“Moralmente, não é essencial que um procedimento
semelhante culmine no acordo sobre uma norma. A urgência da vida pública obriga
a apelar para o mal menor da votação e das maiorias, mas o mesmo não se dá com
a moral, que, apesar dos fundadores da ética discursiva (¹), é
questão mais de atitudes que de
normas.”
(Adela Cortina, “Ética sem moral”)
Professor
de direito brasileiro, ao se manifestar sobre a atitude de um determinado
parlamentar, afirmou: “Na perspectiva moral,
ética, tudo isso que está acontecendo é realmente asqueroso, lastimável, um
jogo recíproco de chantagem. (...) O problema é saber se o meio que ele se
utilizou é lícito ou não, está fundamentado ou não.” Ao final ele afirma
que a postura não foi ética, mas sustenta que isso não tem importância a partir
do momento em que a decisão está fundamentada.(saiba mais)
Fico
com a canção: restam os meus botões, já
não sei mais o que é certo” (2)
Todavia,
o certo é que o Estado e a sociedade não serão capazes de subsistirem sem que
seus cidadão tenham uma fé consistente apoiada em uma ordem moral.
Mas, o que é ética? O
que é moral?
A sinonímia entre as
palavras ética e moral é perfeitamente aceitável, já que se herdou os vocábulos
do latim (moral) e o outro do grego (ética), ambas culturas antigas, que
definiam assim o campo de reflexão sobre os “costumes” da sociedade, no que
tange à sua legitimidade, desejabilidade, validade e exigibilidade.
Ives
de La Taille, professor no Instituto de Psicologia da USP, em sua obra Moral e Ética oferece definições simples
e objetivas: “A indagação moral corresponde à pergunta: “como devo agir”. E a
reflexão ética cabe responder à outra: “que vida eu quero viver”? Portanto, o
sentido de moral fica reservado ao
conceito para o fenômeno social, enquanto ética
para à reflexão filosófica ou científica sobre ele (o fenômeno social).
Já
legal, segundo o dicionário Larousse,
significa “conforme a lei; que tem valor
de lei; que é definido por lei; legítimo, lícito.”
O vocábulo “ética”
está na primeira ordem do dia. Isso devido ao fracasso do seu irmão etimológico
“moral”, que lembra em um primeiro momento os termos “moralista”, “moralismo”,
nascidos da normatização dogmática, cuja legitimação tinha aferência com a vida
alheia. Importante ressaltar que a palavra “moralista” não tem, em sua origem,
o termo pejorativo que adquiriu, mas sim aquele que é preocupado com as
questões morais.
A
declaração do emérito professor, reflete o contraditório da atitude em análise,
pelo menos naquele momento. O caos moral, dentro do cosmo moral. Vê-se que há
uma dissociação da atitude ética com o caráter do agente. Se a ética é a
dimensão filosófica que reflete sobre as questões morais, ela, portanto, está
acima do rito da lei, uma vez que a moral,
na questão nº 629 de O Livro dos
Espíritos, se funda na lei de Deus. O homem se conduz bem quando faz tudo
tendo em vista o bem e para o bem de todos, porque então observa a lei de Deus.
A moral, afirma os Espíritos Reveladores, é a regra da boa conduta e portanto
da distinção entre o bem e o mal.
A
ética, sendo o reflexo da lei de Deus, e ela estando na consciência – questão
nº 621, de O Livro dos Espíritos, busca
a justiça, enquanto a lei, formulada pelos homens e sujeita à mutações com a evolução
dos padrões éticos, busca à conformidade. Em um país em que a pena de morte é
legal, o executor poderá, amparado por valores éticos-morais, se negar a
executar a pena. Enxergar a ética acima da lei é a grande diferença entre os
grandes homens, em relação aos homens medíocres. O Papa Francisco, visitando os
EUA, teve um encontro secreto com tabeliã que se negou a conceder licença de
casamento a gays num cartório de Kentuck, chegando mesmo a ser detida. Falando
aos jornalistas, sem citar a tabeliã, o pontífice afirmou que “a objeção de consciência deve estar em toda
estrutura jurídica porque é um direito”.(saiba mais)
Na
realidade, o Brasil vive o que Aristóteles (384 – 322 a.C.), filósofo grego,
discípulo de Platão (429 – 347 a.C), definiu como a “degradação da democracia”,
ou seja, o exercício da demagogia em quase todas as instituições, principalmente
no meio político e religioso. Esse fenômeno tem contribuído de forma tenaz para
a decadência moral e ética dos costumes. Tanto Aristóteles como Platão,
buscavam harmonizar a política com a moral.
Vive-se um estado de exceção no contexto da
vivência moral. A espanhola Adela Cortina, catedrática de filosofia jurídica,
moral e política da Universidade de Valência, em sua magistral obra Ética sem moral, assim esclarece esse
fenômeno:
“À primeira vista, não parece que o
mundo político, centrado na luta pelo poder, tenha relação com um
instrumentalismo moral, (...)”.
Ela
continua:
“Para tanto, é preciso rever o
instrumento da instituição parlamentar, os mecanismos de participação dos
cidadãos, a regra das maiorias, a situação das minorais, mas também os
mecanismos de opinião pública, os meios de comunicação de massas e as
estruturas sociais.”
Vê-se,
portanto, que os valores morais ficam reféns de variáveis diversas,
influenciadas por interesses diversos. O exemplo do parlamentar brasileiro se
justifica no pensamento de Maquiavel (1469-1527), que afirma que a política e a
moral têm as suas exigências próprias.
Essa
questão não escapa à análise arguta de Allan Kardec, em Obras Póstumas – Credo
Espírita -, que afirma que as leis, embora boas e contribuam para melhorar
o estado social, são impotentes para tornar venturosa a Humanidade. As leis
guardam relação simétrica com a bondade dos homens, porquanto, eles forem
dominados pelo egoísmo e orgulho, farão leis em, benefício de suas ambições
pessoais. Ele afirma: “a lei civil apenas
modifica a superfície; somente a lei moral pode penetrar o foro íntimo da
consciência e reformá-lo.”
Ainda com Kardec:
“Quando os homens forem bons,
organizarão boas instituições que serão duráveis, porque todos terão interesse
em conservá-las.
A questão social não tem, pois, por
ponto de partida a forma de tal ou qual instituição; ela está toda no
melhoramento moral dos indivíduos e das massas.”
Referências:
CORTINA. Adela. Ética sem moral. São Paulo. Martins Fontes. 2010;
KARDEC. Allan. Obras póstumas. São Paulo. FEB. 1987;
_____________ O livro dos espíritos. São Paulo. LAKE. 2014;
LA TAILLE, Ives de. Moral e ética. Porto Alegre.
Artmed Editora. 2006.
(1) Segundo
Jürger Habermas filósofo e sociólogo alemão, a ética discursiva está centrada
em dois princípios da moralidade – Justiça e Solidariedade. A nova norma ética
só poderá ser aceita, quando as consequências são antecipadas, analisadas e aceitas
por todos, assegurando o bem-estar do grupo e a garantia da dignidade e
integridade de cada participante, como participante autônomo de uma sociedade.
(2) “Ilegal,
imoral ou engorda”, composição de Erasmo Carlos e Roberto Carlos.
NÃO EXISTE UMA MANEIRA ERRADA DE FAZER O CERTO. O CERTO, O CORRETO , ESTÁ DENTRO DA MORAL E ÉTICA.
ResponderExcluirMUITO APROPRIADO SEU ARTIGO PARA O BRASIL DE QUASE SEMPRE EM LEI E SOCIEDADE, EM CONTEXTO.
VANESSA
legal...muito bom.......
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