Por Júlio Peres (*)
Alguns pesquisadores propuseram que a
religião originou-se como uma maneira de tratar a morte (Malinowski,1954). As
primeiras discussões sobre religião no âmbito da psicologia foram trazidas por
Freud, que a considerou como remédio ilusório contra o desamparo. A crença na
vida após a morte estaria embasada no medo da morte, análogo ao medo da
castração, e a situação à qual o ego estaria reagindo é a de ser abandonado (Freud,
1980, p. 153). Atualmente, a experiência religiosa deixou de ser considerada
fonte de patologia e, em certas circunstâncias, passou a ser reconhecida como provedora
do re-equilíbrio e saúde da personalidade (Levin,1996; Koenig, 2001).
As
teorias sociológicas atuais veem a crença na vida após a morte como um
componente central de muitos sistemas religiosos, fornecendo significado à vida
atual com a continuidade na seguinte (Stark e Bainbridge, 1996). De fato, a
existência da vida depois da morte é uma crença presente na maioria das religiões
mais abrangentes (Obayashi, 1992). Considerando os dados demográficos sobre
religião, mais de três quartos dos americanos acreditam na vida após a morte
(Greeley e Hout, 1999; Klenow e Bolin, 1989-1990) e aproximadamente 92% dos
brasileiros apresentam a mesma crença, uma vez que apenas 7,3% da população não
tem religião (IBGE, 2000). Apesar de tal crença ser difundida, pouca pesquisa
sobre esse tópico tem aparecido na literatura psicológica e psiquiátrica
(Exline, 2002), e a maioria das pesquisas existentes examinou os efeitos da
crença na vida após a morte em relação ao medo da morte (Alvarado et al., 1995;
Templer, 1972; Templer e Dotson, 1970). Alguns estudos não conclusivos sugerem indícios
da continuidade da vida após a morte (Stevenson,1983; Stevenson e Samararatne, 1988; van
Lommel et al., 2001), e ainda que a pergunta permaneça não respondida pela
ciência, a crença na vida após a morte de uma amostra nacional de 1.403 americanos
esteve relacionada com menor severidade de seis conjuntos de sintomas (ansiedade,
depressão, compulsão, paranoia, fobia e somatização). O estudo mostrou que tal
crença também influencia positivamente a qualidade de vida (Flannelly et al.,
2006).
O bem-estar espiritual é uma dimensão do
estado de saúde, junto às dimensões corporais, psíquicas e sociais (World
Health Organization, 1998). Por considerar as experiências místicas e
meditativas como processos mensuráveis e quantificáveis, com base nas
evidências acumuladas na literatura e na prática médica, a Organização Mundial
da Saúde, por meio do grupo de Qualidade de Vida, incluiu em seu instrumento
genérico de avaliação de qualidade de vida o domínio Religiosidade, Espiritualidade
e Crenças Pessoais com 100 itens.
Esse instrumento colaborou com outros estudos
que identificaram correlações importantes ao conhecimento dos profissionais da
saúde. Myers (2000) investigou a relação entre o estado de felicidade e a
prática religiosa em 34 mil participantes e evidenciou uma correlação positiva entre
essas variáveis. Mueller et al. (2001) revisou estudos publicados e metanálises
que examinavam a associação entre envolvimento religioso/espiritualidade e
saúde física, mental e qualidade de vida. A maioria dos estudos mostrou que
envolvimento religioso e espiritualidade estão associados com melhores índices
de saúde, incluindo maior longevidade, habilidades de manejo e qualidade de
vida, assim como menor ansiedade, depressão e suicídio. Uma metanálise recente
de 49 estudos que envolveu o total de 13.512 sujeitos
investigou a associação entre o manejo religioso e o ajuste psicológico. (Ano e
Vasconcelles, 2005). O manejo religioso positivo teve uma relação positiva
moderada (r = 0,33) com ajuste psicológico positivo e uma correlação inversa
modesta (r = – 0,12) com ajuste psicológico negativo, enquanto o manejo
religioso negativo mostrou correlação positiva (r = 0,22) com ajuste
psicológico negativo. A maioria dos estudos que investigou a relação entre a
religiosidade/espiritualidade e a saúde mental revelou que níveis mais
elevados da participação religiosa estão associados com maior bem-estar e saúde
mental (Moreira-Almeida et al., 2006).
(*) psicólogo
clínico e Doutor em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo. Fez Pós-doutorado no Center for Spirituality and
the Mind, University of Pennsylvania e na Radiologia Clínica – Diagnóstico de
Imagem pela UNIFESP.
(*)
extrato de artigo publicado na Revista de Psiquiatria Clínica, nº 34. Fonte:http://www.clinicajulioperes.com.br/wp-content/uploads/2012/04/Espiritualidade-religiosidade-e-psicoterapia.pdf
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