O Brasil é definitivamente o paraíso dos
sacos plásticos. Todos os supermercados, farmácias e boa parte do comércio
varejista embalam em saquinhos tudo o que passa pela caixa registradora. Não
importa o tamanho do produto que se tenha à mão, aguarde a sua vez porque ele
será embalado num saquinho plástico. O pior é que isso já foi incorporado na
nossa rotina como algo normal, como se o destino de cada produto comprado fosse
mesmo um saco plástico. Nossa dependência é tamanha, que quando ele não está
disponível, costumamos reagir com reclamações indignadas.
Quem recusa a embalagem de plástico é
considerado, no mínimo, exótico. Outro dia fui comprar lâminas de barbear numa
farmácia e me deparei com uma situação curiosa. A caixinha com as lâminas cabia
perfeitamente na minha pochete. Meu plano era levar para casa assim mesmo. Mas
num gesto automático, a funcionária registrou a compra e enfiou rapidamente a
mísera caixinha num saco onde caberiam seguramente outras dez. Pelas razões que
explicarei abaixo, recusei gentilmente a embalagem.
A plasticomania vem tomando conta do planeta
desde que o inglês Alexander Parkes inventou o primeiro plástico em 1862. O
novo material sintético reduziu os custos dos comerciantes e incrementou a
sanha consumista da civilização moderna. Mas os estragos causados pelo derrame
indiscriminado de plásticos na natureza tornou o consumidor um colaborador
passivo de um desastre ambiental de grandes proporções. Feitos de resina
sintética originadas do petróleo, esses sacos não são biodegradáveis e levam
séculos para se decompor na natureza. Usando a linguagem dos cientistas, esses
saquinhos são feitos de cadeias moleculares inquebráveis, e é impossível
definir com precisão quanto tempo levam para desaparecer no meio natural.
No caso específico das sacolas de
supermercado, por exemplo, a matéria-prima é o plástico filme, produzido a
partir de uma resina chamada polietileno de baixa densidade (PEBD). No Brasil
são produzidas 210 mil toneladas anuais de plástico filme, que já representa
9,7% de todo o lixo do país. Abandonados em vazadouros, esses sacos plásticos
impedem a passagem da água – retardando a decomposição dos materiais
biodegradáveis – e dificultam a compactação dos detritos.
Essa realidade que tanto preocupa os
ambientalistas no Brasil, já justificou mudanças importantes na legislação – e
na cultura – de vários países europeus. Na Alemanha, por exemplo, a
plasticomania deu lugar à sacolamania. Quem não anda com sua própria sacola a
tiracolo para levar as compras é obrigado a pagar uma taxa extra pelo uso de
sacos plásticos. O preço é salgado: o equivalente a sessenta centavos a
unidade.
A guerra contra os sacos plásticos ganhou
força em 1991, quando foi aprovada uma lei que obriga os produtores e
distribuidores de embalagens a aceitar de volta e a reciclar seus produtos após
o uso. E o que fizeram os empresários? Repassaram imediatamente os custos para
o consumidor. Além de anti-ecológico, ficou bem mais caro usar sacos plásticos
na Alemanha.
Na Irlanda, desde 1997 paga-se um imposto de
nove centavos de libra irlandesa por cada saco plástico. A criação da taxa fez
multiplicar o número de irlandeses indo às compras com suas próprias sacolas de
pano, de palha, e mochilas. Em toda a Grã-Bretanha, a rede de supermercados
CO-OP mobilizou a atenção dos consumidores com uma campanha original e
ecológica: todas as lojas da rede terão seus produtos embalados em sacos
plásticos 100% biodegradáveis. Até dezembro deste ano, pelo menos 2/3 de todos
os saquinhos usados na rede serão feitos de um material que, segundo testes em
laboratório, se decompõe dezoito meses depois de descartados. Com um detalhe
interessante: se por acaso não houver contato com a água, o plástico se
dissolve assim mesmo, porque serve de alimento para microorganismos encontrados
na natureza.
Não há desculpas para nós brasileiros não
estarmos igualmente preocupados com a multiplicação indiscriminada de sacos
plásticos na natureza. O país que sediou a Rio-92 (Conferência Mundial da ONU
sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente) e que tem uma das legislações ambientais
mais avançadas do planeta, ainda não acordou para o problema do descarte de
embalagens em geral, e dos sacos plásticos em particular.
A única iniciativa de regulamentar o que hoje
acontece de forma aleatória e caótica, foi rechaçada pelo Congresso na
legislatura passada. O então deputado Emerson Kapaz foi o relator da comissão
criada para elaborar a “Política Nacional de Resíduos Sólidos”. Entre outros
objetivos, o projeto apresentava propostas para a destinação inteligente dos
resíduos, a redução do volume de lixo no Brasil, e definia regras claras para
que produtores e comerciantes assumissem novas responsabilidades em relação aos
resíduos que descartam na natureza, assumindo o ônus pela coleta e
processamento de materiais que degradam o meio ambiente e a qualidade de vida.
O projeto elaborado pela comissão não chegou
a ser votado. Não se sabe quando será. Sabe-se apenas que não está na pauta do
Congresso. Omissão grave dos nossos parlamentares que não pode ser atribuída ao
mero esquecimento. Há um lobby poderoso no Congresso trabalhando no sentido de
esvaziar esse conjunto de propostas que atinge determinados setores da
indústria e do comércio.
É preciso declarar guerra contra a
plasticomania e se rebelar contra a ausência de uma legislação específica para
a gestão dos resíduos sólidos. Há muitos interesses em jogo. Qual é o seu?
¹ publicado originalmente em 05.08.2003, no site: http://www.mundosustentavel.com.br/2003/08/a-farra-dos-sacos-plasticos/
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