“No princípio, criou Deus os céus e
a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do
abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Disse Deus: Haja luz; e
houve luz.”
Gênesis, 1:1-3.
Por Roberto Lúcio(*)
Estes belos ensinamentos, contidos no
primeiro livro do pentateuco judaico, acrescidos de toda a descrição da criação
do mundo, segundo o autor, vem sendo constantemente ponto de discussão
acirrada, onde criacionistas e evolucionistas tentam provar qual das teorias
estaria verdadeiramente certa.
A busca da compreensão da origem do Universo
e, consequentemente, da origem da Vida, tem sido uma constante para a
Humanidade que, no entanto, se esquece, na sua presunção, de que tal procura se
confunde com a própria essência do Criador e que para tal nos falta “o
sentido”, como nos afirmam os Espíritos da Codificação sobre as possibilidades
do homem de compreender a Deus.
Apesar das limitações humanas, é dever da
Ciência encontrar respostas para os anseios de todos, tentando explicar-nos as
causas, das quais resultou o maravilhoso espetáculo da vida. Sendo assim, ainda
ficam para a maioria as perguntas: A vida surgiu por acaso ou a partir de uma
vontade superior? Os seres vivos sempre tiveram a aparência atual ou sofreram
transformações ao longo do tempo? Os animais de diferentes espécies apresentam
algum grau de parentesco? Temos um ancestral comum?
Os conflitos fizeram-se mais intensos no
século dezoito, quando surgiram novas teorias que contradiziam as idéias
criacionistas, que preponderavam até então.
O marco maior desses conflitos ocorreu em
1859, com a publicação do livro A Origem das Espécies por Meio da Seleção
Natural, de Charles Darwin. Para Darwin, a vida resultou de mutações aleatórias
da matéria a partir de modelos extremamente simples. E foi evoluindo por meio
de uma seleção adaptativa dessas mutações, atendendo à necessidade de
sobrevivência. Dentro de sua teoria, a vida teria começado espontaneamente no
momento em que uma sopa primordial de elementos químicos básicos, submetida às
condições da Terra primitiva, produziu pela primeira e única vez uma molécula
replicante. A partir daí, mudanças graduais, ao acaso, permitiram o surgimento
de seres cada vez mais complexos.
Dessa maneira, a evolução seria uma repetição
incessante da reprodução, onde a geração anterior passaria para a próxima os
genes herdados de seus antepassados, quando poderiam ocorrer pequenos erros,
chamados de mutações, as quais, de forma aleatória, provocariam as mudanças
progressivas nas espécies; e, no decorrer das gerações, essas mutações seriam
selecionadas, atendendo à necessidade de sobrevivência daqueles grupos.
Essas colocações escandalizaram à Igreja e
aos seguidores da Teoria Criacionista. É importante, porém, lembrarmos que elas
não foram as primeiras idéias evolucionistas, que Lamarck já havia trazido uma
abordagem neste sentido e que, num período anterior e muito próximo, Kardec já
trazia ao mundo uma idéia nova, oriunda dos ensinamentos dos Espíritos, os
quais reuniam posturas criacionistas e evolucionistas em uma só teoria.
Com o surgimento das idéias darwinistas e a
comprovação de muitos de seus postulados, a Ciência, quase como um todo, foi
assumindo a conceituação evolucionista, de tal forma que, na maioria dos
países, inclusive no Brasil, ela é a única teoria sobre a origem da vida
estudada nas escolas.
No entanto, é importante ressaltar que o
darwinismo não é uma teoria acabada e comprovada, existindo, hoje, várias
abordagens que a reforçam ou retratam-na, buscando dar explicações mais
consistentes, de acordo com a evolução dos conhecimentos científicos. No início
do século vinte, os cientistas Wilhelm Johannsen (inventor do termo “gene”), e
Thomas Morgan (pai da teoria cromossômica da hereditariedade) deduziram que
novas espécies surgiam de uma única grande mutação e não da seleção natural.
Mooto Kimura, outro geneticista, retomou a
teoria neutralista, afirmando que a maioria das mudanças evolutivas, no âmbito
da genética molecular, seriam neutras, ou seja, não dependentes da seleção
natural.
Em 1972, os paleontólogos Stephen Jay Gould
(Harvard) e Niles Eldredge (Museu de História Natural de Nova York) trouxeram
uma nova abordagem, vista por muitos como complementar ao darwinismo, que
afirma que a evolução acontece em saltos rápidos, quando populações pequenas
desenvolvem, em períodos de não mais que 10.000 anos, novas características
para se adaptar a um certo ambiente. Depois, essas espécies tendem a manter-se
constantes por milhões de anos. Esse modelo explicaria a ausência de fósseis
que mostrem claramente a mutação das espécies ao longo de bilhões de anos. Todo
o desenvolvimento dessas idéias não foi o suficiente para sepultar a visão
criacionista, que, no momento atual, se utiliza da própria biologia, da
bioquímica e da matemática para sofisticar os argumentos a favor dessa última
abordagem.
No entanto, é preciso lembrar que a teoria
criacionista defendida pelos fundamentalistas religiosos é diferente daquela
apresentada por este grupo de estudiosos. Para aqueles, que se fazem radicais
em sua abordagem, a teoria da origem da vida resume-se nas seguintes premissas:
– O Universo, a energia e a vida foram
criados do nada por Deus;
– Os organismos complexos não surgiram de
formas mais simples da vida, através de mutações aleatórias;
– As variações entre os seres vivos
limitam-se dentro de cada espécie;
– Os homens e macacos têm ancestrais
distintos;
– A geologia terrestre é explicada pelo
catastrofismo, a começar pelo dilúvio registrado na Bíblia;
– E a Terra é jovem, tendo menos de 10.000
anos.
Os
estudiosos modernos vinculados à teoria do criacionismo afirmam terem razões
não religiosas para acreditarem em suas abordagens. Para eles, a complexidade
da vida requer a existência de um “planejamento inteligente”. Esta teoria já
estava presente no século treze, quando Tomás de Aquino, um dos príncipes da Igreja
Católica, usou o argumento da complexidade da vida como uma das provas da
existência de Deus. Entretanto, o neocriacionismo, como é agora conhecido,
embora defenda o “planejamento inteligente”, foge dos raciocínios metafísicos e
esotéricos do passado, buscando na bioquímica suas maiores bases. Um dos
principais defensores dessas idéias é o bioquímico Michael Behe, professor da
Universidade Lehigh, na Pensilvânia (EUA), autor do livro A Caixa Preta de
Darwin. Para ele, “a teoria de Darwin pode explicar cascos de cavalos, mas não
os alicerces da vida”.
Os neocriacionistas defendem que a vida não
tem nada de aleatório, seguindo a este chamado “planejamento inteligente”. A
maior prova disto estaria na complexidade dos sistemas celular e molecular, os
quais seriam verdadeiras máquinas cujas partes, embora independentes, estariam
interligadas estreitamente e a ausência de um único componente do sistema seria
o suficiente para impedir o seu funcionamento.
Exemplos dessa situação encontraríamos em
estruturas como o olho humano e o sistema de coagulação sanguínea; eles só são
capazes de funcionar quando todos os elementos estão presentes e em perfeitas
conexões. Para eles, essa engenharia complexa não poderia ser fruto de mudanças
aleatórias.
O físico Grichka Bogdanov, em seu livro Deus
e a Ciência, explicando o surgimento das moléculas de nucleoproteínas, afirma:
“Para que a agregação dos nucleotídeos conduzisse ‘por acaso’ à elaboração de
uma molécula de ARN utilizável, teria sido preciso que a natureza multiplicasse,
às apalpadelas, as tentativas, durante pelo menos 10 a(potência) 15 anos, ou
seja, durante cem mil vezes mais tempo que a idade do nosso Universo” (p. 52).
Outro elemento usado para confirmar esse
posicionamento encontra-se no fato de até hoje não termos registros de animais
transicionais (um fóssil que fosse exatamente uma transição de uma espécie para
a outra).
Michael Behe afirma em seu citado livro:
“Dizer que a evolução darwiana não pode explicar tudo na natureza não equivale
a dizer que a evolução, a mutação aleatória e a seleção natural não ocorram.
Elas foram observadas (pelo menos nos casos de microevolução) em muitas
ocasiões diferentes. Tal como os analistas de sequência, acredito que a prova
confirma convincentemente a ascendência comum.” E continua, posteriormente:
“Ninguém jamais explicou de forma detalhada, científica, como a mutação e a
seleção natural poderiam construir as estruturas complexas, intricadas,
discutidas neste livro.” (Cap. 8, p. 179.)
Para esse grupo de estudiosos, o mundo da
bioquímica está repleto de sistemas irredutivelmente complexos, verdadeiras
máquinas químicas, precisas e interdependentes, que exigem uma amarração que
está muito além da coincidência. Tal abordagem não é, entretanto, uma defesa
direta da existência de Deus, como defendida pela maioria das religiões, mas
sim de um “plano inteligente”, que necessita ainda de pesquisa para sua melhor
compreensão, mas sem o qual ficam incompreensíveis muitas das situações
presentes no processo evolutivo.
Chega para nós, com uma alegria e satisfação,
a teoria espírita do surgimento da vida, a partir de um Criador, que é
“Inteligência Suprema, Causa Primária de todas as cousas”, mas que segue suas
próprias leis, que são as da Natureza em si, para realizar todo o processo
evolutivo. Reúnem os Espíritos as duas teorias, retirando delas toda a postura
radical, buscando desenvolver o conhecimento de forma racional e crítica.
O Espiritismo entende, como nos ensina
Kardec, no seu livro A Gênese, que o texto retratado no início deste artigo,
como tantas outras formas mitológicas e místicas de narração da criação do
mundo, seria aquele de possível compreensão para aquele povo, em determinado
momento da História, e não uma visão acabada do fato; não passaria de forma
alegórica, para as mentes ainda infantis, no campo do conhecimento científico.
Sobre a criação dos mundos e do surgimento
dos seres vivos, recolhemos alguns ensinamentos contidos em O Livro dos
Espíritos, no capítulo III, da sua primeira parte (Ed. FEB):
– “É fora de dúvida que ele [o Universo] não
pode ter-se feito a si mesmo. Se existisse, como Deus, de toda a eternidade,
não seria obra de Deus.”
– “Tudo o que a esse respeito se pode dizer e
podeis compreender é que os mundos se formam pela condensação da matéria
disseminada no Espaço.”
– “No começo tudo era caos; os elementos
estavam em confusão. Pouco a pouco cada coisa tomou o seu lugar. Apareceram
então os seres vivos apropriados ao estado do globo.”
Sobre a questão da evolução dos seres a
partir de um elemento comum e das suas características individuais, assim se
expressam os mesmos Espíritos, na pergunta 611, do citado livro:
– “Duas coisas podem ter a mesma origem e
absolutamente não se assemelharem mais tarde. Quem reconheceria a árvore, com
suas folhas, flores e frutos, no gérmen informe que se contém na semente donde
ela surge? Desde que o princípio inteligente atinge o grau necessário para ser
Espírito e entrar no período da humanização, já não guarda relação com o seu
estado primitivo e já não é a alma dos animais, como a árvore já não é a
semente. De animal só há no homem o corpo e as paixões que nascem da influência
do corpo e do instinto de conservação inerente à matéria.”
Ainda sobre o surgimento da Terra e a criação
da vida e o seu processo evolutivo, recolhemos fragmentos do capítulo III, da
primeira parte do livro Evolução em Dois Mundos, autoria espiritual de André
Luiz, psicografado pelos médiuns Francisco C. Xavier e Waldo Vieira (Ed. FEB),
que se ajustam aos postulados neocriacionistas, explicando-os com clareza:
“A matéria elementar, de que o eletrão é um
dos corpúsculos-base (...) acumulada sobre si mesma, ao sopro criador da Eterna
Inteligência, dera nascimento à província terrestre (...).”
“A imensa fornalha atômica estava habilitada
a receber as sementes da vida (...).”
“Dessa geléia cósmica, verte o princípio
inteligente, em suas primeiras manifestações...”
“Aparecem os vírus e, com eles, surge o campo
primacial da existência, formado por nucleoproteínas e globulinas, oferecendo
clima adequado aos princípios inteligentes ou mônadas fundamentais, que se
destacam da substância viva, por centros microscópicos de força positiva,
estimulando a divisão cariocinética.”
“Evidenciam-se, desde então, as bactérias
rudimentares, cujas espécies se perderam nos alicerces profundos da evolução
(...).”
“O tempo age sem pressa, em vagarosa
movimentação no berço da Humanidade, e aparecem as algas nadadoras (...).”
“Mais tarde, assinalamos o ingresso da
mônada, a que nos referimos, nos domínios dos artrópodos (...).”
“Avançando pelos equinodermos e crustáceos,
entre os quais ensaiou, durante milênios, o sistema vascular e o sistema
nervoso, caminhou na direção dos ganóides e teleósteos, arquegossauros e
labirintodontes para culminar nos grandes lacertinos e nas aves estranhas,
descendentes dos pterossáurios, no jurássico superior, chegando à época
supracretácea para entrar na classe dos primeiros mamíferos, procedentes dos
répteis teromorfos (...).”
“Contudo, para alcançar a idade da razão, com
o título de homem, dotado de raciocínio e discernimento, o ser, automatizado em
seus impulsos, na romagem para o reino angélico, despendeu para chegar aos
primórdios da época quaternária, em que a civilização elementar do sílex
denuncia algum primor de técnica, nada menos de um bilhão e meio de anos
(...).”
Vemos, então, a Doutrina Espírita
permanecendo com os seus ensinamentos, nestes quase cento e cinqüenta anos de
existência, como recurso para o aprendizado da Humanidade, não fugindo aos
estudos e pesquisas que vêm sendo desenvolvidos, demonstrando com clareza a
grandiosidade do Criador, não por uma postura mágica ou miraculosa, mas pelas
suas leis que se fazem presentes em todo o Universo, construindo uma história
da Criação condizente com a sua Justiça, a sua Verdade, mas, acima de tudo, com
o seu Amor.
Em sua lógica, quebra as fantasias dos mitos
existentes em todos os povos sobre a criação do Universo, entendendo e respeitando
esses relatos como formas adequadas a cada tempo para a compreensão dos fatos,
sustenta idéias que vêm sendo progressivamente revistas e serão comprovadas em
tempo hábil, provando a existência de Deus, a supremacia de suas Leis e a
teoria da evolução direcionada por um “planejamento inteligente”; determina,
porém, os limites do conhecimento humano, pelas suas condições evolutivas,
quando Kardec, em O Livro dos Espíritos, na pergunta 613, comenta:
“O ponto inicial do Espírito é uma dessas
questões que se prendem à origem das coisas e de que Deus guarda o segredo.
Dado não é ao homem conhecê-las de modo absoluto, nada mais lhe sendo possível
a tal respeito do que fazer suposições, criar sistemas mais ou menos prováveis.
Os próprios Espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem,
também podem ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas.”
Fonte:
Revista Reformador agosto 2003.
(*) Médico
Psiquiatra, Vice-Presidente da AME-Brasil, Diretor Clínico do Hospital Espírita
André Luiz (BH), Psiquiatra e Psicoterapeuta do Instituto de Assistência
Psíquica Renascimento (BH).
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