Por Sérgio Aleixo (*)
A despeito das naturais dificuldades no ato
de um espírito comunicar-se, mais ainda pela possessão do corpo de um médium,
nunca poderá isso justificar que o mais exótico misticismo venha a ser elevado
ao patamar de doutrina espírita. Infelizmente, tal foi o erro em que Léon Denis
incidiu mais de uma vez. A tendência mística de que era portador jamais foi
suficientemente superada por sua formação kardeciana. A isso é que se deve, em
suas obras, a presença de ensinos heterodoxos ao espiritismo, como a doutrina
das almas irmãs, ou gêmeas; da evolução do espírito sempre num único sexo,
salvo em trocas expiatórias; os informes duvidosos de que o Cristo fora Crisna
e Napoleão, César, entre outras exorbitâncias aos escritos kardecianos.[1]
Há na Revista Espírita (dez/1859), aliás, uma
mensagem de Júlio César esclarecendo que, por várias existências miseráveis e
obscuras, teve de expiar suas faltas, “tendo vivido pela última vez na Terra
sob o nome de Luís IX”. Trata-se, portanto, de São Luís, presidente espiritual
da Sociedade fundada por Kardec na Cidade-Luz, em 1858. O espírito Júlio César,
a título de exemplo de abuso dos sucessos obtidos na vida terrena, refere-se a
si mesmo e àquele que chamou “César moderno”, numa alusão evidente a Bonaparte,
cujo Império ruíra não havia muito. Logo, Napoleão e César não eram o mesmo
espírito em vidas diferentes. Em nome de que, então, Denis divergiu da
publicação kardeciana?
Não surpreende, portanto, que haja publicado
como autênticas algumas mensagens muito evidentemente apócrifas, atribuídas ao
espírito de Kardec, em O gênio céltico e o mundo invisível, cap. XIII; obra,
por sinal, eivada de um ufanismo pátrio nada simpático à filosofia
universalista do espiritismo. O período de decadência então vivido pela França
(1926) pode explicá-lo, mas de modo nenhum justificá-lo à luz da doutrina.
Esse Kardec do grupo de estudos de Denis, em
Tours, era dono de um estilo marcadamente ocultista e, por isso mesmo, nada
espírita. Assaz delumbrado pelo “misticismo”, pela “sensibilidade” e “crença
mística”, reportava-se a “raios fluídicos” de várias cores, que seriam
responsáveis pelo progresso dos povos e capazes de explicar o apego de alguns
deles ao solo do país, por força de supostas “centelhas vitais” abrigadas no
seu “subconsciente”. E assim, as raças seriam “nutridas” por tais “núcleos
vibratórios”, que impregnariam até a “matéria carnal”, diferenciando-as umas
das outras.
O exotismo desse Kardec atinge culminâncias
na estranha concepção de que existiriam “condensadores e refletores dos fluidos
destinados a fazer vibrar os cérebros e os corações dos povos”. Sob o foco de
tais “espelhos”, três regiões foram especialmente “iluminadas”: Índia,
Palestina e Europa. Assim, “Buda, Cristo e os espíritos dos druidas representam
as forças superiores ligadas ao foco divino”, mas um “quarto ciclo” virá: o da
aceitação da realidade da vida superior. Por outro lado, diz que “aquilo que o
Cristo recebia diretamente dos seres superiores”, portanto, não mais do foco
divino em si, “o druida obtinha por meio de correntes transmissoras do
pensamento dos desencarnados”.
Oras! Kardec admitiu em A Gênese, XV, 2, que
qualquer influxo estranho só de Deus poderia vir ao Mestre Jesus; assim como
notabilizou o esquema profético das três grandes revelações da lei divina:
moisaica, cristã e espírita. Será que Kardec foi ao grupo de Denis modificar a
doutrina? Esse Kardec insuportavelmente bairrista chega a dizer que “se
impregnou dessa mística trazida de modo palpitante do espaço”, e que “a ideia
céltica, essência emanada do foco divino, representa o espírito da pureza da
raça, e deve iluminar pelos séculos a alma nacional”, isto é, da França.
Patente que a tática dos impostores não se altera muito: inflar o ego dos que
querem enganar. O tal Kardec já se apresentou dizendo aos integrantes do grupo
de Denis que se sentia bem adaptado, porque tinham “radiações sensivelmente
idênticas” às do perispírito dele. Todos eram ali, portanto, verdadeiros
kardeques reencarnados.
Nada supera, contudo, suas recomendações para
a revelação dos mistérios da criação. Aconselha o grupo de Tours a reunir-se a
portas fechadas, a anotar suas instruções ao clarão de lâmpada abrigada por
quebra-luz e, antes da reunião, a banhar de água fresca, embebida num pano, a
testa do médium, a fim de que a camada líquida, magnetizada pelo espírito, se
torne um “fluido amortecedor” das vibrações recebidas do espaço pela entidade,
nesse ingente esforço revelador... Promete, então, transferir a Denis sua
personalidade fluídica, para que obtenha a chave do problema misterioso, embora
explique depois ser isto impossível na Terra, mesmo por via mediúnica... Tudo
muito deprimente. Como acudiu ao grande Léon Denis pudessem esses modos
intragáveis pertencer ao espírito superior de Denizard Rivail? Sinal evidente
de que o espiritismo só pode de fato ser encontrado na obra de Allan Kardec.
[1] Cf. O
Problema do Ser, do Destino e da Dor, XIII e XVII.
(*) palestrante e escritor dedicado a Doutrina Espírita.
Até onde entendo, o espírito quando na densa carne, pode não ter a devida clareza sobre todos os fatos, (exceto Jesus); por esse motivo a genialidade de Kardec, sempre nos orienta o uso de bom senso; Erasto nos aponta rejeitar 10 verdades a admitir um erro; Bem ...Se somos capazes de discernir equívocos em nossos postulados racionais, que isso não seja motivo para levantar bandeira a denegrir Obras que nosso parco conhecimento não alcança a profundidade, cada espírito que se dedica a causa da humanidade tem sua utilidade no resgate para que a verdade se instale nos corações dos homens que pautam a sua vida à serviço de uma causa Universal... Vamos ter cuidado com o personalismo, vamos avaliar sem primar por "ironias veladas". E que Jesus tenha piedade de nós!
ResponderExcluirSheila,
ResponderExcluirNão a esse ponto. O Espírito é o Espírito em qualquer ocasião. Claro que desencarnado, tem consciência mais efetiva da realidade, não ao ponto das questões que o Sérgio aponta. Temos que considerar, afinal, a Doutrina Espírita é aberta para análises racionais, não é verdade?
Abraços!
Bem Jorge, essa e a minha opinião. Na minha visão o único espírito que não cometeu equívocos foi Jesus, então vamos analisar as coisas sem "paixões" personalista, sem desmerecer quem quer que seja, pois cada um têm a sua importância para DEUS! Achei desrespeitoso ao Leon Denis... E todo o resto que ele fez não vale?
ResponderExcluirSheila!
ResponderExcluirIsso não negativa a obra de Denis. Sua obra é tão imponente que ele foi considerado "Apóstolo do Espiritismo". Sou admirador da obra dele, principalmente os clássicos: O Problema do Ser.., Depois da Morte, O Além e a Sobrevivência, No Invisível...