O vocábulo “senso” vem do latim “sensu”, senso, capacidade de discernir, julgar e
entender. A partir desse vocábulo, formaram-se locuções como “senso comum” e
“bom-senso”. Enquanto a primeira significa a opinião dominante, sem reflexão, a
segunda se relaciona com o nível ético, uma vez que é refletida à luz da razão
para se decidir entre o bem e o mal que infestam a vida cotidiana. Aristóteles,
discípulo de Platão, assegurava que o bom-senso
é o elemento central da conduta
ética, uma capacidade virtuosa de achar o meio termo e distinguir a ação
correta.
Antonio
Gramsci, filósofo italiano, estabelece diferença, admitindo que o senso comum
adota uma posição passiva diante dos valores da sociedade ou do grupo que
participa. O bom-senso, no entanto, é o movimento espiritual pelo qual o
indivíduo assume uma postura crítica, partindo dos conhecimentos que dispõe,
enfrentando o desafio de refletir por conta própria sobre as coisas. O bom-senso,
abre caminho, continua Gramsci, para o uso transformador dos conhecimentos,
questionando as condições existentes, para as inovações.
Por ocasião do funeral de
Allan Kardec, Camille Flamarion, seu dileto discípulo, ao proferir discurso de
despedida, assim o definiu:
“Ele,
porém, era o que eu denominarei simplesmente o
bom-senso encarnado. Razão reta e judiciosa, aplicava sem cessar
à sua obra permanentemente as indicações íntimas do senso comum.” (grifamos)
É muito natural que o bom-senso,
como virtude, não seja obra de alcance de qualquer Espírito. Em função disso, é comum haver no movimento
espírita correntes que afirmam que Allan Kardec tentou catolicizar o
Espiritismo, não só pela utilização de alguns termos nas obras básicas, a
exemplo da inserção de mensagens assinadas por Espíritos, considerados “santos”
pela Igreja Católica, como também, pela publicação de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. O filósofo brasileiro Leandro
Konder explica esse fenômeno, quando considera
que expressões daquele que se utiliza do bom-senso, pareçam meio “insensatas”
aos olhos dos representantes do senso comum.
Insensatez essa, que levou
Léon Denis, apesar da acentuada velhice, a reagir com tenacidade à tentativa de
alguns espíritas de excluir o aspecto religioso do Espiritismo, por ocasião do
I Congresso Espírita Internacional em Paris, no ano de 1925, assim afirmando: “O Espiritismo é apenas uma ciência, uma doutrina,
uma religião? Analisemos a palavra religião, no seu sentido mais amplo e
elevado e não no sentido cultual.”
O Espiritismo é obra de educação. Allan Kardec
foi educador. A pedagogia é um processo histórico de reflexão sobre a Educação
para a elaboração de sistemas educacionais cada vez mais consentâneos com as exigências
da evolução humana, assim define o professor e filósofo espírita J. Herculano
Pires. Pode-se afirmar que Allan Kardec inaugurou a pedagogia do bom-senso.
Desde os quinze anos de
idade, a partir dos episódios de intolerância religiosa que atingiram o
desempenho do Instituto de Yverdon, dirigido por J. H. Pestalozzi, onde
estudou, Allan Kardec começou a trabalhar em silêncio a ideia de uma reforma
religiosa que conseguisse unificar as crenças, somente encontrando no
Espiritismo o elemento indispensável para obra de tamanha magnitude. Conclui
ele que na doutrina dos Espíritos se encontrava a base que fundamentava todas
as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e recompensas futuras,
sendo independente, porém, de qualquer culto particular.
Assentado em síntese
construída pelos métodos científicos festejados à sua época – observação e
experimentação – o Espiritismo apresenta-se dialético pela sua natureza e pelos
próprios métodos utilizados por Kardec, revelando-se a síntese do conhecimento
humano, como assevera Herculano Pires.
A partir daí, Kardec, utilizando-se
da pedagogia do bom-senso, começa a elaborar reflexão sobre o mundo e a vida,
mas precisamente sobre os pensares religiosos, à sua época. A dialética
espírita, ajustada ao bom-senso kardeciano, dialoga com o senso comum
religioso, muito bem assinalado por Flamarion, demonstrando claramente que não
se apresentava como mais uma religião, proselitista, sectária, ordem de culto,
paramentos, mas uma doutrina filosófica e moral que propicia a atualização das
crenças religiosas existentes. Leia-se o que diz Kardec:
“Dirige-se
apenas (o Espiritismo) aos que a ele vêm livremente, e dele necessitam. Não se
dirige aos que têm uma fé qualquer e que esta fé basta, mas aos que não a têm
ou que duvidam, e lhes dá a crença que lhes falta, não mais particularmente a
do catolicismo, do protestantismo, do judaísmo ou do islamismo, mas a crença
fundamental, base indispensável de toda religião. Aí termina o seu papel.
Estabelecida esta base, cada um é livre para seguir a rota que melhor satisfaça
à sua razão.”
Aqui repousa a célebre resposta
de Léon Denis, sintonizado com bom-senso kardeciano, se o Espiritismo seria a
religião do futuro; ele responde: “Ele é, antes de tudo, o futuro da
religião. O Espiritismo, como seu nome indica, é a mais alta e a mais
científica forma do espiritualismo. Ele é, ao mesmo tempo, já o dissemos, uma
ciência positiva, uma filosofia moral, uma solução social.(...).”
A
Doutrina Espírita deve se tornar senso
comum, dependendo do bom-senso dos seus adeptos. Preocupado com essa
finalidade, Allan Kardec assenta orientações cuidadosas sobre como se evitar as
dissidências, as deserções, o misticismo, o personalismo, o institucionalismo,
a idolatria mediúnica, melindres, profissionalismo religioso, missionarismo,
unidade de princípios, acriticidade, posturas que se misturam ao senso comum do
mundo, e atrasam a marcha do Espiritismo.
O
bom-senso kardeciano não contagiou o senso
comum dos adeptos do Espiritismo no Brasil; a exemplo da solidão de Jesus no
Gólgota, Allan Kardec continua o solitário da Ruas dos Mártires, na expressão
poética do prof. Herculano Pires.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
DENIS, Léon. Síntese Doutrinária Prática do Espiritismo. São Pulo. Editora Instituto Maria. 1982
KARDEC, Allan. Obras póstumas. Rio de Janeiro. FEB. 1987;
____________. Revista espírita. Brasília. FEB.
Setembro de 1867;
WANTUIL. Zeus & TIESEN, Francisco. Allan Kardec. Rio de Janeiro. FEB. 1999. Vol. I
PIRES. J. Herculano. Pedagogia espírita. Minas Gerais. Editora J.Herculano Pires. 1994;
_________________. Ciência espírita. São Paulo. U.S.E. 1995.
Ah! Kardec, por não entenderem seus postulados, nem os esnsinos dos Espiritos, alguns fazem do Espiritismo apenas mais um movimento religioso igrejista, cheio de misticismo... Por não entenderem o CUEE, tornaram a Doutrina dos Espiritos como sendo de UM único Espiríto e de um único médium...Até Roustain, Kardec é adotado como objeto de estudo...Le-se de tudo, e aceita-se de tudo, antes de le-lo, Kardec, e isso é triste !
ResponderExcluirMuito bom o seu artigo Jorge Luiz, enaltece e esclarece ao mesmo tempo. Parabéns!
ResponderExcluirHum.... texto interessante! Me fez refletir sobre minhas visões, que confesso, muitas vezes são negativas, frente a certas práticas nada espíritas. Entretanto, ao final do texto me veio um pensamento: nem tudo está perdido, pois a semente já foi plantada. Espaços como este renovam minha esperança frente ao movimento espírita. Sempre haverá quem tente levar adiante a proposta tal qual foi elencada por Kardec a mais de um século. Senão fosse assim, o espiritismo não teria sobrevivido e atravessado os oceanos, não é mesmo? Saudações amigo Jorge!
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