje em dia) e outros atavismos seculares de submissão cega, de castração ao livre pensar – não consigo compreender como humanamente possível tal posicionamento omisso, tal falta de indignação racional, de pronunciamentos sobretudo de lideranças, diante do aumento superlativo de violências cada vez mais ostensivas, horrendas, contra indivíduos e coletividades, chegando ao genocídio indiscriminado de crianças, mulheres, inclusive grávidas, idosos, não só pela força das armas, pela destruição de possibilidades de abrigo, de deslocamentos forçados continuados, seja sob calor ou frio, mas também pela supressão de alimentos e medicamentos!
Essa passividade que parece ter-se tornado uma pandemia global, parece ainda apagar todo sentimento humanitário, seja de criaturas, de autoridades, de instituições, de governos. Estamos vendo repetir-se diante de nossos olhos, dentro da nossa casa, esses horrores, essas chacinas de alguns anos atrás, bem como outras incontáveis de tempos mais antigos e remotos...
E milhares de nós ou cruzamos os braços ou juntamos as mãos em oração afirmando “Deus está no controle, não cai um fio de cabelo ou folha de uma árvore sem a sua permissão”... Que é esse Deus que dá permissão a tais atrocidades? Esse desconhece o livre arbítrio, a liberdade de pensamento e de consciência do ser?
Diz Kardec em suas reflexões no livro A Gênese que os tempos são chegados, mas não para o fim deste mundo físico e sim para a transformação moral da humanidade que o habita. Quanto tempo isso demorará a se passar, depende unicamente de nós. Ou tratamos de encarar da realidade e enfrentar o nosso papel de co-partícipes da criação, ou continuaremos atolados nessas circunstâncias, situações e condições por tempo indeterminado e na cegueira mística de um salvacionismo ilusório. Até quando acreditaremos poder delegar nossa responsabilidade seja a Deus ou a outra pessoa qualquer?
Que texto magnífico e importante.
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