Por Dora Incontri (*)
Uma das propostas em que mais acredito para
se trabalhar na formação ética das crianças e adolescentes é fazer com que eles
conheçam biografias de personalidades que deram exemplos elevados. Por isso, em
nossa coleção Todos os Jeitos de Crer, temos um volume inteiro com o título
Vidas. Nele, há as histórias de Sócrates, Jesus, Buda, Gandhi, Francisco de
Assis, Martin Luther King, entre outros… Por isso, também temos uma série de
livros, da qual lançamos há 10 anos o primeiro volume: Francisco, o pobre rico de
Assis. E só agora, por incrível que pareça, estamos publicando o segundo,
Pestalozzi e a escola num castelo. São ambos pela Editora Comenius e não
lançamos outros (já há mais de 10 volumes escritos por diferentes autores), por
falta de recursos financeiros. (Bem-vindas parcerias!! Esse de Pestalozzi
contou com o apoio da Fundação Pestalozzi de Franca.)
Por que considero importante esse trabalho?
Ora, porque um dos caminhos essenciais para promovermos a bondade, a
fraternidade, a virtude em geral neste mundo é estarmos convencidos de que o
ser humano é capaz de ser bom, fraterno, virtuoso. Uma visão pessimista da alma
humana nos leva à descrença em nossa própria capacidade de sermos melhores. A
amargura é a raiz de todo mal.
Por outro lado, em nossa sociedade
capitalista, os vencedores são louvados e exaltados como exemplos a serem
seguidos. Que tipo de vencedores? Os que ganham guerras violentas, os que
conquistam sucesso, fama e dinheiro, mesmo à custa de princípios morais,
atropelando o próximo, calando a consciência.
Assim, numa sociedade em que a lei do mais
forte é cultuada, em que o homem é visto como bicho competitivo, cujos
instintos de domínio, agressividade e posse devem ser estimulados – é preciso
encontrar a rota da cooperação, da não-violência, da solidariedade e mesmo do
sacrifício.
Não podemos esperar fazer um mundo justo e
fraterno, sem criaturas justas e fraternas e não podemos formar criaturas
justas e fraternas, se não acreditamos que a natureza humana permite essa
ascensão, se não descartarmos a inexorabilidade do “homem como lobo do homem”.
Pois uma das coisas que mais nos convencem a
respeito dessa positiva natureza humana é sermos informados de que houve homens
e mulheres no decorrer da história que viveram virtudes, deram exemplos,
fizeram por merecer o título de apóstolos, mártires e heróis. Histórias
verdadeiras dessas pessoas nos inspiram, nos estimulam, nos comovem, despertam
em nós o desejo de sermos bons.
Isso ainda é mais verdadeiro com as crianças,
que naturalmente torcem pelos personagens do bem em qualquer narrativa.
Mostrarmos personagens do bem que viveram de
verdade e que não usaram violência para vencer batalhas na Terra ou nas
estrelas, mas foram supostos fracassados no mundo, deixando mensagens eternas
de amor e perdão – eis o que é necessário, inspirador, benéfico para as novas
gerações. As crianças precisam aprender que o sucesso do bem quase nunca é o
sucesso do mundo (dinheiro, fama, poder). Ao invés, a vitória do bem muitas
vezes é a semeadura do sacrifício, da luta pela verdade.
Não é esse o exemplo máximo de Jesus? Aos
olhos dos partidários nieztscheanos da
lei do mais forte, Jesus é um fracasso: morreu na cruz, entre ladrões, foi
abandonado, traído, era pobre, não possuía cátedra ou poder… Mas aos olhos dos
partidários dos bens espirituais, ele é o maior dos exemplos: semeou ideias e
ensinos, sentimentos de amor e compaixão, que atravessaram os milênios e
tocaram o coração de multidões, transformando a humanidade.
Não se trata de pregar às novas gerações a autoflagelação
e o martírio, formando pessoas fanáticas, masoquistas e suicidas! É, ao invés,
trazer vidas inspiradoras de alegria no bem, de serviço à humanidade, de
compaixão para com os seres vivos. Os verdadeiros mestres da virtude, embora
possam enfrentar dificuldades, resistências, fracassos e até a morte, não são
seres carrancudos, que se cobrem de cinzas ou vivem se martirizando e
lamentando. Ao contrário, os evoluídos, os santos, os iluminados, como um Buda,
um Francisco de Assis, um Gandhi são pessoas que irradiam paz, alegria,
bem-estar, equilíbrio. São dessas irradiações, que podemos impregnar as
crianças. Mesmo porque, além da inspiração de vida que esses grandes seres
humanos podem nos dar, há ainda a sintonia mental que estabelecemos com eles,
quando nos conectamos com a narrativa de suas vidas. Essa ligação vibratória já
nos faz bem, nos eleva e nos aproxima do clima espiritual dessas grandes almas.
Uma objeção comum a essa proposta de trabalho
com pessoas de qualidades morais elevadas é a de que não devemos favorecer a
idolatria e de que isso seria anular o espírito crítico necessário à visão
histórica. Essa ponderação é pertinente e devemos tomá-la em consideração,
primeiro porque a educação, para ser libertadora, não pode em hipótese alguma favorecer a
negação do espírito crítico, formando pessoas crédulas, ingênuas e sem
discernimento. Assim, não podemos perder de vista os seguintes senões:
• Não existem de fato criaturas humanas
perfeitas e mesmo aquelas que atingiram níveis elevados de virtude podem
apresentar alguma fraqueza. Isso não as desmerece.
• Não devemos idolatrar as figuras do bem,
mas amá-las e seguir seus exemplos.
• É preciso distinguir os bons de fato dos
falsos profetas, dos hipócritas que pululam em todas as comunidades religiosas
(sobretudo).
A questão toda é que não podemos colocar
seres humanos em pedestais inacessíveis, para adorarmos de joelhos. Ao
contrário, a proposta que estamos trabalhando é justamente a de mostrar que a
virtude é acessível a todos e de qualquer um de nós é capaz de se iluminar! O
problema da divinização de Jesus foi esse: tornando-o Deus, afastamos a
possibilidade de sermos iguais a ele, de seguirmos seus passos, pois quem se
atreveria a querer imitar Deus? (Ver a esse respeito a crítica nesse blog ao
filme Ágora.)
(*) jornalista, educadora e
escritora. Suas áreas de atuação são Educação, Filosofia,
Espiritualidade, Artes, Espiritismo.
Estas palavras não poderiam ter alimentado melhor meu espírito. Por incrível que pareça essa é uma reflexão que venho fazendo já há algum tempo e caíram perfeitas na minha maneira de pensar EDUCAÇÃO.
ResponderExcluirParabéns Dora. Prestigio demais suas obras.
Meire Ramos
Revisitando esse belo texto(de set/2011) que tive o prazer de ler mais uma vez, agradeço a Dora Incontri por suas tão lúcidas e belas palavras! Gardênia Carlos
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