Por Roberto Caldas(*)
É inegável que o pensamento espírita
desembarcou no planeta trazendo uma versão teológica que contraria a tradução
adotada por muitos séculos pelas doutrinas religiosas ocidentais. À parte a
questão fenomenológica da mediunidade, grande gargalho no debate com a
ortodoxia, há um ponto que se torna o calcanhar de Aquiles da relação da
Doutrina Espírita com as demais denominações espiritualistas, que é a discussão
que envolve a existência da figura bíblica do Satanás, Lúcifer ou Diabo.
Ao tratar desse tema a linguagem espírita não
poderia ser mais incisiva e direta. A pergunta 131 de O livro dos Espíritos não
deixa espaços para qualquer dúvida a respeito quando questiona se “há demônios,
no sentido que se dá a essa palavra?” que traz uma resposta expressa e clara,
“se houvesse demônios seriam obra de Deus”.
A Doutrina Espírita passou a sofrer um
verdadeiro repúdio quando afirmou que Deus em Sua Soberania e Bondade de jamais
criaria seres que se tornariam eternamente voltados para o mal. A existência de
Satanás, mitologicamente criado anjo e que se corrompeu, nega a Onisciência
Divina que não teria percebido o “defeito de fábrica” de algumas de suas
criações, algo completamente inaceitável que implicaria em inabilidade de
engenharia.
Apenas a falta de compreensão dos atributos
da divindade daria lugar para a aceitação da teoria do “anjo decaído”
resultando numa disputa pela hegemonia sobre as atitudes humanas para
determinar o Céu ou o Inferno como o destino final depois da morte, numa luta
sem a consumação dos tempos, posto que levada à eternidade. Tal entendimento
seria risível se não fizesse tanto mal há milhões de pessoas em volta do mundo
caracterizando um dos maiores desserviços prestados ao pensamento religioso
contemporâneo, pois a Religião que deveria ligar a Deus ministra o medo do
Demônio como o seu mais forte marketing de adesão.
O Espiritismo nos conclama a viver sem medos,
apenas com a admissão de nossas responsabilidades diante nas Leis Naturais, que
provêm de Deus. Anjos e demônios são apenas estágios de maturidade espiritual,
permitidos pelo livre arbítrio, sendo que a decisão de corrigir o rumo da
caminhada garante para todo aquele que consiga vencer as próprias imperfeições
a mudança de estágio. Sempre da menor para a maior compreensão.
Não há condição eterna no mal. A eternidade
nos aguarda resolvidos, compassivos, iluminados. Enquanto essa condição não
chega cometeremos falhas e precisaremos refazê-las, prisioneiros dos nossos
egos. Oportunidades não faltarão para que escalemos os altos montes em direção
à liberdade da consciência, única via de conquista do céu interior. Por mais
que possa demorar o plano Divino para cada um de nós é o caminho inexorável e o
destino obrigatório de toda a humanidade. E se o plano é de Deus, ele é
necessariamente bom, construtivo, para nós que hoje ainda buscamos fábulas
demoníacas para explicar a fraqueza de caráter que nos caracteriza. Afinal foi
Jesus quem nos disse em Lucas (XV: 7): ...haverá mais alegria no céu por um
pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não precisam
arrepender-se.
(¹) editoria do programa Antena Espírita de 15.09.2013.
(*) integrante da equipe do programa Antena Espírita e voluntário do C.E. Grão de Mostarda.
Muito bom o post! O ser humano em busca de culpados para suas imperfeições ver na figura do anjo decaído o culpado perfeito. Assim, ele não percebe que começar a caminhada consciente de suas imperfeições é condição sine qua non para o avanço moral e espiritual.
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