sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

CRIANÇAS ÍNDIGO E O MOVIMENTO ESPÍRITA¹







             Como explicar a adesão de lideranças e instituições espíritas a uma tese tão absurda?

            A entrada livre do movimento índigo dentro do movimento espírita brasileiro revela apenas o que os espíritas conscientes já sabem (e estes infelizmente são em muito pequeno número): nosso movimento anda longe da trilha proposta por Kardec. Entenda-se que não tomamos aqui essa trilha como um conjunto de dogmas fixos, como um sistema fechado de pensamento. O espiritismo – como queria Kardec – deve estar inserido no mundo, na cultura de seu tempo, deve dialogar com outras correntes de pensamento, deve continuar seu caminho de ciência e de pesquisa.

Mas para isto é preciso um método. A principal contribuição de Kardec foi a criação de um método de abordagem da realidade, que inclui a observação científica, a reflexão filosófica e a revelação espiritual. Esses três caminhos convergem na busca da verdade e um elemento controla o outro. Não se pode aceitar cegamente o que vem pela revelação mediúnica – é preciso passá-la pelo crivo da razão e pela análise do método científico. Aliás, somos nós, encarnados, que fazemos a ciência, e não os Espíritos, que vêm apenas nos intuir, nos ajudar, sobretudo no plano moral. Uma ciência que supostamente nos viesse pronta do Além já deveria ser motivo de desconfiança e é própria de Espíritos pseudossábios.


No caso de Lee Carrol, Jan Tober e o Espírito de Kryon (que a tradução brasileira mudou para médium Kryon, quando se trata de um Espírito que se afirma extraterrestre e o Espírito mais próximo de Deus!), defrontamo-nos com uma grande mistificação, com fins comerciais, sem nenhuma racionalidade, sem nenhum critério científico... e os espíritas embarcaram gostosamente na idéia. Por quê?

Alguns certamente o fizeram de boa-fé, outros com claros interesses financeiros, porque se trata de um tema vendável, na linha de autoajuda descompromissada, aquela que agrada ao leitor, por trazer receitinhas prontas de como tratar um filho índigo – e muitos podem se iludir no orgulho de ter um filho de aura azul, predestinado a mudar o mundo, um mutante genético!

Os que aceitaram a ideia de boa-fé não são menos desculpáveis, principalmente em se tratando de lideranças, formadoras de opinião, que publicam livros, fazem palestras, porque deveriam ter a responsabilidade ética e intelectual de falar apenas sobre aquilo que pesquisaram em profundidade e manifestarem uma opinião abalizada sobre o assunto. Aos que fazem publicações com fins comerciais, não temos o que dizer. Kardec advertia que contra interesses não há fatos que prevaleçam.

É preciso esclarecer bem o que criticamos na questão de fins comerciais, pois temos também uma editora e podemos ser mal interpretados. É óbvio que o setor editorial espírita precisa ser profissional, movimentar dinheiro, contratar pessoas, trabalhar na base do profissionalismo e não do amadorismo. Isto também vale para uma escola, uma universidade, um empreendimento qualquer que leve o nome de espírita. Ou seja, temos pleno direito ético de vender um livro espírita (porque senão não podemos publicar outros), de cobrar um curso ou um congresso, para cobrir os custos e, inclusive, para reinvestirmos na própria divulgação do espiritismo. O que criticamos, que é próprio da mentalidade capitalista, é quando passamos o lucro na frente do ideal. Ou seja, quando traímos os princípios da doutrina espírita, publicamos qualquer coisa, para ganhar dinheiro, fazemos qualquer negócio, para obter dividendos e buscamos com isso enriquecimento pessoal.

É isso o que o capitalismo preconiza: lucro acima de tudo e princípios éticos totalmente descartáveis e secundários. A qualidade de um produto, as responsabilidades social, ideológica, moral ficam subordinadas ao desejo de venda fácil. As editoras espíritas que trabalham seriamente, com cultura e livros de conteúdo, sabem o quanto é preciso se sacrificar para manter bem alto o ideal!

A falta do espírito crítico

O outro aspecto comprometedor que afasta o movimento espírita do rumo de Kardec é a ausência de criticidade, debates e exame livre das questões. Quando surgem às vezes alguns críticos, cometem o deslize que discutir pessoas, ao invés de discutir idéias. Mas a grande maioria, acostumada à cultura do “brasileiro cordial”, acrescida pelo estereótipo de “espírita caridoso”, não está habituada a nenhum exercício de crítica construtiva. Considera-se que crítica é falta de caridade.

Ora, Kardec, nos 12 volumes da Revista Espírita, estabelecia um debate eloquente, ardido e, muitas vezes, usando aquele fino espírito francês de ironia, para colocar-se ante adversários e para esclarecer questões polêmicas. Não que transformasse as páginas da Revista em arena de combate, mas não deixava de exercitar o saudável espírito da análise crítica, inclusive como instrumento de construção do conhecimento espírita.

Todos os grandes pensadores agiram assim. Basta lembrar Sócrates, com sua fina ironia, debatendo com os sofistas; basta rememorar Descartes, com seu método racionalista, desmontando a teologia jesuítica. Toda a história do pensamento humano constitui-se no debate de idéias.

Quando a discussão é implicitamente proibida, cria-se o autoritarismo disfarçado, a idolatria por líderes, que passam a pontificar sem nenhum questionamento, dominando as consciências, e não há progresso e nem liberdade de pensamento.

É isso o que se vê no meio espírita atualmente. Qualquer pessoa pode publicar, falar, pontificar o que for, e ninguém rebate uma vírgula, ninguém faz uma objeção. Por isso, multiplicam-se os absurdos e estamos imersos numa avalanche de frivolidades.

Enquanto não aprendermos a debater sem melindres, a discutir idéias sem paixões pessoais, a criticar construtivamente e a exercitar o livre-exame (que já Lutero propunha há 500 anos), não teremos um movimento espírita esclarecido e progressista, que não engula mistificações tão grosseiras como essa das crianças índigo. Obviamente que só é possível criticar construtivamente a partir de um conhecimento aprofundado das questões. Para isso, é preciso estudar Kardec e procurar sempre ampliar o horizonte cultural.

¹ publicado no Jornal da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita - junho de 2007.

(

4 comentários:

  1. Passados quase sete anos da publicação do artigo da prof. Dora, que marcou a "febre" que foi "As Crianças Índigo" no meio espírita, percebo que a temática ainda é recorrente. Diante disto, resolvi publicá-lo para refrescar as nossas memórias.

    ResponderExcluir
  2. Você tem, caro Jorge Luiz, todo o meu apoio nessa reflexão. O movimento espírita tateia e escorrega no desvão da falta de estudo doutrinário e tenta trazer para as casas espíritas temas que podem e devem sobreviver, porque são importantes, nos seus devidos lugares como cromoterapia, homeopatia, projeciologia, curas mediúnicas com cirurgias, neurolinguística, pirâmides e outros tantos. Com isso parecem querer INOVAR as idéias espíritas e só conseguem exibir uma IGNORÂNCIA MONSTRO a respeito da profunda reflexão de KARDEC exposta nos livros da CODIFICAÇÂO.

    ResponderExcluir
  3. É verdade , os absurdos que existem no movimento espírita.
    Ainda caminhamos para entender Kardec e a Doutrina . Talvez pouco estudo e muito orgulho (vaidades) envolvido.

    Marcia.

    ResponderExcluir
  4. Parabéns, amigo Jorge Luiz, pela (re) publicação desse artigo da Profª. Dra. Dora Incontri! Excelente artigo!

    ResponderExcluir