sábado, 16 de maio de 2015

LONGEVIDADE, MORTALIDADE



Por Jorge Daher (*)


Símbolo chinês da longevidade

               O Hotel de Dieu, em Paris, é considerado o mais antigo hospital de todo o mundo, sua construção teve início no século VII de nossa era. No início do primeiro milênio da era cristã, a descrição do hospital era de um depósito de doentes condenados à morte pela imundície do local e por ser depósito de indigentes já acostumados com a sujeira e o mal cheiro. Os quartos eram escuros, de pouquíssima ventilação e o ar pestilencial tinha o peso da náusea que causava aos estômagos mais sensíveis.
            Na mesma época, o primeiro milênio da cristandade, o hospital de Ispahan, na Pérsia, idealizado e dirigido pelo Príncipe dos Médicos, Ibn Sina, latinizado para Avicena, foi descrito como de ambiente arejado, com amplas janelas que recebiam a luz do forte sol do berço da Humanidade. Avicena, um polímato que escreveu a enciclopédia médica A Arte da Cura, além de mais de 200 obras de filosofia, exigia extrema limpeza do ambiente, aromatização contínua das grandes enfermarias com incensos de rosas e essências raras, camas limpas e cuidados ostensivos aos doentes, mantendo-os limpos.

            Os índices de mortalidade no hospital persa eram muito menores que os do Hotel de Dieu e somente pela descrição dos dois nosocômios já identificamos a causa da diferença.
            Hoje vivemos uma época em que atribuímos aos recursos da Medicina o aumento da longevidade, em um falseamento da realidade. Uma das causas do aumento da longevidade deve-se a medidas sanitárias e redução da mortalidade infantil (Lewontin, R. C., & Lewontin, R. C. (2000). The triple helix: Gene, organism, and environment. Cambridge, Mass: Harvard University Press.).
            As grandes endemias que afetaram fortemente as populações foram controladas através de medidas sanitárias. Na Europa, a drenagem de esgotos e ações de isolamento e vigilância limitaram o avanço da tuberculose antes mesmo dos tratamentos quimioterápicos. O mesmo ocorreu com a sífilis.
            Com as epidemias não foi diferente, medidas sanitárias limitaram o avanço dos males conhecidos por pragas, e, com a descoberta das vacinas, a erradicação de muitas doenças foi possível. Se hoje vivemos epidemia de dengue e Chicungunya é porque as medidas sanitárias e higiênicas não recebem devida atenção por parte de governantes e da população.
            Outro fator para aumento da longevidade é a redução da mortalidade em todas as faixas etárias, mas este fenômeno é recente, conquistado após a Segunda Guerra. Mais uma vez, atribuir ao avanço da farmacoterapia e dos recursos médicos o motivo da redução de mortalidade é interpretar erroneamente a realidade. Leonard Sagan, em estudo das populações, afirma: "O que explica de modo mais importante o declínio das taxas de mortalidade em todo o mundo é o aumento da esperança e o declínio do desespero e da desesperança. (Sagan, L. (1987). The health of nations: True causes of sickness and well-being. New York:
Basic Books).
            A redução da mortalidade ter por causa a um fator tão sutil quanto a esperança alerta para a epidemia silenciosa chamada Depressão. A característica marcante da doença não é a tristeza, mas a perda da esperança. A incidência de Depressão é insuficiente para causar impacto negativo sobre os índices de mortalidade, mas é suficiente para os alarmantes dados que mostram que uma pessoa suicida-se a cada 40 segundos em todo o mundo.
            O Hotel de Dieu é uma obra monumental, sua construção durou 5 séculos até que chegasse à estrutura atual, e foi totalmente reformado no final do século XIX. Já não tem o cheiro pestilencial e nem mais é depósito de indigentes e moribundos. Como toda instituição médica ocidental, foi fortemente influenciado pelas orientações de Ibn Sina, ou Avicena, que foi considerado por Osler como o maior médico de todos os tempos.

            Nossas ruas de asfalto ainda escondem a sujeira que acumulamos em lotes vazios, alimento de ratos e criadouros de larvas de vetores de doenças que nos afligem. Nosso trânsito continua movido a gasolina, xingamentos e sangue, nos lembrando fortemente que as conquistas da civilização demoram muito a surtirem efeito entre os de nossa terra brasilis.

(*) presidente da Associação Médico-Espírita de Goiás - AME-GO.

Um comentário:

  1. Isso explica ainda que em pleno século XXI o Brasil ainda enfrenta epidemias como a dengue, e quadros de tuberculose e tantas outras "demias".

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