Chega de pieguice religiosa, de palestras sem fim sobre a fraternidade impossível no meio de lobos vestidos de ovelhas. Chega de caridade interesseira, de imprensa condicionada à crença simplória, de falações emotivas que não passam de formas de chantagem emocional. [...] Não façamos do Espiritismo uma ciência de gigantes em mãos de pigmeus. [...] Remontemos o nosso pensamento às lições viris do Cristo, restabelecendo na Terra as dimensões perdidas do seu Evangelho. Essa é a nossa tarefa. (Herculano Pires. Jornal Mensagem. Set/1975.)
Por Sérgio Aleixo (*)
Estudo, prática e divulgação fiéis a Kardec,
qualificados intelectual e, sobretudo, moralmente, é o de que necessita nosso
movimento espírita. Reitero meu respeito às instituições; às pessoas, mais
ainda. Nunca, todavia, aos erros em que podem incidir eventualmente. É dever de
todo espírita sincero a advertência; fraterna, mas firme.
Em meio a esta inglória batalha política
entre extremos opostos nas ideias (ainda que aliados em minarem a obra de
Jesus), entrincheirado se encontra, na mente dos verdadeiros adeptos do
Espiritismo, o bom-senso kardeciano. E ele aguarda o quê? Que o nosso amor ao
Espírito de Verdade promova às futuras gerações de espíritas o socorro de uma
militância independente e aberta, como foi a de Herculano Pires.
Certamente que as futuras gerações de
espíritas não estão destinadas a suportar o peso do óbolo maligno que foi
depositado no gazofilácio dos melhores esforços da geração atual, por
lideranças intoxicadas pelos devaneios da egolatria institucionalizada.
Não deixemos que o instinto gregário de nossa
espécie continue nos levando ao que ela tem de pior: a imitação e a repetição dos papagaios. Fora! Fora! com os
discursos catequéticos, como aqueles desenvolvidos ao influxo da mística de
Brasil: Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, obra que traduz equivocadamente
as favoráveis condições socioculturais brasileiras para a assimilação dos
conceitos e práticas afins com a transcendência humana...
A marcha evolutiva do Espiritismo dispensa
que sejam estatutários na F.E.B. aquele Jesus necessitado de aulas de geografia
e cuja amargura divina empolga toda uma formosa assembleia de querubins e
arcanjos (ob. cit., I), ou um dissidente declarado, como J.-B. Roustaing, do
mais rasteiro solo de intrigas erguido à condição de cooperador de Kardec para
o trabalho da fé, pari passu com os digníssimos missionários Léon Denis e
Gabriel Delanne (ob. cit., XXII. Cf. ainda
http://oprimadodekardec.blogspot.com).
Não devemos esperar os tapinhas nas costas de
uma aclamação ilusória, promovida pelos inimigos da capacidade crítica
renovadora, da fé verdadeiramente raciocinada. Esta não é a vereda em que
andaram nossos ilustres tutelares, chefiados pelo próprio Jesus, que, afinal,
não morreu por falência múltipla dos órgãos vitais.
Desagrademos, sim, se preciso for, tanto a
gregos quanto a troianos. Cultivemos desdém pelo interesse pessoal e imediato,
trabalhando com coragem por um futuro que não faça a nós mesmos —
reencarnacionistas que somos — o desfavor de reproduzir ainda um sem-número de
vezes as mesmas estruturas do passado decrépito.
A doutrina, a verdade mesma, está acima de
qualquer instituição que a pretenda representar no organismo viciado das
sociedades humanas. A eterna doutrina espírita é a instituição por excelência.
Às suas razões é que devemos estar vinculados, independentemente desta ou
daquela casa, deste ou daquele guia ou dirigente, porque acima de todos está
aquele que supervisiona este globo, que preside a regeneração: O Espírito de
Verdade, isto é, Jesus Cristo.[1]
O que torna legitima a representatividade de
qualquer órgão que se qualifique espírita é sua fidelidade incondicional à obra
kardeciana, em cujo programa constam, mais que claros, explícitos, os preceitos
e caminhos do Espiritismo.
Os dissidentes, portanto, não são os que
discordam destas ou daquelas instituições, bem como, principalmente, das ideias
de que se fazem campeãs. Os dissidentes são os que não respeitam a doutrina e,
não satisfeitos em vampirizá-la, acusam de inferioridade e desequilíbrio os
que, denunciando esse deteriorado estado de coisas, seguem o exemplo de João
Batista e de seu divino primo.
De norma, aqueles tais se defendem cultivando
uma indiferença que fantasiam de virtude introspectiva. Querem aparentar uma
superioridade e uma sabedoria que as menores coisas são capazes de desmascarar
aos que com eles tiverem oportunidade de privar algum tempo.
Trata-se de um anticristianismo supor que
podemos atingir a perfeição nos preocupando somente com o que ocorre em nós,
entrincheirados numa caridade mercenária que, acreditamos ingenuamente,
abrir-nos-á as portas do reino do céu, mas que apenas oculta o nosso egoísmo
comodista e a nossa carência oportunista.
O fato é que toda casa não edificada sobre a
rocha desabará, e toda planta que o Pai não plantou será arrancada. Acima do
institucionalismo humano das casas está a instituição divina da causa. Muito acima
de quaisquer instituições está a instituição por excelência: a doutrina em sua
integridade, consignada nas letras de fogo da codificação kardeciana. Pena que
possamos divisar ainda oportuna a antiga palavra bíblica:
Desde o menor deles até o maior, cada um se
dá à ganância, e tanto os profetas, como os sacerdotes usam de falsidade. Curam
superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz.
Serão envergonhados porque cometem abominação sem sentir por isso vergonha; nem
sabem que coisa é envergonhar-se... Assim diz o Senhor: Ponde-vos à margem no caminho e
vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por ele e
achareis descanso para vossa alma; mas eles dizem: Não andaremos... Portanto,
ouvi, ó nações, e informa-te, ó congregação, do que se fará entre eles.
(Jeremias, VI, vv. 13 a 16 e v. 18.)
Poderiam os dissidentes pensar o que quer que
fosse se espiritualistas se dissessem. Como insistem, no entanto, em se
apresentarem como retificadores e reelaboradores da obra de Kardec,
identificando-se indebitamente como espíritas, temos de assumir uma atitude
enérgica.
A nosso bem e das futuras gerações de
espíritas, necessitamos de um Espiritismo que se apresente como de fato é,
ressaltando, cristalino, sem ambiguidades, das obras do mestre de Lyon, isento
das manipulações de toda ordem a que vem sendo submetida.
Temos de ressuscitar o slogan do lendário
Clube de Jornalistas Espíritas de São Paulo, fundado por Herculano Pires aos 23
de janeiro de 1948, assim definido por J. Rizzini: “A
doutrina espírita acima de tudo! Acima dos homens e das instituições, porque em
nosso planeta nada é mais importante do que o Espiritismo!”.
Dizia o filósofo de Avaré:
Precisamos
de estudar Kardec intensamente, de assimilar os ensinos das obras básicas, de
mergulhar nas páginas de ouro da Revista Espírita, não apenas lendo-as, mas
meditando-as, aprofundando-as, redescobrindo nelas todo o tesouro de
experiências, exemplos, ensinos e moralidade que Kardec nos deixou. Mas antes
de mais nada precisamos de humildade para entrar no Templo da Verdade sem a
fátua arrogância de pigmeus que se julgam gigantes. Precisamos de respeito pelo
trabalho de um homem que viveu na Terra atento à cultura humana,
assenhoreando-se dela para depois se entregar à pesada missão de nos livrar da
ignorância vaidosa e das trevas das falsas doutrinas de homens ignorantes e
orgulhosos. (Herculano Pires. Na Hora do Testemunho.
Antes do cantar do galo. Vaidade das vaidades.)
Os que temem pecar por falar e pecam por se
calar devem compreender que estão afastados da obra de Kardec e do Evangelho de
Jesus, sempre amigos do debate sincero, da análise e do estudo sérios, muito
distantes dos dogmas ancestrais formulados pelo obscurantismo, aos quais servem
com seu silêncio comprometedor. Por outra, se é verdade que o Espiritismo quer
ser estudado e refletido, não o é menos que dispensa a presunção daqueles que o
querem retificar e reestruturar a pretexto de atualizá-lo, afrontando sua
lógica intrínseca e sua fonte reveladora. Ora! Não há nada mais vitorioso em
face das atuais formulações do conhecimento e da cultura do que o trabalho de
Allan Kardec.
Dinamizar o Espiritismo, e nunca atualizá-lo,
é tarefa de quem, por princípio, o conhece muito a fundo; de quem o ama e tem
competência intelecto-moral; de quem, por isto, sabe submeter as conquistas das
diversas áreas do saber ao prévio esquema — aliás, insuperável — da eterna
doutrina. Esse esquema, pela sua delicada natureza de refletida totalidade,
permite uma criteriosa e abrangente articulação cultural, expressando
possibilidades jamais identificadas em qualquer sistema de pensamento
organizado.
Logo se vê que essa tarefa não pode caber a
pseudossábios, os quais, ao contrário do que seria correto, pretendem submeter
a doutrina aos acanhados esquemas do agnosticismo e do ceticismo materialista,
ou do superado misticismo espiritualista. O resultado, lembrando o mestre do
Espiritismo por excelência, será sempre o vinho novo do paradigma espírita
posto no odre velho das infantis inquietações de um homem só terrenal. Mais que
da ciência ou da religião, precisamos da codificação kardeciana, perfeita
síntese de ambas no sapiente exercício da consciência filosófica do
Espiritismo.
_____________________
[1] Cf. O Livro dos
Médiuns. Parte 1, cap. IV, n. 48. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. I, n.
7. A Gênese, cap. I, n. 42. Revista
Espírita. Jun/1861. Correspondência. Out/1861. Epístola aos Espíritas Lioneses.
Nov/1861. Primeira Epístola aos Espíritas de Bordéus. Fev/1868. Instruções dos
Espíritos. Futuro do Espiritismo. Jan/1864. Um Caso de Possessão. Senhorita
Júlia. Nov/1862. Dissertações Espíritas. O Duelo. Fev/1867. Dissertações
Espíritas. A Clareza.
Fonte: O Metro que melhor
mediu Kardec - http://ometroquemelhormediukardec.blogspot.com.br/2010/06/capitulo-6.html
Carioca, Sergio
Fernandes Aleixo é graduado e licenciado em Língua e Literaturas de Língua
Portuguesa pelas Faculdades de Letras e de Educação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. De família lusa, foi católico até os dezoito anos, quando leu,
de Allan Kardec, O Livro dos Médiuns. Tornou-se comunicador, palestrante e
escritor dedicado ao Espiritismo.
Em 2014 comemoraremos 100 anos de nascimento do saudoso prof. Herculano Pires.No momento em que alguns espíritas brasileiros o consideram como traidor (?), deveremos jubilar esta data adotando a postura viril que o caracterizou, em defesa dos postulados espíritas. Belíssimo artigo do confrade Sérgio Aleixo..
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