Pergunta 958: Por que
tem o homem, instintivamente, horror ao nada?
Resposta: “Porque o
nada não existe”.
O Livro dos Espíritos
– Pergunta 958
Ao iniciar o capítulo sobre penas e gozos
futuros, Kardec escolhe a pergunta acima para dar o primeiro passo a discussão.
Este capítulo é fundamental, pois se ocupa em demonstrar com a maior clareza o
papel consolador da Doutrina Espírita, a visão ali apresentada da justiça
divina é a que coaduna verdadeiramente com os atributos do Criador. A primeira
preocupação é a necessidade de desfazer esta visão errônea.
Essa é uma das visões presentes nos dias
atuais, em especial, entre os homens de ciência.
Antes de se levar à discussão para um campo
desse sentimento, é necessário pensar um pouco sobre a possibilidade temporal e
espacial da existência desse nada. São muitos os que ao estudarem a realidade
da vida, perguntam: o que existiria antes do Universo? Haveria algo antes do
Criador? De onde partiu a criação, ou seja, de onde surgiram os elementos que
deram origem ao Universo? Será que haverá algo após a morte física?
Muitos são os profitentes das mais diversas
doutrinas filosóficas que acabam por abandoná-las, ao perceberem a sua
incapacidade de apresentar todas as respostas aos seus imensos questionários.
As religiões embasadas numa fé não racional
apelam para os dogmas, tentando explicar aquilo que lhes foge a compreensão
através de proposições fechadas e intocáveis – sem permitir a possibilidade da
dúvida - ou impedindo questionamentos dos seus seguidores, os quais buscam
determinadas respostas diante dos chamados segredos da Natureza.
Neste sentido, o Espiritismo se coloca numa
posição diferenciada. Tendo como base uma fé raciocinada, ele dispensa os
dogmas, estimula os questionamentos, busca impedir a aceitação incondicional de
determinadas fórmulas simplistas, identifica as limitações humanas e propõem o
estudo e a pesquisa como elementos para que, no futuro, possam encontrar novos
caminhos e respostas. Os Orientadores Espirituais afirmam, ainda, que para
alcançar determinadas verdades não basta apenas o desenvolvimento intelectual,
que sem a transformação moral a criatura ou determinadas populações espirituais
permanecerão distantes das respostas procuradas. A não presença temporária
dessas respostas para determinadas questões não desvaloriza ou diminui a
grandeza da Terceira Revelação, ao contrário é um convite para o estudo e
aprimoramento da individualidade, de modo a conseguir novos aprendizados tão
necessários.
Ao procurar saber se ao homem seria possível
conhecer os princípios das coisas (pergunta 17), Allan Kardec recebe a seguinte
resposta: “Não, Deus não
permite que ao homem tudo seja revelado neste mundo”. Se
de um lado, eles falam do nosso limite de entendimento; por outro, afirmam que
esta limitação está condicionada a situação do planeta, devido ao seu estado de
inferioridade moral diante da maioria dos orbes do Universo. Na medida que
houver o crescimento moral e intelectual da humanidade serão abertos novos
campos do conhecimento.
Na pergunta 19, sobre o papel das pesquisas
científicas, os Espíritos reafirmam sobre os limites humanos, mas mostrando que
a Ciência foi proporcionada aos homens, para a aquisição da verdade, ou seja,
ela é um dos instrumentos que a Bondade Divina proporciona para o progresso
intelectual do espírito.
Busquemos refletir, primeiramente, na
resposta dada ao Codificador, para depois comentarmos sobre o sentimento humano
diante da possibilidade do nada.
Falar do nada é comentar sobre o vazio.
Durante milhares de anos, a humanidade enfrenta este desafio. Pela lógica
embasada na referência tempo-espaço, antes, onde existe uma realidade, esta não
existia e o lugar que, hoje, está ocupado por um objeto criado não tinha alguma
coisa lhe ocupando. Começaria, talvez, aí a primeira premissa falsa ou
inadequada do pensamento humano: queremos determinar as respostas filosóficas
às limitadas possibilidades do desenvolvimento intelectual e racional do homem,
enquanto o referencial da Vida é o Divino. Por isso, na pergunta 18, do mesmo
livro, dizem os espíritos: “para
compreender certas coisas, são lhes precisas faculdades que ainda não possui”. O
mais provável é que nunca a criatura terá o pleno conhecimento que faz parte da
essência do Criador.
Durante um bom tempo da história da
Humanidade, o homem acreditou que grande parte do mundo material seria ocupada
pelo vazio e pelo vácuo. Teríamos, portanto, os vazios intra-atômicos até os
vazios siderais entre os diversos corpos que compõem o Universo. Isso levava as
pessoas a crerem que o vazio ou o nada teria sido possível “antes” de Deus
criar.
Porém, os estudos atuais da Cosmologia, em
especial, vêm se encaminhando num outro sentido, fugindo dessa visão de espaços
vazios. A matéria negra tem sido postulada por cientistas, para explicar todos
os movimentos e comportamentos, que não conseguem entender no Universo e esses
estudiosos acreditam que ela ocuparia aquilo que seria considerado os espaços
vazios. A hipótese da matéria negra faz sentido para esses desafios presentes
nas pesquisas. É o que postulam correntemente. De fato, a matéria negra não
explica tudo, mas o faz com bastante racionalidade. Por que chamam-na de
matéria de negra? Porque não se pode
vê-la, nem medi-la, e nem se pode tocá-la, por isso é negra, é como se
estivesse escondida. No entanto, muitos estudiosos creem que esta matéria negra
seria tão fina que os cientistas da Terra não conseguem ainda identificá-la,
pois ela seria demasiadamente pequena e sutil para os seus olhos, assim como
para os seus instrumentos.
Sobre a realidade de uma matéria como esta,
já encontramos citações claras dos Orientadores da Codificação em “O Livro dos
Espíritos”, na pergunta 22: “Mas
a matéria existe em estados que ignorais. Pode ser, por exemplo, tão etérea e
sutil, que nenhuma impressão vos cause aos sentidos. Contudo, é sempre matéria.
Para vós, porém, não o seria”.
Acredita-se, hoje, que o Universo, em suas
dimensões micro e macrocósmica, seria ocupado por um tipo de elemento que
preenche todo esse lugar que a nossa incapacidade determina como vazio, como já
afirmava os Espíritos, em 1957, na obra basilar da Doutrina Espírita, na
pergunta 36: “Não, não há vácuo. O que te parece vazio está ocupado por matéria
que te escapa aos sentidos e aos instrumentos”.
Para o Espiritismo, existem dois elementos
fundamentais do Universo, a partir da Criação. Um é o princípio inteligente, o
Espírito, e o outro, o princípio material. Entre eles estaria o que é designado
como Fluido Cósmico Universal, que é o intermediário entre esses dois, seria a
energia em sua dimensão mais pura, fazendo a ligação do espírito (que não é
matéria) com os constituintes mais grosseiros da criação, objetivando o
progresso de ambos.
Entendendo Deus como Criador e Pai eterno,
não é racional pensá-lo em algum momento sem atuar e criar, por isso, sempre
existiu os elementos primordiais da criação, não tendo sentido a teoria do
nada. Podemos, a partir desta hipótese afirmar que o nada nunca existiu. E que
ao se falar sobre o destino da Vida, ele também não acontecerá.
A teoria do nada ou da aniquilação da vida
após a morte é uma das muitas teorias que tentam explicar o que aconteceria com
o homem ao extinguir a vida orgânica.
Racionalmente, como entender a vida humana
tendo como destino o desaparecimento, o nada. Para que todo o aparato que exige
esforço e causa tantas adversidades, se o final de tudo é o desaparecimento da
individualidade, sem que tenha um significado maior para as lutas e conquistas
do indivíduo. Se o Universo, em sua apresentação energética se transforma e se
mantêm perene, por que seria diferente com o Espírito, que se constitui a obra
prima da Divindade?
Examine, agora, a pergunta propriamente dita.
Ela fala do sentimento de pavor diante do nada e Kardec o denomina instintivo.
Ou seja, faria parte da realidade humana desde os primórdios de sua existência,
sendo fundamental para a sua sobrevivência.
Se a teoria do nada fosse uma realidade, a
criatura humana estaria fadada ao desaparecimento, a anulação de toda a sua
vida. A Humanidade estaria determinada à desesperança, e sem esperança,
desapareceria a necessidade e o desenvolvimento. O homem se anularia e não
haveria nenhuma espécie de crescimento.
A teoria de que a morte física traz consigo o
desaparecimento de tudo que o homem construiu para si acarreta num
arrefecimento de todo o desejo do que se fazer e construir. Sendo uma visão
materialista e, portanto, egocêntrica – até egoísta - surge uma questão: para
que realizar algo se de nada valerá? Se a vida termina com a morte, se o corpo
volta ao pó da Terra, se não existe o espírito, não há o que se preservar.
Alguns, certamente, argumentarão: o objetivo
do homem é o de realizar sua obra para se tornar um patrimônio para os que
virão. Diria-se, com propriedade, que o homem ao agir com tal altruísmo seria a
mais perfeita manifestação do “homem de bem ou cristão” para a humanidade, pois
estaria abrindo mão de tudo para si em favor do outro.
No entanto, compreendendo os atributos da
Divindade, sabe-se que sua Justiça é perfeita e a Misericórdia demarca o seu
Amor, sendo assim, aquele que faz recebe de conformidade com seus atos.
Mais do que isto, tendo em Jesus o modelo e
guia de todos os homens, pode-se entender a afirmativa do apóstolo Paulo a
Timóteo, em sua segunda epístola (1:10): “Foi
manifestada agora pela aparição de nosso Salvador, o Cristo Jesus. Ele não só destruiu
a morte, mas também fez brilhar a vida e a Imortalidade”.
Assim, a vida de Jesus e suas lições
demonstram a certeza da vida após o túmulo, numa verdadeira lógica, onde “a
cada um será dado segundo as suas obras”. E o Espiritismo, como promessa cumprida
por Jesus da vinda do Consolador, amplia essa condição de felicidade,
demonstrando com propriedade a realidade da reencarnação, que traz para o
Espírito a possibilidade constante de ser feliz e de evoluir em direção à
Perfeição.
Esta tese combate frontalmente o horror que a
teoria do nada traz. Ela alivia o homem, mas acima de tudo demonstra a Justiça
divina, estimulando-o para o crescimento em todos os sentidos, não só
objetivando o aprimoramento da humanidade, mas a sua transformação espiritual, na
certeza de que tudo que fez redundará para a sua evolução, hoje e alhures.
Pode-se afirmar, ainda, que o homem nega a
possibilidade futura do nada porque a fé instintiva na existência de um Deus
não lhe permite aceitá-la, pois compreendo que existe um ser superior a si, por
consequência, sabe que há um objetivo transcendente para todas as criaturas.
Lembrando, também, que a fé, segundo Paulo aos Hebreus (11:1): “é uma posse antecipada do que se
espera, um meio de demonstrar as realidades que não se veem”.
(*) Médico
Psiquiatra, Vice-Presidente da AME-Brasil, Diretor Clínico do Hospital Espírita
André Luiz (BH), Psiquiatra e Psicoterapeuta do Instituto de Assistência
Psíquica Renascimento (BH).
Como complemento, sugiro o curta-metragem "A Morte de Dimas", produzido pela TV Mundial Espiritismo, acessando o link abaixo:
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=saWecab-7Tk&feature=kp