“Mais
vale um inimigo confesso do
que
um amigo desajeitado.”
(Allan
Kardec)
Por Jorge Luiz (*)
Recebi
e-mail com programação de evento dito espírita, que será realizado aqui em
Fortaleza. Fiquei perplexo pela escolha do tema central, mais apropriado para
programas televisivos transmitidos na madrugada: “Por que está dando “tudo errado” para mim?” Ou, quem sabe,
para aqueles cartazes colados em postes de iluminação pública para anúncios de
consulta, os conhecidos ledores de buena-dicha.
A
grade de programação traz como subtemas: Por
que não consigo me resolver sexualmente? Drogas resolve? Depressão: causa ou
consequência? Estou na família certa? Em
nenhum momento assinala-se que o evento é espírita ou que as abordagens serão
espíritas. Aliás, só se encontra a palavra espírita nos nomes das instituições
que promovem/apoiam o evento. Quando se elabora uma interface da programação
dos subtemas com a temática central, revela-se incoerente, apelativa e equivocada doutrinariamente.
Não restam dúvidas de
que se vive uma verdadeira ditadura do sexo,
que tem merecido atenção desde Freud, passando por Alfred Adler, Erich
Fromm e outros. Entretanto, o homem não é somente um animal sexual, que para se sentir “resolvido”, basta adequar-se a
esse ou àquele vetor, para que a sua vida se transforme em mil maravilhas. O
ser humano, na condição de Espírito imortal, no trânsito por diversas etapas do
processo antropológico, integra-se paulatinamente no pensamento cósmico.
Ajustar-se a esse ou àquele ponto de vista, é relativizar assunto de tamanha
transcendência, que é a Vida.
Estou
na família certa? Em estando, a vida mudará o seu curso? Incompreensível onde
se pretende chegar, principalmente em se tratando de divulgação espírita.
Pare-se por aqui!
Realiza-se
eventos para divulgar o Espiritismo ou eventos caça-níqueis? Espiritismo: obra de educação ou de
autoajuda? Evento espírita ou esotérico? Espera-se que os expositores consigam
responder tais questionamentos.
Se
for lançada de vista ao mercado editorial espírita, a situação se mostra também
preocupante. Há uma avalanche de editoras que publicam obras, normalmente
romanceadas, com situações pitorescas do mundo espiritual, que não encontram
nenhum respaldo doutrinário. O escritor espírita, paulista, Richard Simonetti,
define bem esse cenário, quando afirmou: “Depois que Chico Xavier desencarnou,
“soltaram a tampa da revelação”. Médiuns transmitem fantasias sobre a vida
espiritual, situando-as como desdobramentos do conhecimento espírita. Livros
assim vendem bem, fazem mal ao movimento.”
As
situações anteriormente expostas refletem a falta de compromisso com o estudo
da doutrina espírita. Espiritismo não se aprende de soslaio. Não se pode
divulgar algo que não se conhece. Para se vender banana na feira é preciso
conhecer as diversas espécies de banana. Agora, imagine uma Doutrina que veio
para transformar o homem, e, consequentemente, a Humanidade. Uma Doutrina que
faz parte do Projeto Divino para a Humanidade.
Consciente
dessa importância, Allan Kardec esmerou-se em organizá-la de forma a não
permitir dúvidas ou falsas interpretações.
No
Projeto 1868, inserido em Obras Póstumas,
Kardec estabelece dois elementos para concorrer para o progresso da Doutrina: o
seu estabelecimento teórico e o meio de popularizá-la. Observe que os
elementos são indissociáveis. Basta-se estudar, estudar, estudar... e divulgar!
O
professor, jornalista, filósofo e escritor espírita, José Herculano Pires, em
sua bela obra Curso Dinâmico de
Espiritismo, já previne sobre essas posturas quando assinalou: “Bastam esses fatos para mostrar que o
Espiritismo é o Grande Desconhecido dos próprios Espíritas. E é por isso, por
causa dessa negligência imperdoável no estudo da doutrina, que os próprios
adeptos se transformaram em eficientes instrumentos de combate ao Espiritismo”.
No
movimento espírita, a crítica infelizmente soa como anticaridade. Normalmente,
a crítica sempre é interpretada como tentativa de diminuir o valor das
iniciativas, desrespeito ao próximo, ou a sempre arguida intolerância.
Allan
Kardec, entretanto, em a Revista Espírita
1867, no artigo “Olhar Retrospectivo sobre o Movimento Espírita”, orienta
no tocante a situação da espécie: “(...)
declinar toda solidariedade com o que pudesse ser feito em seu nome e que fosse
capaz de desacreditá-la, porque não seria este o caso de adeptos sérios e
convictos”.
Portanto,
parafraseando o confrade já desencarnado, Gélio Lacerda da Silva, na obra Conscientização Espírita, compete aos
espíritas: a) ficar em cima do muro?
- termo jocoso que se define todo aquele que permanece sem tomar uma decisão,
em nome de pseudoevangelismo; b) fazer
como avestruz? - definição
para aqueles que, diante dos fatos, enterram as cabeças nos “buracos e moitas
da vida”, patrocinados por visão deturpada de caridade; c) botar a boca no trombone, quando, de forma respeitosa e
pautada na ética espírita, questionam-se fatos que de alguma forma colidam com
o pensamento kardequiano.
É
sempre bom requisitar a profética frase de Léon Denis, registrada na introdução
da obra No Invisível:
“O Espiritismo será o que o fizerem os
homens. Similia Simibilus! Ao contato
da Humanidade as mais altas verdades às vezes se desnaturam e obscurecem. Podem
constituir-se uma fonte de abusos. A gota de chuva, conforme o lugar onde cai,
continua sendo pérola ou se transforma em lodo.”
Cada
um, portanto, adota a iniciativa que lhe aprouver.
(*) blogueiro e expositor espírita.
REFERÊNCIAS
DENIS, L. No invisível. Rio
de Janeiro: FEB, 1987.
KARDEC, A. Obras póstumas. Rio
de Janeiro: FEB, 2006a.
_______ . Revista Espírita 1867. Araras, SP: IDE, 1999.
PIRES, Herculano. Curso dinâmico de Espiritismo: o
grande desconhecido. São Paulo: Paideia, 1979.
SILVA, Gélio Lacerda
da. Conscientização Espírita.
Capivari-SP: EME, 2009.
Meu Caro Jorge Luiz, li o seu comentário sobre o evento de casa espírita e apoiada por outras instituições espíritas. Espero que a FEEC não esteja entre as apoiadoras, porque se tal estiver acontecendo, será preciso repensar o Movimento Espírita de nosso Estado! Para alguns os seus comentários soarão como falta de caridade, para outros, e aí eu me incluo, soará como grande alerta para repensarmos a nossa responsabilidade com a Doutrina Espírita. Não sou favorável ao aborto, mas esse tipo de ideia bem que merecia ter sido abortada. Parabenizo a sua coragem!
ResponderExcluirCaro amigo!
ExcluirMui grato pela compreensão da importância que se reveste a temática, que está longe de ser uma polêmica vazia. Foi através de pequenas concessões que a Boa Nova se desvirtuou, sendo necessária a vinda do Consolador Prometido. Infelizmente, o evento conta com o apoio da União Distrital Espírita 7 (UDE 7) e Federação Espírita do Estado do Ceará- FEEC.
Esse é o tipo de movimento liderado por aqueles que se dizem "espíritas", que fazem espiritismo à sua moda. Na verdade, vem descaracterizar a verdadeira mensagem da Doutrina Espírita. É lamentável, tem casa espírita, inclusive, aplicando passe em animais! Parabéns Jorge, pela sua coragem, pois sabemos que o maior compromisso que temos com essa doutrina de amor, educadora e libertadora é a divulgação CORRETA!
ResponderExcluirValeu Ligiane!
ResponderExcluirAbraços a todos de Aquiraz!
Temos tanto que aprender na codificação, tanto na teoria como na praxis...Tem certas pessoas que acham que o Kardecismo já está superado. Esse tipo de evento mais nos atrapalha que nos ajuda rumo a nossa evolução pessoal e coletiva. O que precisamos fazer para mudar essa realidade?? Já que ao meu ver nós espíritas precisamos estudar mais nossos próprios postulados. Muito bom esse texto...
ResponderExcluirÉ provável que tais iniciativas se façam prósperas pela necessidade que alguns se investem de tentar explicar os fatos contemporâneos aplicando as formas e manobras que parecem dar certo no mercado, como se isso fosse flexibilidade e a marcada atitude espírita fosse uma postura radical e anacrônica . Aí falta da parte daqueles outros que acompanham o processo utilizarem da honestidade doutrinária para advertirem que não é através de tais expedientes que ajudaremos na divulgação da mensagem baseada em Kardec, sob a falsa premissa de "não querer faltar com a caridade" criando com isso um movimento espírita ACÉFALO, sem norteadores, sem dirigentes SÉRIOS. É uma pena!!!!!!!! Obrigado Jorge Luiz por levantar mais essa bandeira. Roberto Caldas
ResponderExcluirCaro Roberto,
ResponderExcluirSou-lhe caro pelas suas palavras.
A crítica, clara, aberta é exigência dos postulados espíritas. Fechar-se a ela, corre-se o risco de voltarmos ao período da ignorância, do abuso e das trevas medievais. Corre-se o risco ainda, como você colocou bem, de se ter um movimento espírita ACÉFALO.