sábado, 7 de março de 2015

ADEUS, MISTER SPOCK! BOA VIAGEM, LEONARD NIMOY!





Por Dora Incontri (*)









Only

When I die

And realize

That I am born again

For dying is

A beginning

And I

Have died

Thousands of times

(Somente quando morro, percebo que renasço. Pois morrer é um início. E eu já morri milhares de vezes.) Leonard Nimoy

A ficção científica tem o dom de nos fazer pensar e repensar questões humanas do presente ou questões atemporais, deslocando-as para um imaginário espaço-tempo. Transfigurar essas questões em problemas interplanetários, em coisas do futuro, parece que nos induz a um salutar estranhamento, que pode nos dar uma mensagem fortemente positiva e uma apreensão mais lúcida de nós mesmos. É claro que falo aqui de ficção científica séria, bem feita e não dessas de sessão pipoca, para apenas impressionar com efeitos especiais e monstros intergalácticos. Entre todas as que foram feitas até hoje, arrisco dizer que uma das melhores, senão a melhor, foi a Jornada nas Estrelas, sobretudo a com o time original, os mosqueteiros do espaço, Kirk, Mccoy e Spock, tanto na série da TV, quanto nos filmes posteriores, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve.


Só para citar algumas de suas glórias, essa série, em plena luta dos direitos civis nos Estados Unidos, liderada por Martin Luther King Jr. colocou uma negra, lindíssima por sinal, Nichele Nicholson (Uhura) entre os principais personagens e ainda exibiu o primeiro beijo inter-racial da TV norte-americana, entre o Capitão Kirk e Uhura. Em plena Guerra Fria, outro personagem da tripulação da Enterprise era um russo…

Para os trackers de todo o mundo (entre os quais me incluo), isso tudo são informações corriqueiras. Mas como tracker, não poderia deixar de falar aqui de meu personagem mais querido, inspirador de tantas gerações: o Vulcano Spock, e de quem por trás dele se manifestava, o ator Leonard Nimoy, que se lançou agora numa jornada de fato estelar, deixando seu corpo na terra, como Spock tinha deixado o seu no planeta Gênesis, no filme A Ira de Khan.

A série Jornada nas Estrelas ao longo de seus episódios, discutiu diversas questões muito pertinentes ao contexto histórico em que estava, muitas ainda atuais, como pacifismo, respeito à pluralidade cultural e crítica ao imperialismo (a Federação Interestelar tinha a lei de não-interferência nas culturas encontradas em outros planetas – o que infelizmente os Estados Unidos não adotaram no planeta Terra), contracultura (a época também era dos hippies), diálogo inter-religioso, fenômenos paranormais e muitos outros temas…

Mas o personagem que representava a maior novidade, o portador de ideias e atitudes de vanguarda, era justamente Spock. Pouca gente sabe uma fato curioso. Quando Gene Roddenberry, o genial criador da série e dos personagens, estava concebendo Spock (será?), ele passava horas fazendo perguntas ao personagem e simulando respostas, para melhor entendê-lo. Mero exercício de escritor ou houve aí alguma inspiração mediúnica?

Meio Vulcano, meio humano, Spock representava por si mesmo, o conflito de duas culturas. Dividido entre suas reprimidas emoções humanas e sua lógica vulcana, era telepata, pacifista, praticava meditação. Dizia agir pela lógica e ter suprimido as emoções, mas mostrava sempre amizade, fidelidade, espírito de sacrifício – e o que dava maior prazer aos seus fãs, deixava que seu lado humano escapasse num meio sorriso e numa reação inesperada de afeto. Parecia muito com um budista – inclusive dizia não ter “ego” – ou com um estoico.

Por trás dessa figura enigmática e fascinante (uma palavra que usava o tempo todo), estava o ator, dando consistência e vida a esse personagem.

Leonard Nimoy não era uma pessoa qualquer. Era poeta, militante de movimentos sociais e ecológicos, descrito por seus amigos, como pessoa interessada no próximo. No filme que dirigiu Jornada nas Estrelas IV, a Volta para casa, na sensível história de resgate de uma espécie de baleia no passado da Terra, estava na verdade militando por uma de suas causas prediletas, a proteção às baleias. Gravou aliás um disco (na época dos discos de vinil), com sons de baleias e poemas e trechos literários famosos, lidos com aquela voz de baixo profundo.

No início da década de 80, ainda muito jovem e muito apaixonada por Spock, encontrei uma preciosidade numa livraria de Miami: um livro de poesias Warmed by Love (Aquecido pelo amor). Singelas muitas, algumas profundas, simpáticas todas, essas poesias relevam um grande ser humano, que todos são unânimes em descrever. (Meu avô, injuriado que eu entrava em todo lugar na viagem e procurava coisas do Spock, dizia que eu só ia atrás do orelhudo).



Se eu já gostava de Spock/Nimoy, quando o descobri poeta, gostei mais ainda. Aqui, em homenagem à sua passagem para o além, algumas pequenas pérolas do seu livro, que ainda guardo em minha biblioteca, mais de 30 anos depois.

O milagre é esse

Quanto mais dividimos

Mais temos.

*

Quando me deixas

tomar,

sou grato.

Quando me deixas

dar,

sou abençoado.

*

Naves espaciais são excitantes

Mas rosas num aniversário

também são.

Computadores são excitantes

Mas o pôr do sol também é.

A lógica jamais tomará

o lugar do amor.

Às vezes, me pergunto

aonde pertenço:

no passado ou no futuro?

Acho que sou apenas

um homem do espaço

à moda antiga.

*

Uma boa acolhida no Além, Leo, e leve nosso afeto terreno para suas novas jornadas estelares!


(*)Jornalista, educadora e escritora. Suas áreas de atuação são Educação, Filosofia, Espiritualidade, Artes, Espiritismo. Tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em Filosofia da Educação pela USP. É sócia-diretora da Editora Comenius e coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita. Docente de pós-graduação pela Universidade Santa Cecília. Dirige em São Paulo, o Espaço Pampédia, um centro de educação e cultura, uma incubadora de ideias.

fonte: http://doraincontri.com/about/


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