sexta-feira, 27 de novembro de 2015

UMA NOVA ÉTICA



Quanto mais buscamos o progresso material, ignorando a satisfação que provém de um crescimento interior, mais rapidamente os valores éticos desaparecem de nossas comunidades. Então, no longo prazo, nós todos seremos infelizes, pois, quando não há lugar para a justiça e a honestidade no coração do homem, os fracos são os primeiros a sofrer. E os ressentimentos gerados por semelhante injustiça acabam gerando um efeito adverso a todos.” Dalai Lama, Citação do livro Como Lidar com Emoções Destrutivas, de Dalai Lama e Daniel Goleman (Ed. Campus)


Por Alkíndar de Oliveira (*)




A crise econômica mundial iniciada em 2008, fruto da exacerbada ganância do mundo econômico-financeiro, que só por ser “ganância” já seria um mal, e sendo também “exacerbada” passa a ser duplo mal, está levando-nos a fazer ponderações sobre o que de fato é a Economia Real e a Economia Financeira. De maneira sintetizada, a Economia Real representa a compra e venda com o intuito de satisfazer a necessidade humana, colocando de lado o ganho financeiro exploratório. Já a Economia Financeira corresponde às operações ou aos investimentos em papéis para aumentar os ganhos. As duas economias, por si, não são ruins. No entanto, quando a ganância toma conta, a Economia Financeira desregula a Real. O que fazer para evitar esse mal? Exterminar a movimentação da Economia Financeira? Não. Mesmo porque isso é impossível. Creio que a palavra mais adequada seja “moralizar”. A razão de viver do homem deve ter por base essa palavra. Profissionais que encontram uma justa razão de viver, sustentada na boa moral e na boa ética, tendem a ser pessoas conscientes sobre a importância de manter o sensato equilíbrio entre a Economia Financeira e a Economia Real, fazendo com que uma sustente a outra.


Mas a questão da moral e da ética pode nos levar a uma encruzilhada, pois a moral dos homens não é fixa, ela muda com o tempo e lugar, e para tornar o fato ainda mais complexo, quando tratamos de ética também podemos convergir para dois princípios distintos. Há a ética da responsabilidade, quando, por exemplo, para manter viva sua empresa, o empresário demite funcionários em momentos de crise. E existe também a ética do princípio, em que, na mesma circunstância, o empresário se desdobra procurando alternativas para não demitir. Pois, sob influência da ética do princípio, o empresário considera que seus funcionários são seres humanos que contribuíram com a organização, têm suas respectivas famílias para sustentá-las e a demissão seria uma grande injustiça.

A questão é: “Como poderemos agir de forma correta, se há um tipo de ética que justifica atitudes humanas e outro que justifica atitudes desumanas?”. Encontrar resposta a essa pergunta é o objetivo deste texto.

Uma crise anunciada

No livro O Mundo na Corda Bamba (Ed. Geração Editorial), publicado em 1998, William Greider já previa um futuro incerto para a economia, como o que levou a Crise de 2008:

“Apesar da flexibilidade e força, as multinacionais são, isoladamente, inseguras. Até mesmo os mais robustos gigantes industriais são muito vulneráveis e fracassam em se adaptar aos imperativos da redução de custos e da melhoria nas taxas de retorno. Por trás das fachadas das multinacionais existe uma genuína angústia. O capital financeiro tem seus princípios transparentes e puros: aumentar ao máximo o retorno do capital sem se importar com a identidade nacional ou com as consequências políticas e sociais”. Essa análise feita por Greider em um trecho retirado do livro citado, deixa evidente que há tempos a Economia Financeira vinha se sobrepondo à Economia Real. Alertando para o fato de que o capital financeiro não via limites éticos para sua expansão e, por sua vez, as empresas não tinham estrutura para suportar momentos de crise, como aparentavam ter.

Uma análise racional e corajosa da realidade descrita por Greider, seguida de ações efetivas, poderia ao longo do tempo evitar o que hoje vemos. Mas, certamente, para as grandes corporações, essa visão é utópica, pois, como alterar uma situação que aos olhos do mercado era sinônimo de sucesso? E então, deu no que deu, a continuidade de um sistema caótico, não centrado no homem, resultou na “Crise-2008”, na qual alguns especialistas afirmam que seus estragos já são maiores do que a Crise de 1929.

A nova ética

Ermance Dufaux, no livro Mereça Ser Feliz, de Wanderley Soares de Oliveira (Ed. Dufaux), ensina-nos: “Ter respostas simples para coisas complicadas é a grande virtude do homem inteligente na Terra, porque somente vibrando no espírito da simplicidade é que somos capazes de tornar o saber uma alavanca propulsora, nos rumos da felicidade e da libertação entre os homens.” Portanto, procuremos respostas simples para este grande desafio. Uma importante observação: não necessariamente as respostas simples são as mais fáceis de serem aplicadas, mas quase sempre são as melhores. Por exemplo, há lei mais simples do que se estabelecer o respeito incondicional ao próximo para que as guerras tenham fim? A lei é simples, mas sua aplicação é muito complexa.

Eventualmente, se ainda não sabemos como utilizar nossa inteligência nata para formular respostas simples a desafios complexos, tenhamos a sensatez de pesquisar e selecionar respostas inteligentes e simples que teoricamente já existem. E comecemos a colocá-las em prática. Sem estabelecer que a sugestão a seguir seja a definitiva, pois muitas serão as respostas corretas, atentemos à questão da “ética empresarial”, um ponto nevrálgico no mundo atual.

A questão da ética é um dos pilares mais frágeis da atualidade. E neste campo, mesmo que tenhamos boas intenções, cometemos equívocos com base na errônea afirmativa clássica sobre ética que diz: “Minha liberdade termina onde começa a do outro”. Esse conceito tão difundido em todo o mundo é excludente e injusto, formando castas, grupos individualistas que não tem vontade de socializar e compartilhar.

Uma simples mudança de paradigma tenderá a criar um ambiente favorável para o surgimento de um novo e melhor mundo. O professor de Filosofia da Associação Palas Athena, em São Paulo, SP, José Romão Trigo de Aguiar, tem procurado difundir um novo conceito a esse respeito: “Minha liberdade começa onde começa a do outro, e termina onde termina a do outro”. E acrescenta: “Só seremos livres juntos. Se tem uma mulher de outro país sendo ameaçada, isso interessa a você também. Porque a liberdade dela interfere na de todas as mulheres.” Traduzindo para o campo empresarial, se os proventos do meu trabalho permitem que eu coloque o meu filho numa boa escola, passo a ser responsável pelo fato do meu funcionário não conseguir colocar o seu filho também numa boa escola. A empresa não precisa propiciar essa condição. Mas enquanto cidadão-empresário, cidadão-executivo, eu passo a ser responsável por omitir-me em influenciar o governo para que invista adequadamente num ensino público de qualidade, que seja justo e adequado para todos, passo também a ser responsável por omitir-me aceitando pacificamente que a arrecadação dos impostos seja desproporcionalmente distribuída.

Há muito por construir. Mas a maior das construções começa de um simples e fundamental alicerce: a adoção de uma nova ética, sustentada não na igualdade, que é uma quimera, pois diferenças de classes e cargos são naturais, mas que esta ética seja sustentada na equidade, que é o respeito a cada um, independentemente de sua classe social e do cargo que ocupe. Em síntese, pensemos no bem comum. Apliquemos a única ética que baliza com eficácia nossas atitudes, apliquemos a ética do amor, que tem como seu mais eficaz instrumento, o diálogo.

Sejamos realistas, o mercado empresarial, comercial e industrial ainda é ausente de alma. Qualquer que seja o empresário, mesmo o justo, tem e precisa ter como bússola a real e terrível oscilação desse cruel mercado. Sendo assim, é forçoso admitir que até a aplicação da ética do amor pode não resolver em plenitude grandes problemas e desafios. Mas, com certeza, sua aplicação minimiza enormemente as nefastas consequências que possam advir de duras decisões que buscam a sobrevivência da empresa. E aplicando a ética do amor hoje, mesmo que de forma imperfeita, estaremos construindo o alicerce para que, no futuro, ela possa ser vivenciada com amplitude.

Ampliemos o nosso mundo particular tendo a coragem de nele incluir os outros, quaisquer que sejam. Agindo assim, estaremos sensatamente dando os primeiros passos para aprendermos a vivenciar a ética dos novos tempos, a ética do amor.


(*) palestrante, escritor e consultor de empresas radicado em São Paulo-SP, profere palestras e ministra treinamentos comportamentais em todo o Brasil.

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