No meio espírita, contracenando lado a lado
com a pureza doutrinária, há a realidade da dureza monetária. Ambas
implacáveis.
Há uma única forma de acabar com a dureza
monetária sem afetar a importância da pureza doutrinária. Essa única forma
chama-se criatividade.
E o que é criatividade?
Muitas vezes imagina-se, como o próprio nome
sugere que criatividade é o ato de criar algo novo. Mas a realidade é que em
mais de 90% dos casos nada se cria de novo. Se analisarmos os diversos “atos
criativos” que estão por aí, verificaremos que o seu “criador” simplesmente
conseguiu enxergar um novo ângulo de algo que já existia. Esse é o seu mérito,
e, diga-se de passagem, grande mérito. Um exemplo clássico é a propaganda do
biscoito Tostines: “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho
porque vende mais?” que nada mais é do que uma versão da famosa pergunta: “O
que veio primeiro, o ovo ou a galinha?”.
Criatividade tem sido na maioria das vezes o
ato de dar uma nova roupagem a algo que já existe, mudando completamente o foco
e o campo de visão.
Uma das formas criativas que nossos irmãos
espíritas estão utilizando para saírem da dureza monetária é dando uma nova
roupagem ao tradicional Bingo. Estão inteligentemente – e criativamente –
transformando um jogo de azar em jogo de sorte.
Como assim?
Característica do Bingo fora dos Centros
Espíritas: é um jogo onde poucos ganham e a maioria perde. Em outras palavras,
é um jogo de azar.
Característica do Bingo patrocinado por
Centros Espíritas: é um jogo onde todos ganham (sem uma única exceção) pois,
mesmo que a maioria não ganhe o prêmio objeto do bingo, ninguém deixará de
ganhar o prêmio maior: que é o de poder contribuir com uma causa nobre em prol
do bem do próximo. Em outras palavras, é um jogo de sorte.
Nós espíritas precisamos deixar de sermos
preconceituosos, pois, numa análise racional, não é a ferramenta utilizada que
determina uma boa ou má ação. Por exemplo, analisemos o uso de uma faca por
dois indivíduos, um assassino e um homem de bem. Para o assassino a faca pode
ser o instrumento do homicídio, para o homem de bem a faca pode ser o
instrumento para cortar o pão e alimentar os seus irmãos.
Posso brindar, com alegria e amor, o
nascimento de um filho com um champagne, ou posso embebedar-me com muitos
champagnes, em encontros fúteis. Em outras palavras, o Bingo pode ser um “bem”
ou um “mal”. A forma e o propósito é que irão definir se está ocorrendo um ou
outro caso. Se a forma estiver imbuída de ética e honestidade e o propósito for
a caridade, o Bingo é um “bem”.
Descartes, no seu Discurso do Método, disse
que “para chegarmos à verdade, é preciso, uma vez na vida, que nós nos desliguemos
de tudo que aprendemos, e começar tudo de novo”. Procuremos despirmo-nos de
nossos preconceitos em relação ao Bingo.
Façamos a nós uma pergunta e reflitamos sobre
ela:
Se na divulgação do bingo no meio espírita
sempre é dado ao participante o direito de saber a que se destina sua
arrecadação (ajudar uma creche, por exemplo), se na realização do bingo a maior
parte do dinheiro arrecadado vai para uma causa nobre, qual é a razão desse meu
preconceito?
Se depois de tudo o que você leu até aqui,
concluir que o Bingo é um mal necessário, conforme diz o título deste artigo,
atenção: não utilize-o para angariar fundos. Pois, para nós espíritas, o fim
nunca deve justificar o meio. Por outro lado, se após essa leitura você
concluir que o Bingo, numa nova e criativa roupagem é um jogo de sorte e não
jogo de azar, é porque conseguiu despir-se do seu preconceito e
conscientizou-se que o Bingo – nessa nova roupagem – não é um mal, é sim um bem
extremamente útil para ajudar a sairmos dessa dureza monetária sem ferirmos a
pureza doutrinária, nesse caso utilize-o e seja o seu um dos Centros espíritas
que, sem perder a pureza doutrinária, encontrará como sair da dureza monetária.
Costumo dizer que “ser espírita é a arte de
sonhar com um mundo angelical, mas saber viver - sem ferir a ética espírita –
num mundo de expiação e provas”.
Quando fizermos parte de um mundo angelical,
ou mesmo de um mundo de regeneração, não precisaremos de Bingos para levar à
frente nossos projetos no campo espiritual, mas por enquanto, ele é uma das
maneiras mais simples e das mais produtivas. Se assim é, por que alguns
espíritas são totalmente avessos ao uso do Bingo no meio espírita? Por uma só
razão: sabem sonhar com um mundo angelical, o que é muito bom, mas não querem
trabalhar com os instrumentos que esse mundo de expiação e provas nos
proporciona.
Então estão errados os dirigentes que são
contrários ao Bingo?
Não. Esse caso não é uma questão de certo e
errado. Pergunto: pode o ser que escolheu abolir a carne de sua alimentação
criticar quem tem a carne como seu prato predileto? Não, não pode criticar. A
escolha de alimentar-se ou não com carne é uma questão pessoal. O vegetariano
está procurando viver como viveria num mundo mais evoluído (e ele tem esse
direito), o carnívoro (que somos a maioria) está vivendo de acordo com suas
necessidades orgânicas atuais (e também temos esse direito). Estamos errados
por assim agirmos? Não. Nenhum dos lados está cometendo erro.
Errado seria um criticar o outro, não
respeitando o direito de opção.
Cabem aos espíritas respeitarem-se em relação
ao direito de opção no uso ou não do Bingo para angariar fundos.
De certa forma, os favoráveis ao Bingo são os
“carnívoros”, os contrários são os “vegetarianos”, ambos filhos de Deus.
No livro Jesus no Lar, Editora FEB, o
espírito Neio Lúcio nos traz uma belíssima história sobre o problema mais
difícil de resolver, nos serviços referentes à procura da Luz Divina (leia o
capítulo 36 do citado do livro). Em síntese a história nos passa a
seguinte mensagem: “o mais intrincado problema do mundo, é o de cada homem
cuidar dos próprios negócios, sem intrometer-se nas atividades alheias.
Enquanto cogitamos de responsabilidades que competem aos outros, as nossas
viverão esquecidas”.
Enfim, vamos nós “os carnívoros”, que adotamos
o Bingo, fazer bem nossa parte sem criticar “os vegetarianos”. Ao mesmo tempo
que “os vegetarianos”, que não adotam o Bingo, que façam bem sua parte, sem
criticar “os carnívoros”.
Os Centros Espíritas geralmente não têm
estrutura financeira para, entre outras coisas, fazerem-se mais presentes na
comunidade. Passamos – sem querer – a ser omissos. Essa omissão dos espíritas,
essa nossa falta de audácia (vide pergunta 932 d’O Livro dos Espíritos)
propicia espaço para que muito gente ainda acredite em Adão e Eva, para que
muita gente ainda veja Deus como um ser antropomorfo, para que muita gente
ainda creia que Deus castiga, para que muita gente ainda valorize mais o culto
exterior do que o culto interior, para que muita gente, como disse André Luiz,
valorize mais a letra do evangelho do que o evangelho da letra.
Quando Herculano Pires disse “Se os espíritas
soubessem o que é o Centro Espírita, quais são realmente a sua função e a sua
significação, o Espiritismo seria hoje o mais importante movimento cultural e
espiritual da terra”, deixou de forma implícita que estamos alongando nossa
estrada. Estamos deixando de fazer obras de vulto para a divulgação do
Espiritismo. E, em qualquer obra terrena, o dinheiro têm importância especial.
Sem ferir a ótica e a ética espíritas, saber
utilizar com inteligência e criatividade dos recursos que nosso mundo oferece,
despirmo-nos de preconceitos, sermos audaciosos, conscientizarmo-nos de nossa
grande responsabilidade, são as formas de fazermos do Espiritismo o mais importante
movimento cultural e espiritual da terra.
E para isto precisamos de dinheiro.
E qual é uma das formas mais simples de
conseguí-lo? Utilizando do Bingo, o jogo da sorte.
Convenci-o?
Não.
Ou melhor, se você não adota o Bingo em seu
Centro Espírita, a probabilidade de não ter-lhe convencido é muito grande.
Certa vez Galileu reuniu os principais professores da Universidade de Pizza à
frente da torre homônima para provar, cientificamente, que dois objetos com
pesos diferentes lançados de uma mesma altura e num mesmo momento, levariam o
mesmo tempo para atingir o solo. Galileu conseguiu provar aos estupefatos
professores que o peso do objeto não é preponderante. Isto é, que qualquer que
fosse o peso de cada um dos objetos , eles chegariam juntos ao solo. Galileu
provou tal fato. Sabe o que os professores continuaram lecionando? Continuaram
por muitos anos ensinando aos seus alunos o contrário do que Galileu havia
cientificamente provado.
Mas por que eles agiram assim de forma tão
absurda?
Por que nós seres humanos somos resistentes
às idéias novas. Veja o exemplo de Jesus quando veio à terra. Veja o exemplo de
Kardec.
A Lei de Russel diz “a resistência à uma
idéia nova aumenta na proporção do quadrado de sua importância”. E para quem
tem uma forte opinião contrária – pré-concebida – em relação ao Bingo, esse
artigo é uma idéia nova e sofrerá resistência.
P.S.
Não escrevi este artigo com o propósito de converter o caro leitor a adotar o
Bingo no seu Centro Espírita. Escrevi mais com o objetivo de desanuviar a mente
daquele dirigente que, com propósito amoroso e caritativo, utiliza do Bingo, e
não encontra apoio de muitos dos seus irmãos espíritas. Cabe a nós humanos
difundir novas idéias, mas sempre respeitar as opiniões contrárias, portanto,
respeitar quem adota o Bingo, e também quem não o adota, é nosso dever de
espírita cristão.
(*) Alkíndar de Oliveira é consultor de empresas, expositor, escritor espírita e autor das obras Aprimoramento Espírita, O Trabalho Voluntário na Casa Espírita e Liderança Saudável.
Boa discussão! Vou apimentá-la: a Mansão do Caminho, fundada por Divaldo Franco, começou com o bingo de um automóvel. Eu, particularmente, tenho algumas restrições.
ResponderExcluirTalvez caibam aqui, também, os conhecidos versos do eminente português:
ResponderExcluir"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."
Fernando Pessoa
Everaldo - Viçosa do Ceará
Excelente. Muito bem colocado. A lição foi dada, falta a nós outros utilizarmos, se for caso, o instrumento com BOM SENSO e conscienciosamente.
ResponderExcluirPenso que não adianta pintar o urubu de branco, ele continua a gostar de coisas pútridas. Jogo não casa com nenhuma atividade na Casa Espírita. O objetivo da Doutrina Espírita é a reforma da sociedade. Pense Nisso. Francisco Castro
ResponderExcluirGuardo a mesma impressão, confrade Castro. Os meios devem se manter dignos dos fins, nem tanto pelo bingo em si, mas é que não vejo em nós, espiritistas atuais, maturidade tal que proteja o Movimento das degenerescências que testemunhamos fora dele. Concessões, concessões. Em poucas décadas fomos de "Chiquita bacana" a "funk proibidão".
ResponderExcluirPercebi agora que este artigo foi publicado no blog Canteiro em 2013 e agora considerado, com razão, uma postagem em destaque. Compartilho com os leitores que há na literatura espírita uma obra a respeito do tema, não esquecido por Allan Allan Kardec, as "vias e meios" (vide Obras Póstumas).
ResponderExcluirTrata-se de um livro de 142 páginas, do confrade paraibano Geraldo F. de Macedo, editora Ideia. O título: VIAS E MEIOS À CAUSA ESPÍRITA. O Centro Espírita de que participo recebeu do autor, ou da editora, por via postal, a título de generosa cortesia.
Acrescento que a sustentabilidade das casas espíritas parece ser um problema semelhante à da Casa do Caminho (veja o excelente livro PAULO E ESTÊVÃO) e da eklesia de Lião (veja a obra AVE CRISTO). Essas duas obras retratam o quanto as organizações cristãs amparavam os desvalidos e o quanto seus dignos tarefeiros se doavam para manter aquelas pequeninas, mas invejáveis células de amor e trabalho.