Por
Jorge Luiz (*)
Imagine gerações que se sucederam na linha do
tempo, conscientes da existência geográfica do inferno, nas próprias entranhas
da Terra, segundo alguns doutores; ou em outro planeta, ou quem sabe, alhures.
Imagine, ainda, que esse mundo constituído de elementos materiais, sem sol, nem
lua, desprovido de todo princípio e toda a aparência do bem, sendo habitado por
demônios que, para atormentarem os homens, têm asas de morcegos, chifres, pele
coberta de escamas, patas com garras e dentes aguçados. Lá, monstros de muitas
cabeças abrem para todos os lados goelas vorazes, esmagando os condenados em
suas mandíbulas sangrentas e os vomitam mastigados, mas vivos porque eles são
imortais. Há por toda a parte caldeiras ferventes, cujas tampas os anjos erguem
para verem as contorções dos condenados. Deus ouve sem piedade os gemidos dos
condenados por toda a eternidade.
O
céu em cima e o inferno, embaixo. Só se apresentavam duas opções para as almas:
a felicidade perfeita e o sofrimento eterno. O purgatório surge como uma zona
intermediária e passageira, da qual elas passam sem transição para a região dos
bem-aventurados. Geograficamente, o purgatório nunca foi determinado, nem
claramente definida a natureza das penas que nele são impostas. Com as
simonias, o purgatório acabou se tornando mina produtiva mais do que o inferno.
A
obra O Céu e o Inferno é estratégica
na reforma religiosa que Kardec alimentava realizar, incubada pelos conflitos
internos de intolerância religiosa que o seu mestre Pestalozzi sofreu, levando
à derrocada o Instituto de Yverdoom, na Suíça.
A
obra O Céu e o Inferno é a pujança do
Espiritismo dialético, como concepção científica, contrapondo-se ao
materialismo dialético, evocado por Jean-Paul Sartre, o teórico da frustração e
da nadificação do homem, bem apanhado pelo professor e filósofo J. Herculano
Pires, em a Notícia sobre o Livro, edição LAKE, quando apresenta a evolução do
espírito, em suas máximas variáveis, como está didaticamente representada na
questão nº 100, de O Livro dos Espíritos.
Dialético,
quando sai dos opostos à síntese, como, por exemplo, na passagem do evangelista
Mateus, “O Espírito, com certeza, está
preparado, mas a carne é fraca.” (26:41). Allan Kardec, no capítulo VII,
quando analisa As Penas Futuras Segundo o
Espiritismo, assim conclui:
“A carne só é fraca quando o Espírito é
fraco, o que inverte a questão e deixa ao Espírito a responsabilidade de todos
os seus atos.”
Em
toda a obra é possível observar o método discursivo pelo qual Kardec estuda
toda a dinâmica da vida em suas ordens e
manifestações indo do simples ao complexo, do particular ao geral e dos termos
opostos a sua síntese, a fim de estabelecer a lei ou o princípio que rege cada
ordem de coisas e o que é essencial em todas e em cada uma delas, como
afirma o autodidata, pensador e espírita argentino Manoel Porteiro, em sua obra
Espiritismo Dialético.
O Céu e o Inferno é a alforria espiritual para os que vivem
sob o jugo dos profissionais da religião, presos aos dogmas, rituais, promessas
salvíficas, pois põe em nocaute os fundamentos que até então os amparavam,
principalmente a ressurreição de Jesus, defendida pela Igreja Católica como a
ressurreição do homem como um todo material.
O
homem, portanto, não pode alegar desconhecimento acerca da vida após a morte,
depois da edição desta obra, que se comemora em 2015 - 01 de agosto -, 150 anos da sua primeira edição.
Referências
KARDEC,
Allan. O céu e o inferno. São Paulo:
LAKE, 2000.
_______.
O livro dos espíritos. São Paulo:
LAKE, 2002.
PIRES,
J Herculano. Notícia sobre o livro.
São Paulo: LAKE, 2000.
PORTEIRO,
Manoel S. Espiritismo dialético. CEJB, 2002.
(*) blogueiro e expositor espírita.
Bem colocado, mais do que justa homenagem ao livro e ao lúcido "mestre lionês", o autor Allan Kardec.
ResponderExcluirEsta obra abriu inumeráveis caminhos, sendo um deles a compreensão dos motivos pelos quais se imaginava -- conforme a mitologia e mais tarde conforme o catolicismo --, os quadros do Inferno, retratados por Dante, hoje compreendidos como criações do espírito enfermo, portanto temporárias.
Mostra-nos Kardec que um dos sofrimentos do espírito infrator é não ver o fim de suas dores, dando a falsa impressão de que são eternos. Se lhe perguntarmos, dirá que sofre e que sua aflição não terá fim.
Nada impede, no entanto, que as criações mentais do espírito infeliz se projetem a sua volta, ou mesmo que ele "incorpore" personalidades animalizadas (zooantropia), confirmando, assim, as visões de Dante.