Por Francisco Cajazeiras (*)
Francisco
Cajazeiras – Quais as
relações existentes entre Educação e o Espiritismo?
Dora
Incontri – Muitas.
Primeiro porque Kardec era um educador. Antes de se dedicar ao Espiritismo, à
pesquisa das mesas girantes, depois à codificação da Doutrina Espírita, durante
trinta anos, na França, exerceu a função de educador. Foi discípulo de um dos
maiores educadores de todos os tempos que foi Pestalozzi.
Então o Espiritismo segue uma tradição
pedagógica. E o Espiritismo, ele próprio, é uma proposta pedagógica do
Espírito. O Espiritismo não é uma proposta salvacionista, ele é uma proposta
que pretende que o homem assuma a sua autoeducação como aperfeiçoamento
espiritual.
Francisco
Cajazeiras – Então quer dizer que existe uma educação espírita e
uma pedagogia espírita?
Dora
Incontri – Existe.
Existe porque toda filosofia, toda concepção de homem, de mundo, toda
cosmovisão desemboca, necessariamente, numa prática pedagógica. Se você tem uma
doutrina materialista, você terá, consequentemente, uma proposta pedagógica
materialista; se você tem uma visão de mundo espiritualista, também terá uma
proposta espiritualista; se você terá uma proposta pedagógica coerente como os
princípios da Doutrina Espírita. É isso que nós estamos tentando pesquisar,
elaborar, enfim, contribuir para que pedagógica espírita seja mais
sistematizada, mais conhecida e mais aplicada.
Francisco
Cajazeiras – O que você
acha da criação de escolas espíritas? Como é que o movimento espírita tem se
comportado com relação a isso?
Dora
Incontri – O movimento
espírita tem negligenciado essa tarefa de educar, o movimento espírita tem se
dedicado muito mais ao assistencialismo, à assistência social, que é um setor
respeitável, digno, porem a tarefa educacional teria de ser primordial e o
movimento espírita não tem contribuído muito nesse sentido. Eu penso que é
preciso criar escolas espíritas o mais rápido possível e não só escolas, como
centros culturais, institutos de divulgação, universidades, enfim, núcleos de
cultura espírita. Só que eu não entendo escola espírita como um lugar em que se
pratique uma pedagogia igual às outras e haja uma aula de Espiritismo por
semana, porque então, o Espiritismo se torna uma espécie de catequese e não é
essa a proposta. A proposta é fazer uma escola que aplique uma nova pedagogia.
Francisco
Cajazeiras – Então, desse modo, você tem uma visão diferente para
os trabalhos que são realizados no Centro Espírita ao que se convencionou
chamar de “Evangelização Infantil”.
Dora
Incontri – Tenho,
porque todo o processo de ensino do Espiritismo no Centro Espírita, seja
evangelização infantil, sejam os cursos que são dados para os adultos, para os
jovens do Espiritismo, enfim, todo aquele ensino que no Centro Espírita tem por
objetivo transmitir o conteúdo do Espiritismo, não tem se baseado numa proposta
de Pedagogia Espírita. Têm sido cursos iguais a qualquer curso que se dá em
qualquer comunidade, em qualquer escola, ou seja, de maneira passiva, as
pessoas ficam ouvindo sentadas, não há participação, No caso da Evangelização,
ela tem sofrido algumas propostas interessantes de melhoria e incremento, porém
ainda estamos longe, porque em geral a Evangelização no Centro Espírita é uma
espécie de catequese. É preciso tornar a Evangelização algo dinâmico, em que a
criança produza, participe com estímulo das artes, da música, das poesias, de
histórias, enfim, em que elas participem, façam alguma coisa, não fiquem só
ouvindo alguém contar, explicar o que é Espiritismo.
Francisco
Cajazeiras – A questão
do próprio nome “Evangelização Infantil”, de certa forma, não limita a ação do
Espiritismo em relação à criança, ao adolescente de uma forma geral?
Dora
Incontri – Penso que
sim, isso revela que o ensino do Espiritismo para crianças tem sido focalizado
no aspecto religioso, como totó movimento espírita tem se focado mais no Brasil
no aspecto religioso, por um problema cultural nosso. Nós vivemos uma cultura
em que a ciência, a filosofia não tão desenvolvidas, então esses aspectos do
Espiritismo não tiveram muita ênfase no nosso meio. Por isso a Evangelização é
também uma manifestação-título e o que se faz da Evangelização, que é uma
espécie de catequese – como eu já disse -, reflete esse aspecto mais religioso
do movimento.
Francisco
Cajazeiras – Então, talvez fosse interessante usar “Educação
Espírita Infantil”?
Dora
Incontri – É, por exemplo. Ou Espiritismo para crianças,
qualquer coisa desse tipo. Eu penso assim.
Francisco
Cajazeiras - Sua mensagem aos leitores da Revista
FORTALEZA ESPÍRITA nesse sentido, englobando a questão da educação:
Dora
Incontri – Eu espero que nós consigamos, aqui no Brasil,
fazer uma proposta, de fato, consistente e um modelo de educação nova para
oferecer ao mundo e ao Terceiro Milênio, uma escola diferente e renovada,
revolucionária, espírita. E eu conto, então, com a colaboração de todos, nós
contamos com a colaboração mútua dentro do Movimento Espírita para que possamos
construir isso e convido aos leitores a lerem as minhas obras, tanto “Pestalozzi
– Educação e Ética”, que trata exatamente desse grande mestre de Kardec e agora
o mais novo lançamento “Educação Segundo o Espiritismo”, onde eu proponho
algumas ideias para a elaboração dessa pedagogia. Queria dizer que, também,
estou fazendo uma tese na USP – Universidade de São Paulo sobre Pedagogia
Espírita2. A minha tese de doutorado. Porque é importante a gente
levar essas ideias para uma universidade para que elas tenham um referendum
acadêmico. Então, essa é a convocação que eu faço a todos para que
participem desse projeto de educação espírita do Brasil.
¹ entrevista realizada no
Cine Teatro da Casa do Comércio em Salvador-BA, no dia 28/07/1997, por ocasião
do 2º Fórum Baiano de Espiritismo, publicada na revista Fortaleza Espírita, nº
3 – jul-ag-set/1997 - (fora de circulação).
² a tese de mestrado da
professora Dora Incontri foi publicada com o título Pedagogia Espírita, pela Editora Comenius. Dora Incontri é jornalista, educadora e escritora. Suas áreas de atuação são Educação, Filosofia, Espiritualidade, Artes, Espiritismo.
(*) escritor espírita, presidente do Instituto de Cultura Espírita e da Associação Médico-Espírita do Ceará.
Apesar dos dezesseis anos passados, a entrevista é atualíssima o que justifica nova publicação. As ideias da prof. Dora Incontri, sempre ricas e viris, merecem discussão e aplicabilidade no seio da Casa Espírita.
ResponderExcluirBoa parcela das Instituições espíritas o público ainda é passivo nas atividades. Não possibilitam a interação do público com o expositor, com o propósito de levantar questionamentos acerca das suas dúvidas. É um modelo eminentemente igrejeiro.
ResponderExcluirPor conta dessa passividade ou falta mesmo de buscas pelas informações reais e didáticas.A maioria de nós ficamos presos a ideias equivocadas e passadas ( buscando apenas a religiosidade de fato ligada aos romances literários). Não abrimos o leque da evolução do conhecimento. Ficamos em círculos apenas.
ResponderExcluirVanessa
Vejo dois pontos importantes nessa abordagem: Um, é que está sendo feita alguma coisa. Dois, é a discussão do que está sendo feito: É a coisa correta a ser feita? Sim. É a maneira correta de se fazer o que está sendo sendo feita? Não. Discutir esses dois pontos conduzirá a atingirmos o fazer da maneira correta a coisa certa!
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