Por Luciano Klein (*)
Manoel Vianna de Carvalho (1874-1926) |
Com entusiasmo e perseverança, há duas décadas,
temos procurado rastrear os passos luminosos de Manoel Vianna de Carvalho, alma
preexcelsa, exemplo perfeito de inclinação missionária, baluarte de um trabalho
incomparável na difusão dos postulados espíritas, por todo o País. Entre os
seus pósteros, todavia, bem poucos conhecem a dimensão exata de seu labor inusitado,
disseminando os princípios de uma verdade consoladora: a doutrina sistematizada
por Allan Kardec.
Não nos passa despercebido, nos dias atuais, o efeito benéfico dos
serviços prestados ao Movimento Espírita por Divaldo Pereira Franco. Através
desse médium admirável, ao mesmo tempo um tribuno consagrado, Vianna de
Carvalho se manifesta com frequência, inspirando-o em suas conferências
fenomenais que aglutinam multidões.
Entretanto,
muitos desconhecem um fato: tudo o que Divaldo realiza no intuito de propagar a
mensagem espírita, Vianna já o fizera em seu tempo; e o fez a enfrentar
dificuldades incomensuráveis; e o fez num contexto assinalado pelo forte
preconceito de uma sociedade ultramontana, sociedade infensa, por inteiro, a
novas concepções doutrinárias, sob a influência danosa e opressiva de clérigos
fanáticos. Vianna de Carvalho – naqueles idos – demonstrou uma coragem
indômita, semelhante, em muitos aspectos, à têmpera de aço do apóstolo Paulo,
na fase heróica de expansão da Boa Nova do Cristo.
Mercê
de suas atividades profissionais, como militar, percorreu os mais longínquos rincões
brasileiros. Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná,
Rio Grande do Sul, Mato-Grosso, Ceará, Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Rio
Grande do Norte, Alagoas, Bahia e Sergipe, são os estados que, comprovadamente,
ouviram o verbo flamívomo do Tribuno cearense.
Neste
mês de dezembro relembramos os 140 anos de nascimento de Vianna. Lamentavelmente,
em razão do descaso para com a memória histórica do nosso Movimento, poucos se
lembraram dessa efeméride. Nós, espíritas nascidos no Ceará, cientes de que a
gratidão é a memória do coração, não poderíamos deixar passar em branco essa
data. Assim, rendendo a ele o nosso tributo, escrevemos, a seguir, o seu perfil
biográfico.
* * *
Manoel
Vianna de Carvalho nasceu na cidade Icó, Ceará, a 10 de dezembro de 1874. Era
filho de Tomás Antônio de Carvalho, professor de Música e Língua Portuguesa da
Escola Normal e Josefa Vianna, mulher de raras virtudes.
Em Fortaleza, estudou no Liceu do Ceará. Em
1891, matriculou-se na Escola Militar do Ceará, onde se destacaria pelo brilho
de sua inteligência. Nesse mesmo ano, juntamente com outros cadetes, conheceu o
Espiritismo, organizando na própria escola um grupo de estudos doutrinários.
Em 1894,
ainda na capital cearense, avultou como poeta participando da fundação do
Centro Literário, agremiação dissidente da célebre Padaria Espiritual. No ano
de 1895, transferiu-se para o Rio de Janeiro, matriculando-se no Curso Superior
da antiga Escola Militar da Praia Vermelha. Passou a freqüentar a “União
Espírita de Propaganda do Brasil”.
Ali,
Vianna de Carvalho destacou-se como um dos mais ardorosos trabalhadores do grupo,
passando a ocupar a tribuna, quase todas as noites, perante compacto auditório.
Sua aparência juvenil não fazia diferença, porque seu verbo inspirado e
eloqüente embevecia os ouvintes, concorrendo para aumentar, diariamente, o número
de curiosos por ouvi-lo.
Em 1896
foi transferido para Escola Militar de Porto Alegre. Procurou, então, alguns
confrades e numa casa abandonada, desprovida de mesas e cadeiras, dentro de um
terreno baldio no Bairro do Parthenon, começou a divulgar o Espiritismo. Em
seguida, fundou um núcleo de estudos no andar térreo de uma casa comercial, na
Rua dos Andradas. Convocou diversas pessoas, entre as quais Mercedes Ferrari,
que animada pelo cadete Vianna e com o apoio de outros companheiros, deu grande
impulso ao Movimento Espírita local.
Ainda em
1896, regressou ao Rio de Janeiro, retomando os trabalhos na “União Espírita de
Propaganda do Brasil”, passando a ser requisitado para proferir conferências em
todo o Distrito Federal, na época no Rio de Janeiro.
No ano de
1898, de novo em Porto Alegre, publicou a sua primeira obra literária, intitulada
“Facetas”, cuja segunda edição, lançada em 1910, foi prefaciada pela poetisa
Carmem Dolores, pseudônimo da escritora Emília Bandeira de Melo. O livro
mereceu os melhores elogios da crítica. Em 1923, publicou “Coloridos e
Modulações”, coletânea de suas crônicas, escritas durante vários anos em
periódicos espíritas e literários. A obra foi igualmente muito bem recebida.
Em 1905,
foi transferido para o 8.º Batalhão de Infantaria, em Cuiabá. Naquela cidade
fundou o Centro Espírita Cuiabano, em 1906, dotando-o do necessário ao seu bom
funcionamento, sendo seu primeiro presidente. Em 1907, retornou ao Rio de
Janeiro a fim de se matricular no Curso de Engenharia da Escola Militar do
Realengo. Dessa vez realizou uma série de conferências na Federação Espírita
Brasileira e no auditório da antiga Associação dos Empregados do Comércio, com
platéias cada vez maiores. Foi convidado para conferências em São Paulo, Minas
Gerais, Espírito Santo e em todo o Estado do Rio de Janeiro, sendo, em muitas
dessas excursões acompanhado por Ignácio Bittencourt, diretor do jornal
“Aurora”, em cujas páginas Vianna emprestou a sua colaboração, como em tantos
outros periódicos, espíritas e laicos, por todo o País.
Em 1910,
concluiu o Curso de Engenharia Militar, embarcando para Fortaleza em abril
desse mesmo ano.
O
Espiritismo no Ceará floresceu na última década do século XIX, em Fortaleza,
mercê da persistência do grande pioneiro Luiz de França de Almeida e Sá,
fundador do Grupo Espírita “Fé e Caridade”. Na virada do século, surgiram mais
dois grupos na cidade de Maranguape, o “Verdade e Luz” – que chegou a editar,
em 1901, o jornal “Luz e Fé” – e o “Caridade e Luz”, organizado em agosto de
1902, e que também publicou um jornal denominado “Doutrina de Jesus” e manteve
uma instituição de ensino, a “Escola Cristã”, de 1902, uma das primeiras escolas
vinculadas a uma sociedade espírita no Brasil. Contudo, lamentavelmente, esses
grupos de reuniões familiares, por motivos que desconhecemos, não tiveram longa
duração, não mais existindo quando da chegada de Vianna.
O grande
ímpeto da Doutrina dos Espíritos no Ceará só ocorreu, efetivamente, a partir de
1910, com a chegada de Vianna. Sua estada em Fortaleza, de maio daquele ano até
novembro de 1911, foi pródiga de realizações. Seu acendrado amor à Causa
Espírita o impulsionou a um ritmo de ação incansável.
Logo ao
chegar, procurou arregimentar forças para organização do Movimento Espírita
local. Publicou, repetidas vezes, nas páginas do jornal “Unitário”, anúncios e
pedidos como este:
“Peço aos espíritas do interior do Ceará, bem como
aos socialistas, maçons, livres pensadores, adeptos em geral das idéias
modernas, o obséquio de me enviarem os seus endereços para fins de propaganda.
Vianna de Carvalho
Endereço:
Rua 24 de Maio, no 26”
Em
seguida, promoveu o estudo sistemático de O
Livro dos Espíritos, efetuando semanalmente conferências nos salões das
lojas maçônicas “Amor e Caridade”, “Igualdade” e “Liberdade”. Essas preleções
passaram a ser publicadas, sinteticamente, nos jornais “Unitário” e “A
República”.
As
conferências tiveram repercussão extraordinária, motivando imediata reação de
líderes católicos, os quais, através dos jornais “Cruzeiro do Norte” e “O
Bandeirante”, combateram o Espiritismo e seu fiel arauto. Essa campanha
insidiosa, em vez de prejudicar, aumentou grandemente o interesse pela doutrina
criticada.
Entretanto,
o corolário do profícuo labor desse filho de Icó, foi a fundação, em junho de
1910, do Centro Espírita Cearense, que funcionaria na Rua Santa Isabel, no
105( hoje Princesa Isabel, n.º 255), bem no coração da cidade[1].
O
“Unitário”, na edição do dia 22 de junho, registrou este memorável acontecimento.
“Domingo (19), a uma hora da tarde, realizou-se no
palacete da Fênix Caixeiral, a sessão solene de fundação do Centro Espírita
Cearense.
Presidiu-a o ilustre magistrado Sr. Desembargador
Olympio de Paiva, que teve a secretariá-lo os senhores Miguel Cunha e Francisco
Prado.
Em seguida à abertura da sessão, foi aclamada a
seguinte diretoria provisória: Presidente – Desembargador Olympio de Paiva; 1.º
Vice-Presidente – Antônio Carneiro de Souza Azevedo; 2.º Vice-Presidente –
Demétrio de Castro Menezes; 1.º Secretário – Miguel Cunha; 2.º Secretário –
José Carlos de Mattos Peixoto; 1.º Tesoureiro – Aphonso de Pontes Medeiros; 2.º
Tesoureiro - Theóphilo Cordeiro de Almeida; Orador – Dr. Francisco Prado. Em
seguida foi dada a palavra ao Sr. Dr. Vianna de Carvalho que produziu brilhante
e erudita peça oratória discorrendo largamente sobre a Doutrina Espírita. Sua
Senhoria foi delirantemente aplaudido.
Em seguida, orou o Sr. Miguel Cunha, que apresentou
os meios principais, que deverão ser postos em prática para a ampla e eficaz
propaganda do Espiritismo em o nosso meio social.
Estiveram presentes à sessão inúmeros cavalheiros
de distinção e várias famílias, que assinaram a ata de fundação da novel
associação.
Foi grande o número de pessoas que se inscreveram
como sócios do Centro Espírita Cearense.
Aos esforçados membros do Centro, enviamos os
nossos votos para que tenham completo êxito em seu nobilíssimo desideratum.”
Na
conferência de inauguração do Centro, Vianna lamentou que no Ceará, “onde têm surtido os mais belos
empreendimentos, ainda não se apercebesse da necessidade imperiosa de organizar
um centro espírita[2],
enquanto em outros estados, mesmo os mais longínquos, o Espiritismo tem sulcado
profundo a sua ação benéfica pela profusão espantosa de todos os ensinamentos
capazes de remodelar os sentimentos incompatíveis com a verdadeira e genuína
religião do Cristo. Disse mais que era em nome da Federação Espírita Brasileira
que assim falava e pediu ao Sr. Presidente que em nome daquela conspícua
corporação, declarasse fundado nesta capital o Centro Espírita Cearense.”[3]
O Centro
Espírita Cearense passou a desenvolver notável serviço no campo da propaganda
doutrinária (promoção de estudos, conferências, criação do jornal “O Lábaro”,
etc.) e no campo assistencial.
A partir
de Fortaleza, Vianna de Carvalho sofreria intensa perseguição de influentes
membros da Igreja, que passaram a pleitear, junto às autoridades militares, sua
transferência. Assim, em novembro de 1911, depois de um ano e seis meses de
grandes serviços prestados à Causa, partiu para a Capital Federal.
Em
outubro de 1923, regressou a Fortaleza como Chefe interino do Estado Maior da 7a
Região Militar, com sede em Recife, no desempenho de importante comissão do
Ministério da Guerra. Aproveitou a oportunidade para rever amigos e realizar
conferências no Centro Espírita Cearense, que então já possuía sede própria, e
na Loja Liberdade. No entanto, sua permanência foi somente de poucos dias.
No
dia 10 de abril de 1924, voltou, desta feita para assumir as funções de fiscal
do 23o Batalhão de Caçadores. Largo círculo de seus amigos e
admiradores o recepcionou com alegria no ponto de desembarque. Em julho desse
ano, assumiria o comando interino do referido Batalhão.
Ele permaneceria em Fortaleza até 11 de setembro de 1924. Nesse ínterim
proferiu conferências e participou de atividades culturais. Decorridos treze
anos de sua fecunda tarefa na organização do movimento espírita cearense, não
enfrentou as mesmas resistências da outra vez porquanto, além do respeito que
lhe impunha o novo posto e função, vários intelectuais, figuras conspícuas da
sociedade fortalezense, haviam se convertido ao Espiritismo. Sobressaindo
destes, estava o Tenente-Coronel Francisco de Sá Roriz (1870 – 1925), que fora
Chefe de Polícia no governo do Gen. Setembrino de Carvalho, e fundador, em
1916, da Faculdade de Farmácia e Odontologia.
No Rio de
Janeiro, juntamente com Ignácio Bittencourt, fundou a “União Espírita Suburbana”;
com Arthur Machado, fundou a “Tenda Espírita de Caridade”. Realizou inúmeras
conferências públicas no Cine-Teatro Odeon e na Escola Nacional de Música.
Vianna
percorreu as principais cidades brasileiras do início do século XX. Em Recife,
onde já era grande a sua fama, fundou, com Antônio José Ferreira Lima e Manoel
Aarão, a Cruzada Espírita Pernambucana, em 1923. Pregou no Cine-Teatro
Polyteama e no Teatro Santa Isabel. Os jornais “A Província” e o “Diário de
Pernambuco”, noticiavam que a assistência para ouvi-lo era incalculável e
seleta, com pessoas de todas as classes sociais.
Foi ele
quem, em 1914, levantou a campanha para evangelização das crianças nos centros
espíritas, sugerindo a criação das Aulas de Moral Cristã.
Em 1926,
quando servia em Aracaju, adoeceu gravemente, vitimado por um tipo grave de
beribéri. Era o Comandante interino do 28.º Batalhão de Caçadores no posto de
Major. Diante da gravidade do seu estado de saúde, os médicos resolveram
encaminhá-lo para o Hospital de São Sebastião, em Salvador. Foi conduzido de
maca até o vapor “Íris”. Nas proximidades da praia de Amaralina, às 6horas
30minutos da manhã, do dia 13 de outubro de 1926, desencarnou a bordo, aos 51
anos.
Li por inteiro. Gostei muito.
ResponderExcluirBelo exemplo de dedicação à causa espírita e de coragem no serviço do bem, a nos estimular e fortalecer.
Expresso meus parabéns ao CANTEIRO DE IDEIAS, que cresce em importância a cada dia, a seu digno criador; e ao Luciano, incansável tarefeiro da memória espírita.
COMENTÁRIO ACIMA
ResponderExcluirEveraldo Mapurunga
Viçosa do Ceará
Lia mensagens de Vianna de Carvalho já a alguns anos e sempre me chamou atenção a forma culta, clara e segura com que se expressa. Ao conhecer sua história em conversas com o amigo Luciano e livros publicado pelo mesmo, percebi o quanto é importante conhecer a história deste espírito e divulgá-la, não para massagear egos mais para inspirar comportamentos!!! Ao amigo Luciano um caloroso abraço, aos idealizadores deste espaço parabéns, força e fé, aos leitores boa leitura.
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