quinta-feira, 30 de abril de 2015

MÉDICO, A REMUNERAÇÃO DO OURO PELA FANTASIA





 Por Jorge Daher (*)


O website especializado em finanças da CNN (veja) destacou que os dois empregos mais rentáveis da América são os de Cirurgião Ortopédico e de Anestesista (leia aqui) com rendimentos anuais estimados em USD$410mil e USD$340mil e ouso dizer que esses valores não são diferentes dos recebidos no Brasil, com a diferença que no caso americano estes profissionais são funcionários de grandes corporações hospitalares, enquanto que no Brasil são autônomos.
            O objetivo desse texto não é falar em remuneração médica em si, mas do imaginário em torno dos valores recebidos pelos médicos, presente em toda a população, desde que os médicos existem. Montaigne, filósofo francês que viveu no século XVI tinha horror aos médicos e à Medicina. Dedica alguns capítulos de seus Ensaios a escarnecer dos esculápios e da sagrada profissão, a ponto de afirmar: “Quem jamais viu um médico confirmar simplesmente a receita de um confrade, sem nada acrescentar ou cortar? Revelam assim a inanidade de sua arte e mostram que mais os preocupam a própria fama e os lucros do que os doentes.” (REZENDE, Joffre Marcondes de. À sombra do plátano: Crônicas de História da Medicina. 2009).

            No Brasil, no século XIX, a profissão médica gerava queixa por ser alcançável apenas pelos que tinham recursos. Em discurso que se tornou célebre e resgatado pelo Deputado Federal Freitas Nobre, o então Deputado Imperial e médico, Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, proclama que um médico que se recusa subir uma favela para salvar uma vida não era digno da Medicina, era sim mercenário da nobre profissão. Bezerra de Menezes viveu e morreu como médico e foi conhecido como médico dos pobres e, consequentemente, era médico pobre do ouro e do lucro, tão acusados por Montaigne em seus Ensaios.
            Lewis Thomas, renomado médico-cientista americano, em seu livro de memórias, chamado The Youngest Science, relata a vida de seu pai, médico generalista entre as décadas de 1910 a 1950, em pequena cidade do Estado de Nova York, Estados Unidos. Tratando especificamente do dinheiro que seu pai recebia das consultas, lembra de agastado caderno, cujas anotações de consultas não recebidas preenchiam dezenas de folhas. Pôde dizer que o pai trabalhava muito e era mal remunerado por simplesmente não receber dos pacientes os valores devidos das consultas, mas nem por isso deixou de atender a todos eles.
            Noah Gordon, em seu livro O Xamã, anota os seguintes versos escritos em uma nota de 1 dólar (USD$1,00) por um médico americano do século XIX: “No momento da morte iminente, e não antes/recorre-se a Deus e ao médico/ Passado o perigo/tudo está pago/Deus esquecido e o médico ignorado.
            A Medicina popularizou-se no século XX e a população de todas as classes sociais passaram a ter acesso aos consultórios, públicos ou privados, onde são atendidos por médicos que se dedicam ao preço de sua devoção à profissão. Todavia, mesmo em rincões de pobreza, onde o médico atua como funcionário de um sistema público de saúde, sua remuneração recheia as fantasias populares, tornando-o, na idéia dos sonhadores, dono de fortunas e de reluzente ouro.
            O salario médio mensal dos médicos no Brasil, segundo o IPEA, é R$8.400,00, valor muito acima do salário mínimo, mas insuficiente para comprar o ouro imaginado por muitos. É também um valor bem abaixo do recebido por profissionais americanos, funcionários de grandes corporações de saúde e de conterrâneos brasileiros que, a muito custo, conseguiram estabelecer uma carreira médica em clínicas privadas.
            Como o imaginário é mais poderoso que a realidade, sustenta não apenas as fantasias, mas também os sonhos e as ilusões, cada profissional que ostenta a pedra de esmeralda em seu anel, o estetoscópio no pescoço e a pequena pasta na mão, continuará sendo os que garimpam o ouro no sofrimento, e quando sanado, como Deus esquecido, será o médico ignorado.


(*) presidente da AME-GO.

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