Por Dora Incontri (*)
Only
When I die
And realize
That I am born
again
For dying is
A beginning
And I
Have died
Thousands of times
(Somente quando morro, percebo que
renasço. Pois morrer é um início. E eu já morri milhares de vezes.) Leonard
Nimoy
A ficção científica tem o dom de nos fazer
pensar e repensar questões humanas do presente ou questões atemporais,
deslocando-as para um imaginário espaço-tempo. Transfigurar essas questões em
problemas interplanetários, em coisas do futuro, parece que nos induz a um
salutar estranhamento, que pode nos dar uma mensagem fortemente positiva e uma
apreensão mais lúcida de nós mesmos. É claro que falo aqui de ficção científica
séria, bem feita e não dessas de sessão pipoca, para apenas impressionar com
efeitos especiais e monstros intergalácticos. Entre todas as que foram feitas
até hoje, arrisco dizer que uma das melhores, senão a melhor, foi a Jornada nas
Estrelas, sobretudo a com o time original, os mosqueteiros do espaço, Kirk,
Mccoy e Spock, tanto na série da TV, quanto nos filmes posteriores,
audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve.
Só para citar algumas de suas glórias, essa
série, em plena luta dos direitos civis nos Estados Unidos, liderada por Martin
Luther King Jr. colocou uma negra, lindíssima por sinal, Nichele Nicholson
(Uhura) entre os principais personagens e ainda exibiu o primeiro beijo
inter-racial da TV norte-americana, entre o Capitão Kirk e Uhura. Em plena
Guerra Fria, outro personagem da tripulação da Enterprise era um russo…
Para os trackers de todo o mundo (entre os
quais me incluo), isso tudo são informações corriqueiras. Mas como tracker, não
poderia deixar de falar aqui de meu personagem mais querido, inspirador de
tantas gerações: o Vulcano Spock, e de quem por trás dele se manifestava, o
ator Leonard Nimoy, que se lançou agora numa jornada de fato estelar, deixando
seu corpo na terra, como Spock tinha deixado o seu no planeta Gênesis, no filme
A Ira de Khan.
A série Jornada nas Estrelas ao longo de seus
episódios, discutiu diversas questões muito pertinentes ao contexto histórico
em que estava, muitas ainda atuais, como pacifismo, respeito à pluralidade
cultural e crítica ao imperialismo (a Federação Interestelar tinha a lei de
não-interferência nas culturas encontradas em outros planetas – o que
infelizmente os Estados Unidos não adotaram no planeta Terra), contracultura (a
época também era dos hippies), diálogo inter-religioso, fenômenos paranormais e
muitos outros temas…
Mas o personagem que representava a maior
novidade, o portador de ideias e atitudes de vanguarda, era justamente Spock.
Pouca gente sabe uma fato curioso. Quando Gene Roddenberry, o genial criador da
série e dos personagens, estava concebendo Spock (será?), ele passava horas
fazendo perguntas ao personagem e simulando respostas, para melhor entendê-lo.
Mero exercício de escritor ou houve aí alguma inspiração mediúnica?
Meio Vulcano, meio humano, Spock representava
por si mesmo, o conflito de duas culturas. Dividido entre suas reprimidas
emoções humanas e sua lógica vulcana, era telepata, pacifista, praticava
meditação. Dizia agir pela lógica e ter suprimido as emoções, mas mostrava
sempre amizade, fidelidade, espírito de sacrifício – e o que dava maior prazer
aos seus fãs, deixava que seu lado humano escapasse num meio sorriso e numa
reação inesperada de afeto. Parecia muito com um budista – inclusive dizia não
ter “ego” – ou com um estoico.
Por trás dessa figura enigmática e fascinante
(uma palavra que usava o tempo todo), estava o ator, dando consistência e vida
a esse personagem.
Leonard Nimoy não era uma pessoa qualquer.
Era poeta, militante de movimentos sociais e ecológicos, descrito por seus
amigos, como pessoa interessada no próximo. No filme que dirigiu Jornada nas
Estrelas IV, a Volta para casa, na sensível história de resgate de uma espécie
de baleia no passado da Terra, estava na verdade militando por uma de suas
causas prediletas, a proteção às baleias. Gravou aliás um disco (na época dos
discos de vinil), com sons de baleias e poemas e trechos literários famosos,
lidos com aquela voz de baixo profundo.
No início da década de 80, ainda muito jovem
e muito apaixonada por Spock, encontrei uma preciosidade numa livraria de
Miami: um livro de poesias Warmed by Love (Aquecido pelo amor). Singelas muitas,
algumas profundas, simpáticas todas, essas poesias relevam um grande ser
humano, que todos são unânimes em descrever. (Meu avô, injuriado que eu entrava
em todo lugar na viagem e procurava coisas do Spock, dizia que eu só ia atrás
do orelhudo).
Se eu já gostava de Spock/Nimoy, quando o
descobri poeta, gostei mais ainda. Aqui, em homenagem à sua passagem para o
além, algumas pequenas pérolas do seu livro, que ainda guardo em minha
biblioteca, mais de 30 anos depois.
O milagre é esse
Quanto mais
dividimos
Mais temos.
*
Quando me deixas
tomar,
sou grato.
Quando me deixas
dar,
sou abençoado.
*
Naves espaciais
são excitantes
Mas rosas num
aniversário
também são.
Computadores são
excitantes
Mas o pôr do sol
também é.
A lógica jamais
tomará
o lugar do amor.
Às vezes, me
pergunto
aonde pertenço:
no passado ou no
futuro?
Acho que sou
apenas
um homem do
espaço
à moda antiga.
*
Uma boa acolhida no Além, Leo, e leve nosso
afeto terreno para suas novas jornadas estelares!
(*)Jornalista, educadora e escritora. Suas áreas
de atuação são Educação, Filosofia, Espiritualidade, Artes, Espiritismo. Tem
mestrado, doutorado e pós-doutorado em Filosofia da Educação pela USP. É
sócia-diretora da Editora Comenius e coordenadora geral da Associação
Brasileira de Pedagogia Espírita. Docente de pós-graduação pela Universidade
Santa Cecília. Dirige em São Paulo, o Espaço Pampédia, um centro de educação e
cultura, uma incubadora de ideias.
fonte: http://doraincontri.com/about/
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