Por André Trigueiro (*)
A
avassaladora farra consumista desencadeada a partir da Revolução Industrial,
potencializada com o avanço tecnológico dos meios de produção e universalizada
pela mídia na era da globalização, está custando caro ao planeta. Há evidentes
sinais de exaustão dos recursos naturais não-renováveis, já denunciados em
sucessivos relatórios do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente), no estudo divulgado pela organização não-governamental WWF, segundo
o qual “o consumo de recursos naturais já supera em 20% ao ano a capacidade do
planeta de regenerá-los”, ou ainda no relatório “Estado do Mundo 2004”, do
Worldwatch Institute, quando se afirma que “o consumismo desenfreado é a maior
ameaça à humanidade”.
Os pesquisadores do Worldwatch denunciam que
“altos níveis de obesidade e dívidas pessoais, menos tempo livre e meio
ambiente danificado são sinais de que o consumo excessivo está diminuindo a
qualidade de vida de muitas pessoas”.
O lado perverso desse consumo excessivo é que
ele se restringe a uma minoria concentrada principalmente nos países ricos.
Apenas 1,7 bilhão dos atuais 6,3 bilhões de pessoas que habitam o planeta têm
hoje condições de consumir além das necessidades básicas. Ainda assim, a demanda
por matéria-prima e energia cresce, precipitando o mundo na direção de um
impasse civilizatório: ou a sociedade de consumo enfrenta o desafio da
sustentabilidade, ou teremos cada vez menos água doce e limpa, menos florestas,
menos solos férteis, menos espaço para a monumental produção de lixo e outros
efeitos colaterais desse modelo suicida de desenvolvimento.
Cada um de nós, independente do poder
aquisitivo, pode fazer a sua parte na construção de uma nova sociedade de
consumo, onde a compra de cada produto ou serviço seja precedida de alguns
pequenos cuidados. Dar preferência aos fabricantes ou comerciantes
comprometidos com energia limpa, redução e reaproveitamento de resíduos,
reciclagem de água, responsabilidade social corporativa e outras iniciativas
sustentáveis é um bom começo. Checar se o que pretendemos adquirir é realmente
necessário e fundamental.
O conceito de necessário varia de pessoa para
pessoa, é assunto de foro íntimo. Mas pode-se descobrir neste exercício os
sintomas de uma doença chamada oneomania, ou consumo compulsivo, que, de acordo
com pesquisa do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo,
acomete aproximadamente 3% da população brasileira, em sua maioria mulheres. É
gente que usufrui apenas do momento da compra, para muito rapidamente deixar o
produto de lado e, não raro, mergulhar num sentimento de culpa. Muitos
endividados que tomam empréstimos em bancos ou em agiotas são oneomaníacos.
O fato é que a maioria dos brasileiros
simplesmente não tem a opção de consumir mais do que o necessário. De acordo
com a Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE (POF/2003), considerando a soma
dos rendimentos e das despesas das famílias brasileiras, somente naquelas em
que a faixa média de renda ultrapassa os R$ 4 mil por mês há algum dinheiro
sobrando. Nestes casos, tem-se a opção de consumir algo mais com relativo
conforto.
Estamos falando de uma minoria estimada em 17
milhões de brasileiros. Por esta conta, 165 milhões estariam excluídos da farra
consumista; mas não isentos do bombardeio de anúncios que abrem o apetite para
sonhos de consumo irrealizáveis, e que geram muitas vezes ansiedade, angústia e
frustração. A resignação é o caminho. A depressão, um risco. A violência, uma
possibilidade.
Por tudo isso, em diversas partes do mundo
celebrou-se no dia 26 de novembro o “Buy
Nothing Day” (Um dia sem compras), um protesto simbólico idealizado pela ONG
canadense Adbuster Foundation Media (www.adbusters.org), que há 13 anos vem
sugerindo nesta data uma pausa no transe de consumo.
Desprezado pela grande mídia, o protesto na
verdade é um alerta para a urgência de mudarmos hábitos e comportamentos
fortemente arraigados em nossa cultura. No Brasil, o Instituto Akatu pelo
Consumo Consciente (www.akatu.net) e o Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (www.idec.org.br) também desenvolvem campanhas alertando os
consumidores. O consumo é fundamental à vida. O consumismo desequilibra a vida.
Tomar partido em favor do consumo consciente, como sugerem essas organizações,
é uma questão de sobrevivência.
(*) é jornalista com Pós-graduação em
Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo
Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na
Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador
Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora
Sextante, 2003).
¹ publicado originalmente em 16.12.2006 em: http://www.mundosustentavel.com.br/2006/12/consumindo-a-vida/
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