Por Sérgio Aleixo (*)
Em função de nossos posicionamentos críticos
(do grego kritiké: análise, apreciação),
somos frequentemente acusado de intolerância e prática excludente. Porém,
nenhum de nossos pronunciamentos jamais é realizado sem o devido respeito à identidade
conceitual do espiritismo, sempre com superlativa importância dada à obra de
Kardec, o qual fazemos questão de citar, em referendo a toda ideia que damos a
lume.
Ante essas acusações, o que pensarmos? Que
muitos espíritas não conhecem obra do mestre de Lyon e, assim, se equivocam em
seus julgamentos; ou, então, que não fazem caso do que disseram ou deixaram de
dizer o codificador e seus excelsos orientadores espirituais. Um erro dos mais
lamentáveis é confundirmos o discurso viril de paz, amor e tolerância, próprio
do corajoso exercício da verdadeira Boa Nova, com esse simplismo comprometedor,
do qual Jesus, aliás, nunca foi partidário, que vive a dizer tão comodamente:
“Vamos deixar de fofoquinhas, crianças! Vamos amar o próximo!”.
Não seremos nós os que se oporão à
necessidade de amarmo-nos. Todavia, no que concerne a nossa atitude de repúdio
ao roustainguismo, ao ramatisismo, ao laicismo e a outros focos de evidente
mistificação, que grassam em nosso movimento espírita sob a complacência
ingênua de uns e interesseira de outros, insistimos em que é a exemplo de
Kardec que a tomamos, e em nome do próprio Espírito de Verdade, o qual disse
também: “Instruí-vos!”.
Contudo, salientemos que nosso repúdio é às
falsas doutrinas, não a seus profitentes, que consideramos nossos irmãos e a
quem amamos, embora a recíproca nem sempre tenha sido verdadeira, o que prova a
fonte malsã de tais proposituras. Citado nominalmente, já fomos tachado de
irresponsável, antiético e mesmo agredido em nossa juventude, como se fosse
desdouro não contar ainda, pelo menos, cinquenta anos... Pobre de nós, que mal
passamos dos trinta! São traços, não há dúvida, de um patriarcalismo
completamente arcaico.
Seguro, entretanto, de nossa atitude,
estamos, como dizíamos, ao lado do próprio codificador, que instruiu os
verdadeiros adeptos do espiritismo da seguinte forma:
Falar dessas opiniões divergentes que, em
definitivo, se reduzem a algumas individualidades, e não fazem corpo em nenhuma
parte, não é, talvez dirão algumas pessoas, dar-lhes muita importância,
amedrontar os adeptos em lhes fazendo crer em cisões mais profundas do que elas
o são? Não é também fornecer armas aos inimigos do espiritismo? É precisamente
para prevenir esses inconvenientes que delas falamos. Uma explicação clara e
categórica, que reduz a questão ao seu justo valor, é muito mais própria para
tranquilizar do que para amedrontar os adeptos; eles sabem a que se prenderem,
e nisto encontram ocasião dos argumentos para a réplica. Quanto aos
adversários, eles muitas vezes exploram o fato, e é porque lhe exageram a
importância, que é útil mostrar o que ele é. (Revista Espírita. Abril de 1866.
O espiritismo independente. Tomo IX. 1. ed. p. 116. Araras: IDE, 1997.)
A nossa postura é, então, a do próprio
codificador do espiritismo; e nunca tão necessária foi, pois assumida numa
época em que existe o agravante de essas opiniões divergentes da codificação
não mais se reduzirem a algumas individualidades. Efetivamente, elas fazem
corpo e ameaçam-nos a integridade conceitual, aumentando a distância entre o
espiritismo — a obra de Kardec e o que a essa obra de fato se possa articular —
e aquilo que o movimento espírita vem professando em geral.
Estamos acuados por um institucionalismo
igrejificante, muito centralizador, que cerceia o pleno exercício da capacidade
crítica, elemento fundamental à proposta de uma fé realmente raciocinada. Por
isso, muitos espíritas não chegam a desposar com a coragem que se esperaria os
fundamentos doutrinais kardecianos. Apenas para não desagradarem a “a”, “b” ou
“c”. Mas esquecem de que, para contemplarmos a Divindade, teremos de ser
capazes de reconhecer sua dupla face: o Amor, sem dúvida; mas também,
inapelavelmente, a Verdade.
Mestre e doutora em Educação pela USP, com
dissertação e tese espíritas proclamadas em alto e bom som em pleno meio
acadêmico — coragem que poucos têm! —, citemos aqui a ilustre confreira Prof.ª
Dora Incontri, para que nos convençamos de que criticar não é fundamentalmente
um vício, e sim uma virtude:
A capacidade crítica é o preventivo contra a
dominação mental de outras inteligências, encarnadas ou desencarnadas. É o
discernimento justo para avaliarmos o bem e o mal e percebermos o que se
esconde por trás das aparências. É a disposição de questionarmos pessoas e
situações, sem medo de enxergarmos a verdade, pois por trás da descoberta e da
justa avaliação de um problema, vem necessariamente o compromisso de nos
engajarmos até o sacrifício para saná-lo. Assim, o espírito crítico, em relação
a nós mesmos, a pessoas à nossa volta, a circunstâncias sociopolíticas, a
respeito de formas de relacionamentos humanos ou de instituições e poderes
constituídos é um desestabilizador do comodismo egoísta. (A educação segundo o
espiritismo. Cap. XVII. A educação intelectual. Potencialidades a serem
desenvolvidas. O espírito crítico e a autonomia de pensamento. 4. ed. p.
171-172. São Paulo: Comenius, 2000.)
(*) escritor, pesquisador e expositor espírita. Autor de obras como: Com quem Falaram os Profetas, O Primado de Kardec, Ensaios da hora extrema.
Digo, simplesmente: gostaria de ter escrito esse artigo. Aliás, para ser melhor compreendido, pensava em escrever algo parecido.
ResponderExcluirParabéns, Sérgio!
Posso lhe dizer uma coisa Sérgio: Continue meu caro é disso que a Doutrina precisa para ser conhecida, de pessoas que falem com convicção e não para agradar a quem que seja! Avante Companheiro!
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