Por Sérgio Aleixo (*)
O que pensar das propostas de um Espiritismo
esotérico, de feição new age, diluído
no chamado “livre pensamento espiritualista”?[1] Mas livre de que, afinal? De
toda lógica, de todo rigor; mesmo porque este “livre” pensamento não passa, o
mais das vezes, de ressurreição dos residuais míticos, místicos e mágicos do
passado ancestral. Esta, a razão de nosso Herculano Pires haver lembrado que a
intensa e comovente batalha de Léon Denis, na França e em toda a Europa, foi
contra as infiltrações de doutrinas estranhas, de espiritualismos rebarbativos,
no meio espírita, para mostrar que o Espiritismo é uma nova concepção do homem
e da vida, que não se pode confundir com as escolas espiritualistas ancestrais,
carregadas de superstições e princípios individualmente afirmados, ou provindos
de tradições longínquas, sem nenhuma base de critério científico.[2] Acerca da
mais cara das concepções do ocultismo, a dos sete corpos, disse o nosso querido
ex-teósofo:
A concepção espírita do homem, como
unidade trina, tanto se opõe ao dualismo religioso quanto ao monismo
materialista e ao pluralismo ocultista. Não obstante, como essa concepção é uma
síntese estética, nela encontramos os elementos opostos reduzidos ao equilíbrio
da fusão. Assim, quando Kardec define a alma como sendo o espírito encarnado,
temos a dualidade alma-corpo; quando define o corpo como produção ou projeção
do próprio espírito, temos o monismo; e quando define o espírito como entidade
independente, possuindo as diversas funções da consciência e sendo capaz de
projetá-las por várias maneiras, no plano espiritual e no plano material, temos
o pluralismo. Os vários corpos da concepção septenária do ocultismo apresentam-se
como simples peças do mecanismo de manifestação do espírito.
As pessoas que consideram simplista a
concepção trinária do homem, e preferem a septenária, tendem para o pluralismo
afetivo. As que, ao contrário, a consideram complexa, e preferem a concepção
monista, de tipo heckeliano ou marxista, tendem para o monismo materialista. O homem
trino é, portanto, uma concepção típica do Espiritismo, resultante da síntese
dialética que se processou no desenvolvimento histórico da humanidade. Uma
concepção que assinala a maturidade espiritual do homem, pois apresenta a
superação das fases de sincretismo afetivo e de egocentrismo racional, tanto
existentes no indivíduo quanto na espécie. [3]
Ante a mais completa ignorância destes tão
vastos alcances da doutrina, Herculano dizia mais: que a passividade da massa
espírita, anestesiada pelo sonho da salvação pessoal, do valor mágico da
tolerância bastarda, da crença ingênua do valor sobrenatural das esmolas
pífias, vai minando em silêncio o legado de Kardec. Corajoso, o filósofo de
Avaré assegurava ainda que o medo do pecado que sai da boca, da pena ou das
teclas é que faz desaparecer do meio espírita o diálogo do passado recente,
substituindo o coro dos debates pelo silêncio místico das bocas de siri. Para
Herculano, ninguém fala para não pecar e peca por não falar, por não espantar pelo
menos com um grito as aves daninhas e agoureiras que destroem a seara. [4] E
sobre os periódicos espíritas, afirmava o ex-presidente do Sindicato dos
Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo:
A imprensa espírita, que devia ser uma
labareda, é um foco de infestação, semeando as mistificações de Roustaing,
Ramatis e outras, ou chovendo no molhado com a repetição cansativa de velhos e
surrados slogans [...]. [5]
Por força da acertada referência de
Herculano, assim como foram vistas as principais estranhezas da doutrina
rustenista, eis aqui abaixo algo sobre as estranhezas do ensino de Ramatis; aliás,
dissecado de forma definitiva no livro Ramatis: Sábio ou Pseudossábio?, do Prof.
Artur Felipe de Azevedo Ferreira.
1.º Influência astrológica na vida e no
destino dos homens, sendo que o próprio Jesus só pôde “baixar” à Terra, segundo
Ramatis, “sob a influência do magnetismo
suave do signo de Peixes”, para “estabelecer
um novo código espiritual de libertação dos terrícolas”. (O Sublime Peregrino,
p. 32.)
2.º Jesus aprendeu com as doutrinas dos
essênios, os quais estão, segundo Ramatis, reencarnando para “organizar elevada confraria de disciplina
esotérica em operosa atividade no mundo profano, para a revivescência do
cristianismo nas suas bases milenárias”. (O Sublime Peregrino, p. 278 e
294.)
O Espiritismo, portanto, teria falhado. Estaríamos
a depender destes confrades de disciplina esotérica, mas — pasmem — em operosa
atividade no mundo profano... Tomara que tanta operosidade não se traduza em
serviço a dois senhores.
3.º Invertendo a ordem natural das coisas,
Ramatis afirma que o Espiritismo vai “parar
no tempo e no espaço caso seus adeptos ignorem deliberadamente o progresso e a
experiência de outras seitas e doutrinas vinculadas à fonte original e
inesgotável do espiritualismo oriental”. (A Vida Humana e o Espírito
Imortal, p. 276.)
Inesgotável? Ora! Por que os espíritos não
instituíram o Espiritismo na China, ou na Índia, ou no Japão, ou no Oriente
médio? Por que os espíritos que viveram naquelas regiões orientais não fizeram
o que O Espírito de Verdade e sua milícia celeste realizaram na França? Este último
afirmou: “Como um ceifeiro, reuni em
feixes o bem esparso pela Humanidade e disse:
—
Vinde a mim, todos vós que sofreis”. (O Evangelho Segundo o
Espiritismo. VI, 5). Ou seja, a doutrina de Jesus era uma síntese superadora de
tudo o que de melhor já havia acontecido, viabilizando o indivíduo, a
democracia e a emancipação da mulher, glórias do Ocidente. O mundo evoluiu rumo
ao Oeste! Devemos agora aviar-nos pela contramão? Vinho novo em odre velho?
4.º Incensos e defumadores, segundo Ramatis,
são eficazes, pois funcionam como “detonadores
de miasmas astralinos”. (Magia de Redenção.) Sem comentários... Leia-se o
cap. XIV de A Gênese.
5.º Como registradas igualmente em Roustaing,
há em Ramatis a presença de mensagens atemorizantes, cuja fixação absurda de
datas se revelou totalmente quimérica; afinal, o mundo sobreviveu ao ano de
1999. (Mensagens do Astral.) Sem comentários... Leiam-se os caps. XVII e XVIII
de A Gênese.
6.º Esdrúxula profecia de um presidente
brasileiro que elevaria o nível de espiritualidade do povo... Em 1970, o tal já
havia percorrido, segundo Ramatis, “metade
do caminho rumo ao cargo supremo do País”. (A Vida Humana e o Espírito
Imortal, p. 298.) Que bom seria se fosse verdade!
7.º Referência a naves marcianas “ultravelozes”,
vindas de um planeta cuja geografia já se provou ser inteiramente diversa da
que fora descrita pelo Espírito Ramatis e, além disto, sem nenhum vestígio das
raças físicas que este afirmara lá viverem. (A Vida no Planeta Marte e os Discos
Voadores.) Excesso, por certo, de ficção científica e de teorias
conspiratórias.
8.º Jesus não seria o Cristo, mas um anjo
encarnado para ser seu médium. Este outro Espírito, mais elevado que o Messias
de Nazaré, é que seria, segundo Ramatis, o cristo planetário, inferior, por sua
vez, a outros cristos mais evoluídos, o solar, o galáctico, etc. (O Sublime Peregrino,
p. 62.)
O fato é que, enquanto o cientificismo e o
religiosismo não se entendem, o sincretismo vai sobrevivendo no movimento
espírita, à sombra da estrutura conceitual da codificação kardeciana, à custa
de aviltá-la quanto possa, simulando uma compatibilidade fictícia, como no caso
do ramatisismo, para o qual também nos advertia Herculano Pires:
Além das confusões habituais entre Umbanda e
Espiritismo, Esoterismo, Teosofia, Ocultismo e Espiritismo, há outras formas de
confusão que vem sendo amplamente espalhadas no meio espírita. São as confusões
de origem mediúnica, oriundas de comunicações de espíritos que se apresentam
como grandes instrutores, dando sempre respostas e informações sobre todas as questões
que lhes forem propostas. Um exemplo marcante é o de Ramatis, cujas mensagens vêm
sendo fartamente distribuídas. Qualquer estudioso da doutrina percebe logo que
se trata de um Espírito pseudossábio, segundo a “escala espírita” de Kardec. Não obstante, suas mensagens estão
assumindo o papel de sucedâneos das obras doutrinárias, levando até mesmo
oradores espíritas a fazerem afirmações ridículas em suas palestras, com
evidente prejuízo para o bom conceito do movimento espírita.
Não é de hoje que existem mensagens dessa
espécie. Desde todos os tempos, espíritos mistificadores, os falsos profetas da
erraticidade, como dizia Kardec, e espíritos pseudossábios, que se julgam
grandes missionários, trabalham, consciente ou inconscientemente, na ingrata tarefa
de ridicularizar o Espiritismo. Mas a responsabilidade dos que aceitam e
divulgam essas mensagens não é menor do que a dos espíritos que as transmitem.
Por isso mesmo, é necessário que os confrades esclarecidos não cruzem os braços
diante dessas ondas de perturbação, procurando abrir os olhos dos que
facilmente se deixam levar por elas.
O Espiritismo é uma doutrina de bom-senso, de
equilíbrio, de esclarecimento positivo dos problemas espirituais, e não de
hipóteses sem base ou de suposições imaginosas. As linhas seguras da doutrina
estão na codificação kardeciana. Não devemos nos esquecer de que a codificação
representa o cumprimento da promessa evangélica do Consolador, que veio na hora
precisa. Deixar de lado a codificação, para aceitar novidades confusas, é
simples temeridade. Tanto mais quando essas novidades, como no caso de Ramatis,
são mais velhas do que a própria codificação.[6]
[1] Os Quatro Evangelhos. Prefácio. FEB,
1920, p. 74.
[2] Cf. O Espírito e o Tempo. 4.ª Parte, cap.
III, item 5.
[3] O Espírito e o Tempo, 3.ª Parte, cap. I,
item 2.
[4] O Espírito e o Tempo. 4.ª Parte, cap.
III, item 5.
[5] O Espírito e o Tempo. 4.ª Parte, cap.
III, item 5.
[6] O Infinito e o Finito. 36. Cuidado dos
dirigentes de centros em face das confusões
doutrinárias.
Fonte: O Primado de Kardec - http://oprimadodekardec.blogspot.com/2011/02/cap-19-oespiritismo-esotérico.html
(*) Palestrante e escritor dedicado à doutrina espírita, ao kardecismo.
(*) Palestrante e escritor dedicado à doutrina espírita, ao kardecismo.
Excelente exortação que quanto mais se repita mais deveria ser. É lamentável acompanharmos a pouca criatividade de grupos e pessoas que se dizem espíritas e não aproveitam a mensagem iluminadora e absolutamente clara de Kardec para disseminar a cultura doutrinária entre as pessoas com as quais tem penetração e contato. Um verdadeiro desperdício de oportunidade de divulgação da mensagem espírita tal qual ele se retrata na Codificação. Roberto Caldas
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