Por Roberto Caldas (*)
O sentimento de transcendentalidade é
inerente ao homem, desde as mais tenras eras. Todos os povos transitaram entre
as constituições humanas e a efervescência de crenças variadas e os cultos aos
deuses repicam no histórico milenar que retrata a evolução humana. Parece que,
paralelo aos deveres de cidadania, há uma sede espiritual de reverência a um
poder invisível que nos mantém irmanados pelas semelhanças de convicções.
Dispostas em seus devidos lugares, as leis humanas e aquelas espirituais
funcionam como alavancas para o ajuste dos valores necessários ao progresso da
civilização.
Infelizmente
a história nos dá provas de que a tentativa de unificação dessas leis, mormente
conduzida pelo ente político confundido com a figura de orientador espiritual,
tornando o Estado oficialmente religioso, constitui-se em alternativa geradora
de dores, perseguições e injustiças. A sabedoria provavelmente se expresse em
considerar que as pessoas têm direito de escolhas espirituais, mas o Estado
necessariamente precisa ser LAICO, visto que é sua incumbência a proteção ao
direito universal de culto.
Impossível
ignorar os conflitos do Oriente Médio, cuja Teocracia é o sistema de governo,
onde pessoas são torturadas e mortas em razão de suas opções religiosas. Não há
como esquecer os graves cometimentos da Idade Média, quando a Igreja atrelada
ao Estado impunha a sua doutrina sob a força da fogueira e das Cruzadas. No
Brasil mais recente, os espíritas e os praticantes dos cultos afro eram
perseguidos e presos pelo governo de Getúlio Vargas, enquanto se dava pompa
estatal à inauguração do cristo redentor, vinculado ao catolicismo. Tais
exemplos tornam inegável o risco que é uma mistura de governo e fé. Lógico que,
e é necessário que isso seja dito, os dirigentes de uma Nação têm direito de
praticar a forma de crença que bem entenderem desde que tal não obrigue à
população a seguir os seus passos.
É
importante que abramos os olhos, enquanto cidadãos, para o movimento das
bancadas legislativas de maioria religiosa que intentam impregnar as leis
federais com ensejos de natureza dogmática. Necessário que acompanhemos os
desdobramentos das decisões congressionais para que também nos manifestemos a
tal respeito. Temos nas palavras de Jesus uma importante advertência para que
evitemos confusões dessa natureza, quando nos ensinou (Mateus XXII; 21) “dai
pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
As
mudanças que precisamos alcançar no mundo nada têm a ver com o querer
transformá-lo numa imensa instituição religiosa. No entendimento de Allan
Kardec, em Obras Póstumas (citado em Um Mundo das Pessoas sem Corpo – de
Francisco Castro de Souza) “quando os homens forem bons, organizarão boas
instituições, que serão duráveis, porque todos terão interesse em
conservá-las”.
Não
precisamos de um Estado religioso, sim de um Estado Ético, cuja liberdade, os
direitos e os deveres dos cidadãos estejam na ordem do dia. Nada de errado que
essa ética possa advir dos grandes profetas da humanidade, entre eles Jesus,
sem que isso signifique vinculação religiosa. Religião livre, Estado laico,
essa a receita.
¹ editorial do programa radiofônico Antena
Espírita, de 24.01.2016.
(*) escritor espírita, editorialista do
programa Antena Espírita e voluntário do C.E. Grão de Mostarda.
Caro Roberto,
ResponderExcluirAo pedir-lhe um editorial sobre a temática, brinquei comparando-o a uma "espinha de peixe". Conseguiste, no entanto, fazer um "peixe à delícia". Belo e subversivo editorial.
Continue assim.
Parabéns!
Caro Roberto Caldas, relendo seu Editorial de Antena Espírita e publicado em Canteiro de Ideias, é uma peça que precisa ser bastante meditada, pelo alcance dos seus raciocínios sobre essa matéria! Precisamos respeitar a crença de cada um e não impor a crença de uns a todos. Estejamos alertas, portanto, para não cairmos em armadilhas! Parabéns pelo texto, espero que os leitores sigam nessa direção!
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