Há uma doença que acomete gravemente algumas
pessoas, sem que elas tenham a mínima consciência de estarem padecendo dela: o
umbiguismo. É aquela personalidade que só fala de si, de seus problemas, de
suas demandas, que está sempre orientada para seu próprio ego. Se entremeia a
conversa com alguma pergunta sobre a saúde ou o bem-estar do outro, é por um
resquício de cortesia superficial, que se esvai logo que o outro responde
brevemente. A frase seguinte do umbiguista é de novo sobre si mesmo.
É claro que todo ser humano guarda em maior
ou menor grau uma dose de egoísmo que, como diria tão acuradamente Kardec, ao
lado do orgulho, são as maiores chagas da humanidade. Mas refiro-me aqui
àqueles extremos, que se fixaram no período do narcisismo infantil. É normal a
criança pequena, por uma questão de sobrevivência e do processo de
desenvolvimento, ter um momento de total fixação em si mesma. Não é normal o
adulto, que já deveria ter atingido a maturidade psíquica, agir dessa maneira
autocentrada, sem conseguir sentir sinceramente empatia para com as demandas do
outro.
Não é normal o adulto não se preocupar
autenticamente com os de sua volta, movendo-se para atender às necessidades que
estão ao seu alcance atender ou até que são de seu dever atender.
Ora, o problema que quero analisar aqui é o
encontro de um umbiguista com uma pessoa generosa, dessas que ao contrário da
descrita acima, gosta de ajudar, se preocupa genuinamente com o bem-estar
alheio e se entrega afetivamente aos familiares, amigos, a colegas de trabalho,
e em alguns casos de maior nobreza, a qualquer ser humano que se lhe aproxime.
O que muitas vezes se dá então é que o
umbiguista pode se tornar um vampirizador, um explorador, um abusador da
generosidade do outro. Já aqui uma vez neste blog, comentei a história da
árvore generosa, cujo menino foi retirando todas as partes da árvore, que
sempre lhe cedia tudo o que ele pedia. Então, defendi a atitude da árvore,
apesar do umbiguismo do menino, porque a generosidade não pode trair a si
mesma, por causa do egoísmo do outro.
E eis aí o grande conflito que quero
comentar. Como não se tornar menos generoso, mais egoísta, mais defensivo, mais
calculista, diante de tanto egoísmo empedrado que se vê hoje em dia? Sobretudo
num momento histórico, em que se estimula o centrar-se sobre si mesmo, o pensar
primeiro em si e sob o discurso do autoamor (sem dúvida necessário, pois até
Jesus disse: ama ao próximo, como a ti mesmo), escondem-se muitas vezes uma
apologia do umbiguismo disfarçado e um desprezo e um horror por palavras
antigas e nobres como sacrifício, renúncia, entrega…
Como não perder a generosidade, como não
trair a empatia, diante de pessoas que só pedem, só querem, só demandam, só
falam de si e pensam que o mundo gira em torno delas? Que são incapazes de se
preocupar de fato com o outro e, muito menos, de serem pró-ativas em cuidar de
quem quer que seja? Rápidas no exigir, cobrar, esmolar, pedir e lentíssimas,
desinteressadas, e mesmo ausentes, quando se trata de prestar um favor, ajudar
ou mesmo praticar atos de civilidade social, como um telefonema, um
cumprimento, uma visita, um convite, um como vai?
Chega um momento em que por mais que o
generoso persista em sua generosidade, terá de se cobrir de uma camada de
autoproteção, para que sua energia e seus recursos (sejam afetivos, humanos ou
mesmo financeiros) não sejam totalmente drenados pelo umbiguista. Mas, diante
de uma ou outra recusa sua em atender às demandas de quem sempre está pedindo
algo, ou quando por qualquer circunstância, o umbiguista não está num momento
de necessidade, a pessoa generosa verá amargamente o desaparecimento do outro.
Ausência prolongada, desinteresse, ou um pouco de cortesia forçada apenas.
Então, essa pessoa, que se doa por hábito, certamente sentirá o quanto o
umbiguista usa e abusa e não consegue ter um afeto mais profundo por ninguém.
Esse é o cenário aparente da situação. Mas se
quem doa persiste, com um certo cuidado para não se deixar esfolar pelo
umbiguista; se quem é generoso não se mover de sua generosidade e se quem ama
não deixar de amar incondicionalmente, apesar de receber um amor muito pobre
daquele pobre egoísta, então, um dia, a ficha deste último cai. Um dia ele se
toca. Um dia percebe o quanto foi infantil e centrado apenas em si. Mas talvez,
não haverá tempo mais de ser generoso com aquele que foi generoso com ele. Será
com outros. Assim é a dinâmica da vida. Porque o que de principal a pessoa
generosa deu para o umbiguista terá sido justamente o aprendizado no exemplo do
que é ser bom, altruísta, solidário e… generoso.
E o generoso, o que terá aprendido? A
perseverar na bondade, a desapegar-se totalmente dos resultados e a manter-se
sereno diante dos umbiguistas da vida…
¹ Fonte: http://doraincontri.com/
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