Por André Trigueiro (*)
É urgente que o movimento espírita absorva e
contextualize, à luz da Doutrina, os sucessivos relatórios científicos que
denunciam a destruição sem precedentes dos recursos naturais não-renováveis, no
maior desastre ecológico de origem antrópica da história do planeta.
Os atuais meios de produção e de consumo
precipitaram a humanidade na direção de um impasse civilizatório, onde a
maximização dos lucros tem justificado o uso insustentável dos mananciais de
água doce, a desertificação do solo, o aquecimento global, a monumental
produção de lixo, entre outros efeitos colaterais de um modelo de
desenvolvimento “ecologicamente predatório, socialmente perverso e
politicamente injusto”.
Na pergunta 705 de “O Livro dos Espíritos”,
no capítulo que versa sobre a Lei de Conservação, Allan Kardec indaga: “Por que
nem sempre a terra produz bastante para fornecer ao homem o necessário?”, ao
que a Espiritualidade responde: “É que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no
entanto, é excelente mãe. Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza do que só
é resultado da sua imperícia ou da sua imprevidência. A terra produziria sempre
o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se” (...).
É evidente que em uma sociedade de consumo,
nenhum de nós se contenta apenas com o necessário. A publicidade se encarrega
de despertar apetites vorazes de consumo do não-necessário – daquilo que é
supérfluo, descartável, inessencial – renovando a cada nova campanha a promessa
de felicidade que advém da posse de mais um objeto, seja um novo modelo de
celular, um carro ou uma roupa.
Para nós espíritas, é fundamental que o
alerta contra o consumismo seja entendido como uma dupla proteção: ao meio
ambiente – que não suporta as crescentes demandas de matéria-prima e energia da
sociedade de consumo, onde a natureza é vista como um grande e inesgotável
supermercado – e ao nosso espírito imortal, já que, segundo a Doutrina
Espírita, uma das características predominantes dos mundos inferiores da
Criação é justamente a atração pela matéria.
Nesse sentido, não há distinção entre
consumismo e materialismo, e nossa invigilância poderá custar caro ao projeto
evolutivo que desejamos encetar. Essa questão é tão crucial para o Espiritismo,
que na pergunta 799 de “O Livro dos Espíritos”, quando Kardec pergunta “de que
maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?”, a resposta é
taxativa: “Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade (...)”.
Uma das mais prestigiadas organizações
não-governamentais do mundo, o Worldwatch Institute, com sede em Washington,
divulga anualmente o relatório “Estado do Mundo”, uma grande compilação de
dados e estudos científicos que revelam os estragos causados pelo atual modelo
de desenvolvimento. Na última versão do relatório, referente ao ano de 2004,
afirma-se que “o consumismo desenfreado é a maior ameaça à humanidade”.
Os pesquisadores do Worldwatch denunciam que
“altos níveis de obesidade e dívidas pessoais, menos tempo livre e meio
ambiente danificado são sinais de que o consumo excessivo está diminuindo a
qualidade de vida de muitas pessoas”.
Aos espíritas que mantêm uma atitude
comodista diante do cenário descrito nestas breves linhas, escorados talvez na
premissa determinista de que tudo se resolverá quando se completar a transição
da Terra (de mundo de expiações e de provas para mundo de regeneração), é bom
lembrar do que disse Santo Agostinho no capítulo III de “O Evangelho segundo o
Espiritismo”.
Ao descrever o mundo de regeneração, Santo
Agostinho diz que mesmo livre das paixões desordenadas, num clima de calma e
repouso, a humanidade ainda estará sujeita “às vicissitudes de que não estão
isentos senão os seres completamente desmaterializados; há ainda provas a
suportar (...)” e que “nesses mundos, o homem ainda é falível, e o Espírito do
mal não perdeu, ali, completamente o seu império. Não avançar é recuar, e se
não está firme no caminho do bem, pode voltar a cair nos mundos de expiação,
onde o esperam novas e terríveis provas”.
Ou seja, não há mágica no processo evolutivo:
nós já somos os construtores do mundo de regeneração, e, se não corrigirmos o
rumo na direção do desenvolvimento sustentável, prorrogaremos situações de
desconforto já amplamente diagnosticadas.
Não é possível, portanto, esperar a chegada
do mundo de regeneração de braços cruzados. Até porque, sem os devidos méritos
evolutivos, boa parte de nós deverá retornar a esse mundo pelas portas da
reencarnação.
Se ainda quisermos encontrar aqui estoques
razoáveis de água doce, ar puro, terra fértil, menos lixo e um clima estável –
sem os flagelos previstos pela queima crescente de petróleo, gás e carvão que
agravam o efeito estufa – deveremos agir agora, sem perda de tempo.
Depois que a ONU decretou que 2003 seria o
ano internacional da água doce, os católicos não hesitaram em, pela primeira
vez em 40 anos de Campanha da Fraternidade, eleger um tema ecológico: “Água:
fonte de vida”. Mais de 10 mil paróquias em todo o Brasil foram estimuladas a
refletir sobre o desperdício, a poluição e o aspecto sagrado desse recurso
fundamental à vida.
E nós espíritas? O que fizemos, ou o que
pretendemos fazer? O grande Mahatma Gandhi – que afirmou certa vez que toda
bela mensagem do Cristianismo poderia ser resumida no Sermão da Montanha – nos
serve de exemplo, quando diz: “sejamos nós a mudança que nós queremos ver no
mundo”.
(*) jornalista e escritor espírita, autor da obra "Ecologia e Espiritismo".
Para que a mudança se faça, devemos começar esse processo em nós mesmos. Hoje, amanhã e sempre “sejamos nós a mudança que nós queremos ver no mundo”. Grande abraço fraterno! Gardênia Carlos(Trabalhadora ICE-CE)
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