sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

IDE E PREGAI!

“Hoje, não são mais as entranhas
do planeta que se agitam: são as da
Humanidade”
(Allan Kardec – Obras Póstumas)




            Por Jorge Luiz (*)



            Em 1965, a música “Arrastão”, interpretada por Elis Regina foi a grande vencedora do I Festival da Música Popular Brasileira.
            O arrastão é um tipo de pescaria que se opera com redes de arrasto – redes em forma de saco -, através de barco de pesca, que são puxadas a uma velocidade que permite que os pescados fiquem presos nele, sendo muito comum no litoral brasileiro.
            Na década de 1980, o arrastão passou a ser uma prática de crime coletivo, surgida primeiramente na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para depois se disseminar por outros locais do Brasil. O termo vulgarizou-se na linguagem criminal e passou a significar qualquer tipo de roubo em série. O arrastão migrou das praias para os condomínios de luxo, restaurantes, trânsito. Da poesia para o crime. Duas realidades. Duas gerações. Duas formas de interpretar o mundo.

            Recentemente, surgem os “rolezinhos”, definidos por alguns como encontros promovidos por adolescentes ou jovens adultos dentro dos shoppings -  comumente localizados na periferia -, com finalidades específicas banais (“beijar, zoar, curtir a galera, ouvir funk, andar do lado contrário nas escadas rolantes” etc), e apoiados nos simpatizantes do funk ostentação, não deixando de ser, no entanto, uma nova versão do arrastão. O funk ostentação é uma vertente musical que valoriza a posse de certos objetos que atribuem um poder específico, possibilitando a ostentação
            Os “rolezinhos” têm alterado a rotina dos shoppings, bem como o comportamento dos seus clientes e frequentadores, mas segundo especialistas, devem chegar às ruas muito em breve.
            O fenômeno tem sido analisado sob diversos prismas, mas todas as análises acompanhadas o tentam legitimá-lo, seja como fenômeno cultural, político ou social. Vive-se a fase do tudo é permitido; tudo é social; tudo é político; tudo é cultural.
            “Black Blocks”, “arrastões”, “rolezinhos”, e outras permissividades e perversidades, podem ser discutidos nas mais variadas formas, entretanto, a sua gênese, no meu entendimento, está no fenômeno social que Émile Durkheim (1858-1917), pai da sociologia, denominou de anomia, estado que se caracteriza por falta de objetivos e identidade do ser, provocado pelas intensas transformações que ocorrem no mundo social moderno. O processo agônico que acontece com as instituições religiosas, ocasionou uma ruptura radical dos valores tradicionais defendidos por elas, dificultando o estado de harmonia que deve caracterizar a sociedade.
            Em sua obra Suicídio, Durkheim acentua que o corpo social quando anômico funciona de forma patológica sendo um dos geradores de suicídios, o que explica o seu crescimento em nossos dias - de forma consciente e inconsciente (drogas lícitas e ilícitas), na classificação espírita.
            Para Robert K. Merton (1910-2003), sociólogo estadudinense, estudioso da sociologia da ciência e da comunicação de massa, a teoria da anomia propicia condutas para infrações penais e crimes de motivações políticas (terrorismos, saques, ocupações), conduta de rebeliões, bem como comportamentos de evasão alcoolismo e toxicodependência, principalmente para as camadas menos favorecidas da sociedade.
            Na realidade, a anomia reflete a ausência valores morais. Leia-se o que afirma Durkheim:

“Mas, como não há nada no indivíduo que lhes possa fixar um limite, este lhes deve necessariamente vir de alguma força exterior do indivíduo. É preciso que uma força reguladora desempenhe para as necessidades morais o mesmo papel que o organismo para as necessidades físicas. Isso significa que essa força só pode ser moral. É o despertar da consciência que veio romper o estado de equilíbrio no qual o animal dormitava; só a consciência, portanto, pode fornecer os meios de o restabelecer.”

             Portanto, a coerção material, neste caso não surtirá efeito, como não tem surtido. Não são “bombas de efeito moral” e cassetetes que modificam corações. É preciso promover o reencantamento do mundo com valores morais consistentes que revelem ao indivíduo a sua natureza, sua origem e sua destinação, que serão a base para uma nova educação. Somente com esse reencantamento poder-se-á construir bases para relacionamentos saudáveis entre os jovens e adultos como um todo.
            Na questão nº 100 de “O Livro dos Espíritos”, didaticamente, são denominados de Espíritos Neutros, aqueles pertencentes à sétima classe, da Terceira Ordem – Espíritos Imperfeitos, na Escala Espírita. Para Kardec, esses Espíritos nem são bastante bons para fazer o bem, nem bastante maus para fazer o mal; tendem tanto para um como para outro, e não se elevam sobre a condição vulgar da humanidade, quer pela moral ou pela inteligência. Apegam-se às coisas deste mundo, saudosos de suas grosseiras alegrias.
            Allan Kardec, no ensaio “As Aristocracias”, inserido em Obras Póstumas, avança nesta análise, ao se referir à instalação da aristocracia intelecto-moral que vigerá na transição que se opera no mundo, quando ele é categórico em afirmar que dentre os maus, muitos há que apenas o são por arrastamento e que se tornariam bons, se fossem submetidos a uma influência boa. Assim ele esquematiza essa equação: “Admitamos que, em 100 indivíduos, haja 25 bons e 75 maus; destes últimos, 50 se contam que o são por fraqueza e que seriam bons, se observassem bons exemplos e, sobretudo, se tivessem sido bem encaminhados na infância; dos 25 maus, nem todos serão incorrigíveis.”
            Cabe a todos os espíritas atenderem ao apelo do Espírito Erasto, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo – “Missão dos Espíritas”, quando acentua: “(...) ides pregar o dogma novo da reencarnação e da elevação dos Espíritos, segundo o bom e ou mau desempenho de suas missões e a maneira por que suportaram as suas provas terrenas.”
            É óbvio, portanto, que além dos fatores econômicos, políticos e socais, seu aprofundamento está efetivamente na desagregação no núcleo familiar moderno, em decorrências desses fatores exógenos citados, bem como os de ordem endógenas.
            A família que será inaugurada pelos valores imortais do Espírito, assentados em bases reencarnacionistas e na lei do amor, proporcionará a revitalização da vivência do lar, como cadinho onde as criaturas devem unir-se espiritualmente antes que materialmente. O lar é a pedra angular divina para a construção da fraternidade entre os povos.
            Ide e pregai!        





(*) livre-pensador, blogueiro e voluntário do Instituto de Cultura Espírita do Ceará.      
           
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo sociológico. Lisboa: Editorial Presença, 1982. (1ª edição original em 1897).
ELIS REGINA. Arrastão. Composição de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. CBS: 1963.
KARDEC, Allan. Obras póstumas. São Paulo: FEB, 2003.
___________. O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2004.


            

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