Por Dora Incontri(*)
1- Existe Arte Espírita?
Depende como se entende o conceito. A Arte não pode se
tornar serva de idéias alheias a ela própria. Não se trata de fazer uma
doutrinação através da Arte, porque senão deixa de ser Arte. O século XX já viu
no que resultou a censura ideológica, através dos sistemas políticos
totalitários, tanto de direita, quanto de esquerda. Historicamente, também
viu-se que a Arte condicionada aos dogmas das igrejas resultou, muitas vezes,
na anulação da criatividade individual.
2 - O que é Arte Espírita?
O espiritismo deve influenciar a Arte, transformando
moralmente os artistas e abrindo-lhe os horizontes de sua cosmovisão.
Naturalmente, se elevados espiritualmente e com uma compreensão mais larga da
vida, transfundirão isto para sua arte. Mas antes é preciso ser artista. O
artista espírita é que deve fazer a Arte espírita e não o espírita que queira
fazer da Arte um instrumento de propaganda ideológica. Nesse sentido, ele
presta um desserviço tanto à Arte, quanto ao Espiritismo.
A Arte espírita é aquela que eleva o padrão vibratório
do homem, arrancando sua visão das mesquinharias do cotidiano, para lançá-lo
ao infinito, para dar-lhe a certeza da eternidade, para infundir-lhe o ânimo
interior de lutar e progredir sem cessar. Pode haver Arte espírita, sem que
tenha o nome de espírita. Por exemplo, as obras produzidas pelos grandes
artistas da humanidade, como um Beethoven, um Mozart, um Bach, ao pacificarem a
alma humana, ao provomer-lhe a transcendência são muito mais espíritas do que
esses hinozinhos que se fazem no movimento, destituídos de qualquer harmonia
melódica, de qualquer conteúdo poético, de qualquer senso estético.
3 - Deve-se exercer censura na Arte?
A Arte não pode ter limites externos a ela própria.
Não se trata de proibir um artista, ou ele próprio se auto-proibir, de resvalar
para a violência ou para o sexo desenfreado. O artista verdadeiramente
espírita, que já alcançou um padrão de elevação moral, simplesmente se desgosta
da vulgaridade e da violência. Ou seja, a vulgaridade, a violência são
esteticamente feios e moralmente baixos. Mas não se pode reprimi-los ou
proibi-los, é preciso transformar o homem, de modo que ele não aprecie mais a
escravidão dos sentidos e as sensações inferiores, mas que se satisfaça com o
belo, com o elevado, com o sensível… E, ao contrário do que se pensa, quanto
mais elevado o artista, mais criativo e original. A genialidade de um artista
não tem nada a ver com o abuso das sensações inferiores. Pode haver um artista
mais genial do que Bach? E, no entanto, ele fazia toda a sua arte inspirada em
profundos sentimentos religiosos…
4 - Há manifestações melhores ou piores de Arte? É
possível medir?
Existe, sem dúvida alguma, uma arte melhor que a outra.
Na medida que proceda de um espírito mais elevado, moral e intelectualmente. É
difícil, ou talvez impossível, estabelecer critérios fixos de análise, porque a
própria capacidade de analisar também depende do grau de amadurecimento
espiritual. Mas poderíamos dizer a grosso modo que a melhor arte é a que nos
infunde sentimentos mais elevados: a esperança, a perspectiva de eternidade e
infinito, o amor universal, a paz etc. Disse sentimentos: porque a Arte não
deve fazer discursos ideológicos, mas proporcionar antes de tudo estados de
espírito elevados. É por isso que a melhor arte é também aquela que vai mais
profunda e diretamente à alma, sem passar antes pelos ditames da lógica humana.
5 - A genialidade é sinônimo de elevação espiritual?
A sensibilidade artística é um dos aspectos que o
homem deve desenvolver no decorrer de sua evolução. Mas pode alguém já ter
desenvolvido numa certa medida essa sensibilidade e ainda não ter se elevado
moralmente. É o caso de muitos artistas terrenos. Por isso, a Arte no planeta
Terra, muitas vezes, acaba se transformando em fator de desequilíbrio e
desencadeando paixões devastadoras. Quando um artista desenvolveu já em larga
escala um senso estético, mas ainda permanece contagiado pelo orgulho, pela
vaidade, por preconceitos humanos, acaba fazendo uma arte genial, mas
desequilibrada.
A responsabilidade de tais artistas existe sempre. E
todo o desequilíbrio ou toda paz, todas as sombras ou todas as luzes, lançadas
às multidões e à posteridade, através da Arte, repercutem durante séculos no
espírito do artista. Todas as vezes que lemos um poeta, ouvimos uma música,
vemos um quadro de alguém, que os tenha feito 100, 200 ou 500 anos atrás, as
vibrações que experimentamos, de elevação ou de desequilíbrio, atingem o autor.
Se ele usou mal o seu poder de comunicação estética, terá de reparar, até que
possa apagar da terra os efeitos de sua arte desequilibrada, substituindo-os
por rastos de luz e paz. Não se trata de um castigo divino. Mas de uma questão
de sintonia. Quando me impregno de uma manifestação artística, estou me
impregnando do autor que as fez e essa consonância de vibrações o alcançam,
onde quer que ele esteja. Se as vibrações forem boas, o espírito terá ainda
mais paz, se forem negativas, sentirá o tormento, as paixões e as sombras que
seus ouvintes ou leitores estarão experimentando. (Há referências interessantes
a esse respeito no livro "O problema do ser, do destino e da dor" de
Léon Denis.) Seu tormento será ainda maior se suas obras provocarem ações
negativas concretas, como no caso de Goethe, cujo romance Werther desencadeou
uma onda de suicídios na época (ver Kardec, na Revista Espírita, 1858).
Quanto à Arte mediúnica, a responsabilidade pelas suas
conseqüências, positivas ou negativas, pertencem igualmente ao espírito e ao
médium, porque este sempre permanece à testa das comunicações e pode decidir
publicar ou não o que lhe foi ditado.
6 - Toda Arte é mediúnica?
A Arte mais
elevada é mediúnica, no sentido amplo da palavra, isto é, quando o artista
pode, se desprendendo do corpo, intuir, conceber, sentir, as belezas
transcendentes do universo, do infinito, da eternidade. Mas é o próprio espírito
do artista que sente isso e expressa artisticamente.
Diferente é a Arte mediúnica mais específica, em que
uma inteligência desencarnada se manifesta por outra, encarnada. Aí, o médium
funciona como um intermediário do artista do além. Mas ele será tanto melhor
médium, quanto melhor tenha desenvolvido, nesta ou em outras encarnações, os
próprios dons artísticos.
Em ambos os casos, o melhor é que o estado de espírito
esteja harmônico, para que haja um fluir mais natural da beleza.
7 - Qual deve ser o objetivo da Arte?
Harmonizar o indivíduo, elevá-lo, colocá-lo num estado
de espírito de predisposição ao bem e o mesmo em relação à sociedade. O artista
deve transmitir de forma bela e harmônica, os sentimentos do bem e do amor.
8 - O que é harmonia na Arte?
Harmonia na forma pode ser a coerência orgânica das
partes, a beleza do conjunto. Do ponto de vista espiritual, trata-se da
harmonia com as leis divinas, com o amor divino, com a beleza universal.
9 - A capacidade artística é sempre inata?
Há dons inatos, que devem ser estimulados e
aperfeiçoados. Mas todos os homens em maior ou menor grau são capazes de manifestações
artísticas, se receberem uma educação que lhes estimule e não abafe a
criatividade.
10 - A Arte pode ser funcional, ter utilidade?
A melhor Arte é
a funcional, não do ponto de vista material, mas espiritual. Isto é, a Arte
verdadeira é útil ao espírito, como elemento de evolução. Mas há também a
funcionalidade material; a arquitetura, por exemplo, é uma Arte que tem uma
utilidade física ao homem, além das possíveis qualidades estéticas. Quanto mais
o espírito evolui, mais ele se expressa artisticamente, porque tudo o que ele
faz, é belo e toda a Arte que produz é útil às leis da evolução. Algum dia,
atingiremos um estágio de evolução em que cada pensamento, cada palavra, cada
ato nosso será uma obra de Arte. Deus é assim. Ele criou o Universo e em tudo o
que existe, colocou o elemento estético: a harmonia, o equilíbrio, a beleza de
suas leis, a coerência do conjunto.
(*) educadora, jornalista e escritora brasileira;
autora de mais de 20 obras publicadas, dentre elas livros didáticos de
filosofia e ensino inter-religioso.
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