Por Dora Incontri (*)
O livro Trauma
e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam,
de Júlio Peres, (psicólogo clínico, doutor em Neurociências pela USP e com
pós-doutorado pelo Center for Mind and Spirituality da Universidade da
Pensilvânia) promove a confluência de várias áreas do conhecimento (como
Psicologia, Neurociências, Religião, Filosofia, etc.) para cuidar de forma
competente e original da saúde mental e do bem-estar espiritual do ser humano.
Sem preconceitos, mas costurando ideias de maneira coerente e profunda, o autor
traz informações das mais recentes pesquisas a respeito do cérebro (incluindo
as suas próprias, com neuroimagens), conceitos da Psicologia, questões
filosóficas e existenciais, sem deixar de lado a dimensão espiritual do ser.
Ao mesmo tempo em que Júlio Peres tem se
dedicado à pesquisa de neuroimagens, traz também sólida experiência terapêutica
com pacientes traumatizados. Herdeiro de sua mãe, Maria Julia Pietro Peres e
consolidando o exercício terapêutico da TRVP (terapia reestruturativa vivencial
Peres), com seriedade e consistência acadêmica, Júlio Peres transita com muita
elegância no diálogo entre a ciência contemporânea e a espiritualidade.
O livro aborda o que ocorre a nível
psicológico, cerebral, espiritual e – diremos também pedagógico – durante a
reelaboração de traumas que deixaram marcas na mente e provocaram desordens
psíquicas, como depressões, agressividade, mudanças de personalidade, problemas
de inserção social e de relacionamento pessoal.
O processo terapêutico que o autor propõe e
pratica é fazer com que a pessoa reviva – em estado alterado de consciência
(EMC), um relaxamento profundo, que se dá por respiração diafragmática – o
trauma causador dos distúrbios apresentados. Ao sentir novamente (após o processo
estruturado em 16 sessões) e narrar, racionalizando, analisando e reelaborando,
o medo, a angústia, a raiva, a dor experimentados no evento traumático, o
indivíduo vai tomando distância emocional do fato, num processo de
desidentificação com o conteúdo impactante do trauma. A narrativa reflexiva do
evento faz com que o foco da experiência se desloque da parte inferior do
cérebro, sobretudo onde está a amígdala, envolvida nas reações emocionais mais
instintivas, sobre as quais pouco controle temos, para as regiões superiores
(região do córtex médio pré-frontal), ligadas às habilidades de classificação e
categorização de experiências.
As pesquisas com neuroimagens, feitas pelo
próprio autor do livro, revelam uma série de alterações da atividade cerebral
quando da lembrança do evento traumático, antes da terapia, quando o paciente o
vivencia sob o impacto de fortes emoções, e após a terapia, quando já curado,
ele consegue narrar o trauma de maneira mais elaborada.
Até aí, pode-se dizer que essa descoberta
confirma a teoria psicanalítica proposta por Freud, de que falar sobre algo que
nos causou dor pode curar essa dor – prática presente em todas as linhas
terapêuticas. Mas outras janelas teóricas e práticas são abertas pelo autor,
sobretudo, a demonstração de que traumas causadores de desordens psíquicas
podem ensinar o indivíduo, num processo psicoterápico auto-educativo,
resultando uma qualidade de vida por muitas vezes superior à que tinha antes
dos traumas.
Peres não usa a palavra educativo nenhuma
vez, mas quem lê a obra com olhos pedagógicos, verá claramente que a cura
proposta é uma auto-cura, que, antes de tudo, é uma auto-educação, mediada ou
facilitada (para usar um conceito de Rogers) pelo terapeuta. O autor mostra que
é preciso extrair de dentro do paciente referências, vivências e emoções
positivas que façam um contraponto e lancem uma luz sobre as sombras do trauma.
Por exemplo, ao fazer com que o paciente se
lembre e fortifique dentro de si momentos ou atitudes de resiliência,
superação, força moral, coragem e outras experiências positivas, restituísse-lhe
a autoconfiança e procura-se fazer com que ele cresça a partir de sua própria
luz interior. Ao fazer isso, e esse é o lado mais pedagogicamente interessante,
o paciente tira lições do evento traumático – ou seja – supera-o através de uma
aprendizagem existencial, integrando-o de maneira saudável em sua história de
vida, transformando dores em motivos de empatia e compaixão com outros que
sofrem situações similares. Seus pacientes com frequência se engajam em ações
que possam mudar a sociedade, em projetos de vida que contribuam
significativamente para a evolução do próximo, em melhorias de suas próprias
relações pessoais e afetivas.
A espiritualidade se apresenta na obra também
nesse sentido, porque aparecem dados de outros pesquisadores, referendados pela
experiência do autor, de que as pessoas que têm algum tipo de fé, de vivência
religiosa, alcançam mais rápida e facilmente essa cura autoeducativa.
Poderíamos acrescentar aqui – que é o que se deduz do fato – que o ser humano
que se põe em contato com sua divindade interior, se constrói mais solidamente,
atingindo estados de paz e felicidade.
Podemos citar Sócrates, que foi talvez o
primeiro educador-filósofo-terapeuta neste sentido: ao realizar a sua proposta
maiêutica pelo diálogo, buscava extrair de dentro dos interlocutores a luz que
já estava lá, mas de que não tinham consciência. E fazia isso pela palavra, num
diálogo pedagógico.
Por tudo isso, a obra de Júlio Peres, sem
fazer nenhuma referência específica ao espiritismo, é um livro profundamente
espírita, de um espiritismo como queria Kardec. Não um espiritismo
proselitista, dogmático, igrejeiro, que Herculano Pires criticava, mas um espiritismo
científico, filosófico e pedagógico, que contribui consistentemente para a
evolução espiritual do ser humano.
Em suas pesquisas com neuroimagem, o autor
mostra que a reorganização da mente interfere na reorganização neurológica. Sem
prever como tecnologias avançadas iriam nos ajudar nesta empreitada no futuro,
Kardec já apontava em vários artigos da Revista Espírita, para a urgência de
estudarmos e entendermos como se dá a relação espírito-cérebro, para melhor
conhecimento de como um influencia o outro e como se apresentam interligados
nos diversos tipos de desarranjos mentais. Júlio Peres está se pondo justamente
nesta direção.
Do ponto de vista mais específico do que
temos proposto na Pedagogia Espírita, o livro Trauma e Superação vem confirmar
experimentalmente, sob outro ângulo, pelo menos dois postulados básicos da
Educação sob a ótica espírita: 1) o de que é preciso extrair o que é bom,
divino, no ser humano, para que ele se eduque a si mesmo de maneira autônoma,
engajando-se num processo de evolução espiritual – não reprimindo ou combatendo
as sombras, mas acendendo luzes que as desmanchem suavemente. 2) de que o papel
do educador (aqui o terapeuta assume uma função pedagógica) precisa ser o de um
facilitador empático, amoroso, que acolhe o indivíduo e lhe oriente sem
violência nesse processo. A reencarnação se encaixa aí não como dogma de fé,
mas como princípio natural desse transcendente projeto de construção de um ser
humano melhor – que só pode realizar toda a sua possível perfectibilidade no
decorrer dos milênios.
Muito pertinente na obra, a parte que Júlio
dedica aos cuidados que o terapeuta deve ter consigo mesmo. O capítulo nomeado
A terapia é o terapeuta lembra o que na Pedagogia Espírita costumamos apontar
como a necessidade de auto-educação do educador. Para Peres, o terapeuta tem
que se fazer em harmonia, segurança interior e estar plenamente disposto ao
acolhimento e à empatia, sem identificação demasiada com o paciente. Mais do
que isso, sua vida pessoal sólida e seu comprometimento com valores éticos
fundamentais é que lhe darão a possibilidade de atuar com equilíbrio,
serenidade e eficácia, para aliviar a dor psíquica e deflagrar um processo de
cura no paciente.
Assim, a obra de Júlio Peres, bem escrita,
ilustrada com belas fotos tiradas pelo próprio autor, pode ser útil,
interessante, instrutiva para profissionais da área terapêutica, que poderão
aprofundar, ampliar e até ressignificar teorias e práticas, assim como para
leitores em geral que conhecerão mais sobre a mente humana e sobre si mesmos.
De particular interesse para todos são os relatos de pacientes curados,
testemunhando o processo de superação de traumas muito graves.
Os espíritas, por sua vez, reafirmarão com
grande coerência científica e elevada espiritualidade, conceitos básicos do
espiritismo, de que a dor pode ser pedagógica, de que temos potenciais
infinitos de evolução e de que é possível realizá-los e atingir o bem e a paz!
¹ http://pedagogiaespirita.org.br/tiki-view_articles.php?type=artigo&offset=10
(*) paulistana, nascida em 1962. Jornalista,
educadora e escritora. Suas áreas de atuação são Educação, Filosofia,
Espiritualidade, Artes, Espiritismo. Tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em
Filosofia da Educação pela USP.
Excelente a análise que a Profª Dra. Dora Incontri faz da obra do Dr. Júlio Peres - Trauma e Superação. Conheço a Obra e também o Autor, e depois do que foi dito pela Autora desse artigo sobre a obra, será uma mera redundância. Sobre o Autor, posso dizer que ele também tem realizado pesquisas importantes com neuro-imagens, é dele e de outros pesquisadores uma pesquisa publicada há pouco tempo atrás, por uma revista de grande circulação nacional, em que um grupo de médiuns foi avaliado por um aparelho conhecido pelo nome sintético, SPECT, com o objetivo de estudar o que acontece com o cérebro dos médiuns no momento da psicografia. Entendo que esse é um trabalho de grande alcance no sentido de provar definitivamente que o Espiritismo é uma Doutrina que não rivaliza com nenhuma Religião, muito pelo contrário, é a base de todas as Religiões, ao provar que somos todos, acreditemos ou não, Espíritos encarnados, que já tivemos muitas existências e que ainda vamos ter muitas outras até nos liberarmos das manchas adquiridas ao longo das vidas já vividas, as quais denominamos: Reencarnações! Recomendo o artigo e o livro!
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