Por Dora Incontri (*)
A morte de Jesus pode ser vista e
interpretada de diversas maneiras. Na ortodoxia do cristianismo tradicional, é
artigo de fé de que Jesus morreu para selar com o sangue a salvação da
humanidade. Na teologia estabelecida por Paulo de Tarso, o homem pecou com Adão
e redimiu-se com o Cristo. Não procuremos entender a racionalidade dessa
doutrina: por um, todos caem; por um, todos se salvam… parece injusto e
desproporcional. Carregamos todos o pecado de Adão e podemos ser salvos se
acreditarmos em Cristo. Mas os artigos de fé das religiões em geral não
pretendem ser racionais; aliás, a obscuridade e o mistério é que constituem o
seu atrativo.
Para uma visão mais politizada, podemos dizer
que Jesus foi um subversivo, pois era um crítico do clero judaico e alguém que
emancipava consciências e por isso, como em todas as épocas e em todas
culturas, não agradou a nenhum representante do poder. Judeus e romanos;
Kaifás, Herodes e Pilatos se deram as mãos (ou lavaram-nas), para entregar
Jesus à morte.
Numa perspectiva espírita, Jesus, que não é
Deus, mas um Espírito que já alcançou um status de perfeição ainda distante de
nós, sua morte representa o testemunho de um mártir, que nos deixou um modo de
ser e estar no mundo – um modo amoroso, não-violento, cheio de compaixão e
bondade. E coerente até o fim com essa ética, entregou-se à injustiça dos
homens, para neles despertar o senso de justiça; aceitou a morte violenta, para
demonstrar a não-violência e o perdão. É aquele que toma sobre si amorosamente
o ônus da ignorância humana, para mostrar-nos um caminho melhor. Nesse sentido,
simbolicamente, pode-se até concordar que ele é o Cordeiro de Deus, que toma
sobre si os pecados do mundo. Não num sentido salvacionista, mas numa dimensão
pedagógica, para ensinar como mestre, algumas lições tão inesquecíveis, que só
poderiam ser seladas com o sacrifício de si e com a morte.
A morte de Jesus também é uma mensagem sobre
a própria morte. Em todos os tempos, a finitude do homem o tem assustado. Por
causa do medo da morte, criam-se as dominações religiosas; por sentir-se
mortal, o ser humano se fragiliza, muitas vezes infantilizando-se diante de
deuses opressores, de sacerdócios que lhe exploram o boa-fé ou aliena-se em
doutrinas fanáticas e irracionais. Mais uma vez, lembrando Paulo, Jesus venceu
a morte – não no sentido que os cristãos tradicionais entendem (como uma
derrogação da lei natural, ressurgindo em corpo carnal) – mas no sentido de
demonstrar praticamente que a morte é uma passagem natural, um atravessar
simples e rápido para uma outra dimensão da existência e que não há nada a
temer – muito menos devemos temer o nada! A naturalidade com que Jesus aparece
para conversar com Madalena, com os apóstolos, com os viajantes de Emaús – é um
testemunho histórico de que morto o corpo, o Espírito sopra onde quer e se
manifesta com seu corpo espiritual, fazendo-se ver e tocar, deixando uma
mensagem de eternidade.
Depois da tragédia da cruz, os açoites, o
abandono dos mais queridos – que serviu para que o Mestre demonstrasse a força
do perdão, da compaixão e da coragem – Jesus aparece aqui e ali e mostra-se
imortal, inteiro, luminoso.
Essas são as minhas meditações de Páscoa, com
os votos de que possamos meditar no exemplo ético de Jesus, seu amor universal,
dirigido a toda a humanidade e a mensagem que nos deixou para sempre: a morte
não existe, mas em toda parte há vida eterna, amor em abundância e misericórdia
sem limites!
(*) Dora Incontri é paulistana, nascida em 1962.
Jornalista, educadora e escritora. Suas áreas de atuação são Educação,
Filosofia, Espiritualidade, Artes, Espiritismo. Tem mestrado, doutorado e
pós-doutorado em Filosofia da Educação pela USP. É sócia-diretora da Editora
Comenius e coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita.
Gostei da reflexão!
ResponderExcluirDora resumiu a trajetória Jesus de maneira muito feliz.
Everaldo - Viçosa do Ceará