Por Júlio Peres(*)
Jovem em estado de meditação. Crédito: internet |
Por
que os jovens dependentes buscam apoio nas religiões?
As religiões em geral ensinam o perdão, o
amparo de Deus e a absolvição por meio do caminho do bem fornecendo maneiras de
pensar o mundo que atendem algumas necessidades dos jovens que buscam a
libertação da dependência química. A raiz da palavra religião (religare)
exprime o sentido de volta à essência, retorno à origem criadora da vida. As
tradições religiosas de maneira geral estabelecem os caminhos para o homem
religar-se à origem verdadeira de sua natureza, podendo dessa forma viver em
harmonia e equilíbrio. Os jovens dependentes quase sempre perdem, por algum
tempo, a estabilidade constituída para conduzir o dia a dia. Isso pode
favorecer o enfraquecimento da motivação para viver, o isolamento e a
depressão. Solidão, vazio, desesperança e desamparo são palavras utilizadas,
com frequência, por jovens dependentes para exprimirem seus estados emocionais.
Nessas e em outras condições, muitas pessoas buscam um novo significado e
propósito para suas vidas. A religiosidade e a espiritualidade estão fortemente
enraizadas numa busca pessoal para compreender a vida, seu significado e suas
relações com o sagrado ou o transcendente. Assim, as crenças e práticas
espirituais e/ou religiosas podem atender essa necessidade dos jovens de buscar
um sentido mais amplo e uma melhor qualidade para a vida.
Quais
são os principais elementos religiosos que fazem com que esses jovens deixem o
vício? Por quê?
Além da experiência clínica, centenas de
estudos mostram a relação entre envolvimento religioso e saúde. A maioria deles
revela que quanto maior o envolvimento religioso, maior o bem-estar e a saúde,
ressaltando três principais aspectos:
A espiritualidade e a religião são geralmente
benéficas para lidar com a superação dos desafios pessoais.
A dependência química pode sensibilizar os
jovens a busca de um aprofundamento da religiosidade e da espiritualidade com o
objetivo de superação.
O uso produtivo da religião, a abertura
espiritual/religiosa, a prontidão para enfrentar questões existenciais e a
participação religiosa estão associados ao crescimento pessoal.
Observo na minha clínica que o uso da
religiosidade e da espiritualidade na superação da dependência tem algo
especial a oferecer: pode capacitar os indivíduos a responderem a situações em
que tenham de se deparar com os limites do poder e do controle humanos no
confronto com a vulnerabilidade. Além disso, crenças e práticas religiosas
podem reduzir a sensação de perda do controle e de desamparo; podem fornecer
uma estrutura cognitiva capaz de diminuir o sofrimento e, ainda, fortalecer o
indivíduo para reconstrução de sua vida.
Como
a fé ajuda nas fases de abstinência?
A falta de confiança e esperança pode
favorecer o esmorecimento diante do desafio pessoal de atravessar a fase de
abstinência e chegar ao objetivo de superação da dependência. O caminho da
superação envolve várias fases e a fé, por outro lado, favorece importantes
ganhos nessa jornada diária, como a potencialização da motivação e da
confiança, para o enfrentamento das dificuldades em momentos críticos de impasse
entre dar “um passo atrás” (recaída) ou “um passo a frente” (superação). O ato
de crer teria sido tão vantajoso para os nossos ancestrais há milhares de anos
que um maior número de pessoas sobreviveram a partir da fé, deixando mais
descendentes que espalharam esse traço adiante. Esse grupo possivelmente teve
mais esperança, coragem e enfrentou com mais motivação as adversidades. A
abstinência é um convite para recaída caso o jovem não tenha um firme propósito
de superá-la e a fé pode ser um elemento fundamental nessa travessia. Lembro-me
de um paciente que há 8 anos, durante as crises de abstinência, repetia com
fervor “isso vai passar e dias melhores virão!”. Hoje, de fato ele vive dias
muito melhores.
Como
a religiosidade influencia no psicológico dos que querem deixar as drogas? Que
elementos ela trabalha?
Religião pode ser entendida como um sistema
organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos projetados para auxiliar a
proximidade do indivíduo com o sagrado e/ou transcendente, enquanto Espiritualidade
envolve a busca pessoal de respostas sobre o significado da vida e sobre o
relacionamento com o sagrado e/ou transcendente. A confiança subjetiva
manifestada pela crença em um Deus responsivo pode influenciar positivamente
jovens que atravessaram o processo de libertação das drogas. As religiões e a
espiritualidade constituem uma parte importante da cultura, dos princípios e
dos valores utilizados pelas pessoas (apenas 7% da nossa população não têm
religião) para dar forma a julgamentos e ao processamento de informações. O
conceito de enfrentamento e superação pelo uso da religiosidade envolve vários
elementos como o apoio espiritual (busca de conforto por meio de amor e cuidado
divinos), a entrega religiosa ativa (fazer o que é possível quanto às
responsabilidades pessoais e confiar em Deus) e a busca de uma conexão
espiritual e de uma direção religiosa. Vale lembrar o que o filósofo Sêneca nos
ensina “É parte da cura o desejo de ser curado”, contudo, “Quando se navega sem
destino, nenhum vento é favorável”. Durante a psicoterapia o objetivo, ou seja,
o Estado Desejado deve ser esclarecido e determinado, despertando a energia da
vontade necessária ao investimento pessoal nesse processo de mudança. A vontade
é um atributo essencial ao ser humano e pode ser exercitada para o cumprimento
dos objetivos psicoterápicos.
As
chances de quem busca a fé ter uma recaída diminuem?
Sim, certamente. A fé pode ser cultivada ao
longo do tempo por meio da religiosidade presente em grupos de apoio social
(igrejas, templos, grupos de oração etc.), que em geral desencorajam
comportamentos autodestrutivos como o uso de drogas e álcool e incentiva o
perdão e a continuidade da vida alinhada à saúde. Nos grupos, exemplos de
superação de indivíduos que aprenderam e se desenvolveram a partir de suas
superações, que cresceram espiritualmente e adquiriram tranquilidade ao lidar
com as dificuldades podem ser referências para novos processamentos e enquadres
cognitivos de outros jovens que buscam a estabilidade do bem-estar. A fé
cultivada na atividade religiosa pode ser comunitária (com idas frequentes ou
disciplinadas a igreja, templos etc.), individual ou mesmo informal (orações em
casa, leitura, escutar ou assistir a programas de TV) e essas práticas protegem
o jovem da recaída.
Há
mais alguma informação que queira/possa nos passar sobre o tema?
Gostaria de acrescentar que pesquisas
científicas sugerem que a autoconfiança necessária à superação da dependência
envolve três dimensões:
A motivação de encontrar sentido na vida
diária.
A crença de que se pode influenciar o entorno
e os resultados dos eventos.
A opinião de que se pode aprender e crescer a
partir das experiências positivas e negativas.
Esses aspectos predispõem à confiança, ao
suporte social e à superação das adversidades. Há 15 anos a Psicologia e a
Psiquiatria têm estudado os diferenciais de comportamentos dos numerosos
indivíduos que superam grandes dificuldades. O fortalecimento das virtudes e do
caráter (coragem, justiça, temperança, sabedoria, paciência, gratidão,
solidariedade, persistência, amor e esperança) esteve relacionado ao
crescimento dessas pessoas após o enfrentamento e a superação de importantes
dificuldades. Finalmente, observo como psicólogo clínico que um objetivo bem
demarcado e a disciplina no dia a dia fortalecida na motivação de construir uma
vida verdadeiramente melhor são ingredientes decisivos a prosperidade (do Latim
pro+sperare: esperança a diante) dos
jovens.
¹ fonte: http://www.clinicajulioperes.com.br/psicologia/os-jovens-e-o-vicio/
(*) psicólogo clínico e Doutor em
Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo. Fez Pós-doutorado no
Center for Spirituality and the Mind, University of Pennsylvania.
Autor do primeiro estudo Latino Americano que
investigou cientificamente os efeitos neurobiológicos da psicoterapia através
da neuroimagem funcional. Possui artigos científicos publicados sobre
psicoterapia, resiliência, espiritualidade e superação. Suas pesquisas
receberam prêmios e destaque nacional e internacional.
Autor do livro "Trauma e Superação: o
que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam" editora
ROCA. Atualmente concilia sua atividade clínica com o desenvolvimento de
pesquisas científicas sobre resiliência, espiritualidade/reencarnação e
respectivo impacto na Saúde.
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