De extremo fanatismo são as premissas que
desnorteiam o pensamento dos sectários mediunistas, aqueles que não suportam
qualquer crítica à produção de seus médiuns favoritos, produção que, na
verdade, é dos espíritos. O pressuposto errôneo em que se apoiam é o da “folha
de serviço”, isto é, os médiuns que muito se dedicam à caridade não seriam
passíveis de ser enganados, pois os espíritos protetores não o permitiriam. Eis
o erro. É função dos benfeitores estimular nos médiuns a responsabilidade do
exercício de sua razão. O discernimento, portanto, este sim, é que constitui o
melhor contraveneno às inoculações dos espíritos pseudossábios nos comunicados
de além-túmulo. Sou eu quem o diz? Não, em absoluto. É Allan Kardec: Pelo
próprio fato de o médium não ser perfeito, Espíritos levianos, embusteiros e
mentirosos podem interferir em suas comunicações, alterar-lhes a pureza e
induzir em erro o médium e os que a ele se dirigem. Eis aí o maior escolho do
Espiritismo e nós não lhe dissimulamos a gravidade. Podemos evitá-lo? Dizemos
altivamente: sim, podemos. O meio não é difícil, exigindo apenas discernimento.
[...] As boas intenções, a própria moralidade do médium nem sempre são
suficientes para o preservarem da ingerência dos Espíritos levianos, mentirosos
ou pseudossábios, nas comunicações. Além dos defeitos de seu próprio Espírito,
pode dar-lhes guarida por outras causas, das quais a principal é a fraqueza de
caráter e uma confiança excessiva na invariável superioridade dos Espíritos que
com ele se comunicam.[1] Ora, prova a experiência que os maus se comunicam tão
bem quanto os bons. Os que são francamente maus são facilmente reconhecíveis;
mas há também, entre eles, semissábios, pseudossábios, presunçosos,
sistemáticos e até hipócritas. Estes são os mais perigosos, porque afetam uma
aparência de gravidade, de sabedoria e de ciência, em favor da qual enunciam,
em meio a algumas verdades e boas máximas, as coisas mais absurdas.
[...]Separar o verdadeiro do falso, descobrir
o embuste escondido numa exibição de palavras bonitas, desmascarar os
impostores, eis, sem contradita, uma das maiores dificuldades da ciência
espírita. Para superá-la, faz-se necessária uma longa experiência, conhecer
todas as astúcias de que são capazes os Espíritos de baixa classe, ter muita
prudência, ver as coisas com o mais imperturbável sangue-frio e, sobretudo,
guardar-se contra o entusiasmo que cega.[2] Entretanto, afora os defeitos do
próprio Espírito dos médiuns, o que mais se vê é justamente a fraqueza de
caráter; nada referente, aqui, a desonestidade, ou má-fé, e sim a um problema
de atitude pessoal. Não raro, esquivam-se da responsabilidade de julgar, ou de
submeter ao juízo de outrem, aquilo que recebem. Em geral, há neles confiança
excessiva na invariável superioridade dos Espíritos que supostamente os
orientam, ou que por si mais se comunicam e, portanto, não se guardam contra o
entusiasmo que cega. Tal postura contamina os eventuais seguidores e eis então
o sectarismo mediunista, esse estado deplorável de dormência da razão, que vem
incapacitando os espíritas de enxergar, em meio a algumas verdades e boas
máximas, as coisas mais absurdas; que os têm feito esquecer que os maus se
comunicam tão bem quanto os bons, razão pela qual nem sempre hão estado prontos
a descobrir o embuste escondido numa exibição de palavras bonitas, a fim de
desmascarar os impostores. Não, não há médium infalível, ou perfeito, num mundo
de provas e expiações. O que pode haver, no máximo, é um “bom médium, e já é
muito, pois são raros”, diz a Doutrina Espírita. E mais: O médium perfeito
seria aquele que os maus Espíritos jamais ousassem fazer uma tentativa de
enganar. O melhor é o que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido
enganado menos vezes. [...] Os Espíritos bons permitem que os melhores médiuns
sejam às vezes enganados, para que exercitem o seu julgamento e aprendam a
discernir o verdadeiro do falso. Além disso, por melhor que seja um médium,
jamais é tão perfeito que não tenha um lado fraco, pelo qual possa ser
atacado.[3] E Chico Xavier? Seria exceção aos princípios kardecianos? Seria um
médium cujo espírito não teria defeitos que ensejassem a eventual ingerência de
pseudossábios nas obras que psicografou? Em redenacional, dia 21/12/1971,
disse: “[...] nos informamos com ele [Emmanuel] de que, em outras vidas,
abusamos muito da inteligência [...]”. E reproduziu também as palavras do
jesuíta: “Você não escreverá livros, em pessoa, porque você mesmo renunciou a
isso [...] seu espírito, fatigado de muitos abusos dentro da intelectualidade,
quis agora ceder as suas possibilidades físicas a nós outros, os amigos
espirituais”.[4] Então que a razão responda. Em setembro de 1937, Chico assinou
o prefácio do livro de seu guia, cujo título, sintomaticamente, traz o nome do
próprio Espírito: “Emmanuel”. O que mais o impressionou, em 1931, foi que “a
generosa entidade se fazia visível dentro de reflexos luminosos que tinham a
forma de uma cruz”. Termina isentando-se por completo: “Entrar na apreciação do
livro, em si mesmo, é coisa que não está na minha competência”. Naturalmente, a
“competência” coube aos editores rustenistas da F.E.B., desde todo o sempre, os
formadores da personalidade mediúnica de Chico Xavier. Resultado: a generosa
entidade de luzes em forma de cruz apresentou o perispírito na condição de
“sede das faculdades, dos sentimentos, da inteligência e, sobretudo, o
santuário da memória”, bem como afirmou, astronáutica, que “Marte ou Saturno já
atingiram um estado mais avançado em conhecimentos, melhorando as condições de
suas coletividades”.[5] Esta sempre foi a postura equívoca de Chico Xavier ante
os comunicados que recebia: simples máquina de escrever. Não se aplicava em
discernir os conteúdos. Detinha-se nos aspectos morais. Isso por certo
encorajou os autores a dizer tudo o que queriam, sem resistência. E tudo era
publicado, afinal vinha de um médium “perfeito”. E agora? Agora, os leitores
que se virem com as impropriedades de todas as ordens, as almas gêmeas, a
alimentação “física”, as salas de banho, os eventos com entrada paga, os
animais no além, entre tantas outras inverdades que suas obras veiculam tão
candidamente, nessa falsa complementação febiana a Kardec; sim, falsa, porque o
contradiz ao mesmo tempo em que o exalta; um perigo mortal, uma armadilha
perfeita aos espíritas desavisados.[6] Os médiuns de mais mérito não estão ao
abrigo das mistificações dos Espíritos embusteiros; primeiro, porque não há
ainda, entre nós, pessoa assaz perfeita, para não ter algum lado fraco, pelo
qual dê acesso aos maus Espíritos; segundo, porque os bons Espíritos permitem
mesmo, às vezes, que os maus venham, a fim de exercitarmos a nossa razão,
aprendermos a distinguir a verdade do erro e ficarmos de prevenção, não
aceitando cegamente e sem exame tudo quanto nos venha dos Espíritos; nunca,
porém, um Espírito bom nos virá enganar; o erro, qualquer que seja o nome que o
apadrinhe, vem de uma fonte má. Essas mistificações ainda podem ser uma prova
para a paciência e perseverança do espírita, médium ou não; e aqueles que
desanimam, com algumas decepções, dão prova aos bons Espíritos de que não são
instrumentos com que eles possam contar. [7] Bem entendido que nada disso tem o
poder de anular a consolação prodigalizada mediante suas faculdades; sobretudo,
a tantos aflitos com a perda de seus queridos, e a quem Deus, antes de mais
ninguém, é que permitiu se comunicassem de modo tão patente. O Espiritismo,
todavia, não se detém nesse ângulo da questão. O fenômeno é uma coisa; o
conteúdo, o saber que pode ser integrado ao corpo da Doutrina, é outra, e está
num andar mais alto, diz respeito a algo maior que um médium, ou um espírito:
se prende à transmissão das verdades às gerações futuras, impossível sem
discernimento, porquanto estas verdades sempre têm seu cortejo inevitável de
erros, e o Espiritismo mostra onde estão as verdades, sim, mas também onde
estão os erros.[8]
[1] Revista Espírita. Fev/1859. Escolhos dos
Médiuns.
[2] Revista Espírita. Abr/1860. Formação da
Terra.
[3] O Livro dos Médiuns, 226, 9.ª e 10.ª
[4] DVD Pinga-Fogo 2. Clube de Arte. Menu: 39
e 41.
[7] KARDEC, O Que é o Espiritismo. Cap. II,
n. 82. [8] Instruções de Santo Agostinho. Cf. Revista Espírita. Jul/1863. Sobre
as Comunicações dos Espíritos. Grupo Espírita de Sétif, Argélia. O Livro dos
Espíritos. Conclusão, IX.
É fundamental que despertemos para o senso crítico diante do nosso contato com as entidades desencarnadas. O médium que mais se tem possibilidades de melhorar a sua performance é aquele que aceita a discussão e a controvérsia em torno de sua produção mediúnica, especialmente aquele que estuda Kardec buscando nas informações que recebe do além, o carimbo da Universalidade do Ensino dos Espíritos, sem desconhecer que o filtro do animismo é inevitável, pois todos temos uma personalidade que não some sob as influências espirituais quaisquer. Roberto Caldas
ResponderExcluirPalmas para o senso crítico fundamental da DE e lamentos pelo personalismo míope do fanatismo.
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