Mediante autorização dos administradores do site Correio Fraterno - www.correiofraterno.com.br -, reproduzimos a entrevista abaixo, realizada por Eliana Haddad, considerando que as ideias são pertinentes e em perfeita sintonia com a proposta desse blog.
O
consultor sobre políticas e práticas de responsabilidades sociais Marco
Milani conheceu o espiritismo em 1988, um ano antes de se graduar em
Economia pela Universidade Mackenzie, em São Paulo. Despertado pelo
espiritismo para as problemáticas sociais, passou a se interessar pelo
Terceiro Setor, aprofundando-se no tema em seu mestrado e doutorado em
Controladoria e Contabilidade na Universidade de São Paulo. Suas
atividades como docente na Universidade Mackenzie e também no movimento
espírita paulistano (é diretor de doutrina da USE Distrital Lapa)
reforçam a sua condição de traçar em entrevista exclusiva ao Correio
Fraterno um panorama sobre gestão da casa espírita.
Qual o principal desafio dos gestores de casas espíritas hoje?
Como em qualquer época, todo gestor
deve identificar e compreender os desafios do contexto em que se
encontra. Uma das características da sociedade moderna, além do acesso
massificado à informação, é a maior velocidade relativa de mudanças em
determinados aspectos sociais e econômicos, fato que influencia novos
padrões de comportamento dos indivíduos. Muitos gestores têm dificuldade
de acompanhar essas mudanças e, ao se depararem com desafios modernos,
tentam utilizar soluções do passado que não se mostram eficazes
atualmente.
Que mudanças são essas?
A mudança no perfil do voluntário é
uma delas, que hoje tem um nível de conhecimento geral, expectativas e
disponibilidade de tempo diferentes de 20 anos atrás. O gestor deve
promover a captação, motivação e retenção de colaboradores talentosos de
maneira diferente do que se fazia no século passado. Há também a
necessidade de se preparar a organização espírita para captar recursos
financeiros, mediante a elaboração de projetos sociais bem desenhados e
capazes de oferecer resultados que ultrapassem o assistencialismo, a fim
se incentivar a geração de renda e a mobilidade social dos assistidos.
Outro ponto fundamental é a qualidade do ensino doutrinário e os meios
de divulgação a serem utilizados, diante de um público habituado a novas
tecnologias e com comportamentos sociais típicos das presentes
gerações. Isso não implica alterar o papel do centro espírita, mas
aprimorar as ferramentas de comunicação e contar com pessoal capacitado
para que as casas atuem eficazmente, como agentes transformadores da
sociedade.
Quais características dos gestores, a seu ver, mais interferem no desempenho das casas espíritas?
Se encontramos casas que contam com
gestores muito bem preparados e que se esforçam para oferecer uma
administração competente, pautada na ética e voltada para a
sustentabilidade da organização, temos também pessoas que foram
conduzidas à função administrativa apresentando inadequações de
diferentes naturezas. Geralmente, as organizações padecem pela ausência
de planejamento, personalismo, falta de preparo para a sucessão e
problemas de governança. Mas esse não é um problema novo e nem exclusivo
de centros espíritas. Qualquer organização pode sucumbir diante de
obstáculos mais complexos do que seus gestores poderiam imaginar. O que
se deve evitar é a postura ingênua de se supor que o auxílio espiritual
suprirá o comodismo e a falta de preparo de alguns gestores. Espíritos
superiores ajudam quem se esforça para ser ajudado. Só a boa vontade não
mantém o centro organizado e funcionando, se assim fosse, alguns
centros não teriam que encerrar as atividades.
Existe uma preocupação
exagerada para a captação de recursos para o centro espírita hoje? Quais
as principais fontes de recursos?
É preciso lembrar que nenhuma casa
sobrevive sem recursos, sejam eles humanos ou financeiros. É fundamental
que se planeje a continuidade operacional do centro espírita conforme a
estrutura e as atividades pretendidas. O problema, então, não é saber
‘o que’ angariar, mas ‘como’, respeitando-se os princípios éticos
abraçados pela instituição. As dificuldades econômico-financeiras
costumam estimular a criatividade de muitos gestores quando se buscam
meios para aumentar a captação. Geralmente as principais fontes de
receitas são as mensalidades dos associados, doações, eventos e
campanhas, comercialização de livros, alimentos e bazares. Poucos captam
recursos públicos e privados por meio de projetos sociais submetidos a
organizações de fomento nacionais e internacionais.
Como evitar problemas financeiros nas casas espíritas?
Os problemas financeiros estarão
presentes nos centros que comprometerem grande parcela de seu orçamento
com as despesas fixas, sem muita margem de segurança para absorver
eventuais variações negativas no caixa. É muito comum a queda de receita
no início e no meio do ano, devido ao período de férias e menor
atividade nas casas. As despesas fixas (aluguel, salários) independem da
quantidade de frequentadores e devem ser pagas pontualmente, por isso
deve-se contar com provisões para esses períodos. Não se pode
desenvolver atividades que não se tenham recursos previstos para
cobri-las, ainda que isso implique reduzir o volume ou a frequência de
algumas dessas atividades. A caridade é caracterizada pela ação
responsável e não pela atitude imprevidente.
Comente sobre a administração de voluntários.
No centro espírita temos voluntários e
muitas organizações também contam com funcionários. A responsabilidade
pelo trabalho bem realizado é exatamente a mesma para ambos. E isso é
perfeitamente natural, pois a sociedade mudou. A disponibilidade de
tempo, as novas estruturas e relações familiares afetam as
características do voluntariado. Há deveres e obrigações que devem ser
explicitados e constantemente relembrados. Líderes devem ser
identificados e envolvidos na proposta de trabalho da casa, pois serão
os responsáveis pela condução das diversas tarefas. Obviamente, aqueles
que já tiveram experiências profissionais em funções diretivas tendem a
administrar equipes de trabalho de maneiras mais objetivas. Se até Jesus
teve que administrar problemas de relacionamento entre seus discípulos,
por que isso seria diferente nos centros espíritas?
Como fazer os voluntários do centro serem realmente receptivos e fraternos com as pessoas que chegam?
Treinamento adequado, envolvimento com
os objetivos do centro e comprometimento com a causa. Esses três
fatores estimulam a capacitação, o foco e a disciplina. A atividade
voluntária deve proporcionar satisfação para quem a desenvolve e
qualidade para quem dela se beneficia. O produto final sempre dependerá
da motivação constante daquele que executa e direcionamento dos esforços
para o objetivo desejado por parte de quem administra.
Dá para aplicar ainda o modelo proposto por Allan Kardec na Sociedade Espírita de Paris?
A estrutura proposta por Kardec –
educação, assistência e divulgação – inspirou o modelo seguido pela
maioria dos centros espíritas brasileiros. Igualmente, o papel que
Kardec desenhou para a Comissão Central, em seu Projeto de 1868,
influenciou a estruturação das entidades federativas no movimento
espírita. Entretanto, ele previu diversos mecanismos de governança para a
Comissão Central que hoje, infelizmente, se perderam. Por exemplo, os
congressos espíritas deveriam proporcionar um ambiente para a reflexão
crítica e para a tomada de decisões sobre os caminhos do próprio
movimento espírita e suas organizações. Atualmente, com raras exceções,
os congressos se tornaram eventos sociais festivos, cujo objetivo é
receber renomados palestrantes que versam sobre temas tradicionais sem a
produção efetiva de debates sobre temas polêmicos nem sobre os rumos do
movimento espírita. Uma das preocupações de Kardec era a união entre os
diversos grupos espíritas, por meio do alinhamento conceitual
doutrinário, sendo os congressos ambientes adequados para essas
discussões. Nos centros espíritas, o modelo tradicional estimula a
assistência social e espiritual, mas a quantidade de pessoas que
permanece na casa para estudar e trabalhar não é grande, sugerindo que
os fatores de atração devem ser repensados.
Há grupos no movimento espírita que se formaram com características diferentes das tradicionais casas espíritas?
Sim, existem grupos com finalidade de
atuação específica, como os formados por profissionais de determinada
área (Abraje, Abrape, Aje etc.) ou grupos de cunho científico, em que
destaco a Liga dos Pesquisadores do Espiritismo, um grupo virtual que
tem a proposta de aproximar estudiosos do mundo inteiro sobre a temática
espírita, com encontros científicos anuais, onde trabalhos de pesquisa
são apresentados. Há associações, ainda, com valiosos acervos, como o
Museu Espírita e o CCDPE – Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do
Espiritismo, ambos em São Paulo.
Dentre as entidades federativas, a
União das Sociedades Espíritas de São Paulo faz um bom trabalho no
sentido de fortalecer o movimento espírita, incentivando a cooperação e
sinergia entre as casas, além de promover ações de esclarecimento e
fomentando o debate de temas atuais, como por exemplo, a
sustentabilidade do centro espírita e sua integração com a comunidade.
E quanto ao mercado editorial e as casas espíritas? Estamos oferecendo o que vende ou o que se precisa?
É uma questão
crítica, pois há uma enxurrada de autores e obras superficiais e poucos
trabalhos que se propõem a um desenvolvimento doutrinário consistente.
Agrava-se o problema quando textos espiritualistas, mas que não são
espíritas, invadem as prateleiras de algumas livrarias de centros,
porque priorizou-se o apelo comercial. Isso confunde o leitor que
acredita que todos os livros oferecidos numa livraria espírita são
coerentes com os princípios doutrinários. Cabe aos administradores de
livrarias a seleção dos títulos e autores a serem oferecidos.
Igualmente, os gestores do centro devem analisar com muito cuidado os
pedidos de certas pessoas que se oferecem para realizar palestras na
condição de poderem comercializar as suas obras. Geralmente, esses
divulgadores de si mesmos e preferem centros com grande público. Bons
livros são aqueles que favorecem a ampliação e consolidação do
conhecimento doutrinário de forma clara e objetiva, sem misticismo,
estimulando o leitor a se autodescobrir enquanto ser espiritual e
compreender as leis naturais que nos impulsionam a progredir através da
prática da caridade e do aprimoramento intelectual.
Excelente matéria!
ResponderExcluirEveraldo Mapurunga
Viçosa do Ceará
Excelente! Vou copiar e discutir estas questões lá nosso grupo.
ResponderExcluirO que mais me chama a atenção nesta matéria é a questão da qualidade do serviço doutrinário a ser prestado pela casa espírita. Quando se tem compromisso doutrinário e insere-se isso ao contexto atual, levando a discussão com o público, os ventos do tempo jamais derrubarão a casa edificada com esse propósito. Quanto aos meios de comunicação, em nossa casa espírita estamos sempre antenados e os resultados são visíveis. Muito boa matéria com alguma ressalva em um ponto ou outro.
ResponderExcluirFernando Bezerra - ICE
Gostei muito...
ResponderExcluirParabéns!!!
Muita Paz!
Muito bom! Abraços, diretamente de Beberibe - CE. =)
ResponderExcluirO conteúdo é digno de ser reproduzido e divulgado para todas as instituições espíritas, no Brasil e no exterior.
ResponderExcluirParabéns!
Carlos
Espanha