Por Júlio Peres (*)
Não há como se falar em Psicologia ou
Psiquiatria sem abordar a personalidade e a expressão da consciência, e esse
tema não pode ser deixado à margem da prática clínica. A visão do homem e a
natureza que o constitui são esteios que norteiam as intervenções terapêuticas
dos profissionais da Saúde.
Mesmo sem a compreensão cabal dos critérios
que constituem a natureza humana, as psicoterapias surgiram em meados do século
XIX no Ocidente. As abordagens variam em relação às escolas filosóficas, às
perspectivas epistemológicas, às teorias e aos métodos que utilizam como
orientação suas intervenções práticas. Tal ordem conceitual é necessária para
que os manejos terapêuticos estejam alinhados as estratégias funcionais para o
alcance do objetivo maior das psicoterapias: o alívio do sofrimento.
Por um lado, a ciência não trouxe
esclarecimentos definitivos a respeito das variáveis que constituem a
personalidade e, assim sendo, investigações, hipóteses e abordagens
terapêuticas são bem-vindas. Por outro lado, tal multiplicidade– teórica,
metodológica e prática –, que vigora na Psicologia/Psiquiatria Clínica, pode
ser questionada quanto à cientificidade das abordagens adotadas, uma vez que a
natureza humana em si é a mesma, a despeito das diversas definições encontradas
nas teorias. No começo do século XX, como exemplo, o psicólogo John Watson
postulou que conseguiria fazer de qualquer criança um médico ou artista de
sucesso se pudesse aplicar na cobaia um sistema contínuo de estímulos.
De
pensadores como Watson veio a ideia de que a personalidade é resultado e uma
educação de recompensas e punições.
MOSAICO DE VARIÁVEIS
Definir personalidade é até hoje um desafio,
uma vez que a ciência ainda não esclareceu conclusivamente o mosaico de variáveis
e suas participações interativas na constituição da singularidade de nossas
identidades. Múltiplas concepções do homem embasadas em distintos pressupostos epistemológicos
espelham referenciais históricos e socioculturais, às vezes distantes dos recentes
achados científicos.
Reconhecidas abordagens psicoterápicas não
levam em consideração a crença compartilhada pela maior parte da população
mundial: a possibilidade da sobrevivência após a morte (World Values Survey). Particularmente no Brasil, de acordo com a
pesquisa Data Folha (2007), apenas 21% da população não acredita em vida após a
morte, 1% não acredita que Deus exista, e 44% não acredita em reencarnação.
Tais crenças e valores refletem suposições básicas sobre a natureza do homem e
referenciais cognitivos adotados para enfrentamento das dificuldades
psicológicas. Estes dados demográficos também justificam a relevância dos estudos
nessa área fronteiriça do complexo cérebro, mente e alma.
A fonte e o suposto término da “vida psíquica”
vêm sendo debatidos desde as milenares tradições religiosas e antigos gregos
até a Neurociência contemporânea sem, todavia, o estabelecimento de um
consenso. As experiências espirituais podem auxiliar na compreensão da relação mente-corpo,
e conforme refere o psiquiatra Alexander Moreira de Almeida, a humildade, a abertura
e o rigor científico são imprescindíveis para esse alcance. Isto é: modificar
quando necessário as nossas premissas mais fundamentais diante das evidências
científicas.
Edward Kelly e colegas apresentam e discutem no
livro Irreducible Mind (Mente
Irredutível) as implicações de vários fenômenos psicológicos significativos, mas
negligenciados, como influências psicofisiológicas (psicossomática, placebo, transtornos
dissociativos, mudanças neurofisiológicas induzidas por hipnose, influência
mental à distância), memória, automatismo mental (identidade, escrita
automática/psicografia, estados de transe, experiências mediúnicas), fenômenos
de quase-morte e experiências similares (experiência fora do corpo, sonhos
vívidos, aparições e visões lúcidas no leito de morte) e experiências místicas.
Os autores afirmam que, à luz das evidências
disponíveis, considerando a revisão detalhada sem limitar a análise apenas aos
dados contemporâneos da Neurociência Cognitiva, as principais teorias monistas
materialistas atuais a respeito do complexo mente-corpo são seriamente falhas e
incapazes de explicar muitas das experiências humanas.
INTERAÇÃO DE FATORES
William James afirmou que: “A Psicologia não pode
se considerar abrangente se não levar em conta as inúmeras variedades de
experiências diferentes daquelas consideradas normais”. Alinhados a James,
outros autores, com base em estudos populacionais, reportam que os relatos de experiências
consideradas paranormais são tão comuns na população geral que nenhuma teoria da
Psicologia pode ser considerada completa se não levá-las em consideração. Hoje,
diversas teorias que procuram explicar a consciência e a personalidade oferecem
um extenso espectro de hipóteses, como interações de fatores ambientais, psicossociais,
neurais, genéticos, espirituais e reencarnatórios. A compreensão da Etiologia do
sofrimento humano estará com a continuidade de estudos controlados sobre a
psique, quiçá num futuro próximo, alinhada à terapêutica eficaz. Portanto, o
esclarecimento dos fatores constituintes da natureza humana, em especial da
consciência e da personalidade, são objetos de estudo justificáveis e
imprescindíveis aos profissionais que se ocupam em tratar a dor psíquica em sua
miríade de expressões.
REFERÊNCIAS
PERES, JFP. Trauma e
superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam. São
Paulo: Roca; 2009.
PERES,
JFP e NASELLO, Simão M, AG. Espiritualidade, religiosidade e psicoterapia.
Revista de Psiquiatria Clínica. 2007; 34(Supl 1):136-45.
(*) psicólogo
clínico e doutor em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo. Pós-doutor pelo Center for Spirituality and the
Mind, Universidade da Pensilvânia (EUA) e pesquisador do Programa de Saúde,
Espiritualidade e Religiosidade (PROSER) do Instituto de Psiquiatria da
Universidade de São Paulo.
¹Fonte:http://www.julioperes.com.br/upload/files/RPsicoterapia_Sobrevivencia_Pesquisa_Dossie.pdf
O Dr. Peres, como sempre, vem puxar a "cordinha" da significação da inegável existência do ser espiritual dentro dos contextos da psicologia e da Psiquiatria. apenas os teimosos que insistem em justificar as capacidades humanas como resultantes de simples reações fisico-químicas. Roberto Caldas
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