Tanto a Lei de
Diretrizes e Bases quanto a legislação do Estado de São Paulo indicam que a
educação religiosa deve ser feita sem proselitismo, respeitando-se a diversidade
cultural e as diferentes correntes praticadas no Brasil. Mas, ao legislarem
sobre esta questão, reconhecem a pertinência da religião na escola, como fonte
de valores morais e como necessidade para o desenvolvimento integral do ser
humano.
Esse, porém, é um
terreno delicado, cheio de conflitos antigos e atuais, que é preciso pisar com
cuidado, para alcançarmos uma posição de equilíbrio. A escola laica foi uma
conquista em relação ao domínio dogmático e formatador de consciências que
estava presente na escola do passado. Não podemos perder os benefícios da
liberdade de pensamento. Por outro lado, há uma incontestável busca por mais
espiritualidade no mundo contemporâneo e a consciência de que é preciso
resgatar a dimensão espiritual do homem e os valores éticos, que nasceram das
diversas religiões. Diante dessa problemática, em primeiro lugar, impõe-se a
questão: é possível falar de religião de maneira isenta? Em que consiste essa
isenção? A insenção é mesmo possível em qualquer ato pedagógico? Ao ensinar,
não estamos sempre exercendo um influência sobre o educando? Pode se tratar de
uma imposição autoritária, mas também de um convencimento com suavidade.
Pode-se ter a intenção de formatar deliberadamente a cabeça dos alunos, mas
mesmo respeitando-se as individualidades e incentivando a reflexão crítica,
passa-se sem dúvida uma mensagem qualquer.
Qualquer atitude que
tomemos na educação, sempre deixaremos exalar nossas convicções, nossa postura
existencial, nossa visão de mundo. Nem poderia ser diferente e a educação
consiste nisso mesmo, numa influência amorosa, exercida com consciência, com
respeito pelo outro, mas sempre uma influência. Por isso, é muito mais honesto,
discutirmos que tipo de convicções e posturas deixaremos como marca em nossos
alunos, do que nos arrogarmos uma pretensa neutralidade.
No caso da religião,
um católico, um protestante, um espírita, um judeu, um muçulmano ou um ateu,
mesmo que nunca falem em religião, deixarão transpirar suas convicções. Então,
é muito melhor tratar da questão, discutindo com respeito as diferentes
correntes religiosas, pois que a religião faz parte essencial das vidas da
maioria dos seres humanos, do que bani-la da escola.
O problema é que, ao
propor o ensino interreligioso, alguns teóricos acenam com a ideia de examinar
as religiões do ponto de vista da sociologia, da antropologia e da psicologia e
não do ponto de vista delas próprias. Vejamos a seguinte definição dada para
orientação do ensino religioso no Estado de São Paulo:
“…apesar de sua extrema variedade, os fenômenos
religiosos aparecem em diferentes sociedades e contextos como um tipo
característico de esforço criador que procura colocar ao alcance da ação e
compreensão humanas tudo o que é incontrolável e sem sentido, procurando
conferir um valor e significado para a existência das coisas e dos seres.” (SILVA & KARNAL, vol.1, 2002: 13)
A mensagem implícita
dessa visão é de que tudo realmente é
incontrolável e sem sentido, e a religião nasce como uma necessidade
psicológica do ser humano, de emprestar ordem e harmonia àquilo que é caótico,
de dar sentido àquilo que não tem: “Tudo
se fundamenta na necessidade relacional humana” (SILVA & KARNAL, vol.1, 2002: 25)
Acontece que essa não
é a visão de nenhuma religião, pois todas pretendem possuir uma verdade
intrínseca e não serem apenas tentativas humanas de compreender a realidade. As
religiões, para as próprias religiões, são revelações divinas e fontes de
certeza e de fé. Com que direito, pois, se dirá a uma criança católica,
muçulmana ou budista que as certezas de sua fé são representações, são apenas tentativas humanas de responder à
angústia de um ser que nada é?
Por outro lado, essa
ideia relativista põe ênfase na radical diferença entre as religiões, pois não
haveria nenhum conceito de verdade, nenhuma essência,
que pudesse servir de base para um encontro de realidades fundamentais do ser
humano. Assim, a tolerância entre as diferentes religiões é a tolerância com o inteiramente outro e não a fraternidade
com o essencialmente igual.
Relativismo e religião
Isso se deve a que,
atualmente, temos assistido à ruína das certezas do homem. As verdades
universais, os valores comuns à humanidade, a razão como fonte segura do
conhecimento, a ideia de ordenação cósmica por detrás do caos, são o tempo todo
questionados. Estão em pauta o caótico, o fragmentário, o relativo, o
simbólico, o imaginário, a representação. Esse discurso, chamado genericamente
de pós-moderno, critica qualquer projeto de universalidade, que teria sido um
conceito imposto ao mundo pela opressão ocidental. Compreender o mundo natural,
social ou moral de forma racional, derivando determinados princípios universais
seria ilusório e perigoso. Ilusório porque o mundo é complexo demais para ser
enquadrado numa teoria de totalidade; e perigoso, pois na verdade revela uma
visão arrogante do universalismo europeu, imposto a outros povos.
Nesse
paradigma, são questionadas todas as formas de conhecimento humano e, no rol
das relativizações, a religião foi esvaziada igualmente, vista como um conjunto
de símbolos e representações, sem conteúdo de verdade ontológica e como
manifestação particular de cada cultura. Não tendo conteúdo de verdade, é
apenas produto sociocultural, o que implica na diferença inteira entre elas.
Pode haver uma aparência de universalidade, porque os povos conquistaram uns
aos outros e houve um processo de trocas culturais e de concepções religiosas.
Mas é só!
Há que
se dizer que esse longo processo de crítica da religião e secularização da
cultura se deu também pelos abusos que de toda sorte sempre fizeram parte das
instituições religiosas. As guerras santas, o sufocamento do progresso e da
liberdade de expressão, a intolerância, o fanatismo, a repressão sexual – tudo
foi lançado à conta da própria religião. E grande parte da má vontade que
muitos têm hoje em relação a qualquer coisa que lembre religião pode mesmo ser
atribuída ao aspecto violento e cerceador que as religiões sempre tiveram. Ora,
o ressentimento é mau conselheiro para se ver com clareza a realidade.
Assim,
podemos nos colocar a mesma questão posta por William James, em seu livro A Vontade de Crer. Tanto o conhecimento
das coisas como a verdade religiosa depende do nosso ponto de partida, para
chegarmos a tal ou qual conclusão. Depende dos nossos pressupostos e de nossa
vontade de crer. Mais ou menos o que também dizia Hume: os pressupostos podem
nos levar a crer ou a não crer.[1]
A aceitar a possibilidade de conhecer ou a negá-la. A conceber a razão como
fonte de se chegar à verdade ou a entender a impossibilidade do acesso a ela. A
de aceitar a universalidade do fenômeno religioso ou relativizar esse fenômeno
como imaginário de cada povo e cultura.
Segundo
James, o problema está justamente em nossas pressuposições teóricas, em nossa
natureza volitiva — que, diz ele, serem os fatores de crença, o medo, a
esperança, o preconceito e a paixão, a imitação e a participação, a influência
que sofremos da nossa classe e do nosso círculo social—, diante do conhecimento
e das reflexões. Se tivermos como pressuposto inicial buscar só as diferenças nas
religiões, não encontraremos nada além disso, nunca encontraremos aspectos ou
parâmetros comuns entre as coisas absolutamente diferentes. Já partimos do
princípio de que o universal é impossível. Já há uma ambigüidade embutida, no
pressuposto epistemológico, de considerar impossível de se chegar a qualquer
conclusão que não seja o relativismo cultural.
A esse
respeito afirma James:
“São apenas nossas hipóteses
já mortas que nossa natureza volitiva é incapaz de trazer de volta à vida. Mas
o que as faz mortas para nós foi, essencialmente, uma ação prévia de um tipo
antagônico por parte da nossa natureza volitiva… Por que tão poucos
“cientistas” chegam pelo menos a examinar as evidências a favor da telepatia?
Por que acham, como um importante biólogo, já morto, certa vez me disse, que
mesmo que tal coisa fosse verdade os cientistas deveriam se unir para mantê-la
suprimida e escondida.”(JAMES, 2001:20)
Ainda
segundo o filósofo pragmatista, quando pesquisamos ou refletimos sobre alguma
coisa, a questão não é ter evidências o suficiente para se acreditar nisso ou
naquilo. A insuficiência de evidências é, na verdade, a última coisa que os
muitos estudiosos têm em mente em suas buscas pelo conhecimento. Muitas vezes,
as evidências das coisas são suficientes, como no caso da telepatia, só que
tomam caminho oposto. Eles acreditam tão completamente numa determinada ordem
das coisas, que qualquer hipótese diferente é morta desde o início. Pois,
segundo James, somos absolutistas por instinto. Os próprios céticos, afirma
ele, são céticos apenas em reflexão, quando deixados a seus instintos, eles
dogmatizam como papas infáliveis.
Portanto,
tanto do lado dos que acreditam na transcendência do fenômeno religioso e na
sua universalidade como do lado dos que negam essa trancendência e atribuem
todo fenômeno religioso ao imaginário das culturas, há pressupostos teóricos
por trás das afirmações. Por isso, da mesma forma que os niilistas e os
ateístas acusam os religiosos ou os filósofos de verem o que eles querem ver,
eles também vêm o que querem. Portanto, os niilistas tomam como ponto de
partida uma hipótese, que para eles já é verdadeira de antemão. O ateísmo
niilista pretende dar a última palavra sobre o assunto, mas parte do princípio
de que qualquer outra hipótese não é válida, a não ser a sua própria.
Se partimos então de
pressupostos para assumir uma posição universalista ou uma posição relativista,
parece mais lógico no campo da educação que optemos por assumir os pressupostos
das próprias religiões – de que há uma transcendência humana, de que há valores
universais, de que algo se dá para além da morte (e aí podem se particularizar
as respostas: ressurreição, reencarnação, céu, inferno, etc.). Primeiro, porque
a maioria esmagadora da população mundial e da população brasileira tem alguma
forma de religião – é claro que isso não significa que se deva fazer a ditadura
da maioria sobre qualquer minoria que não aceite nenhuma forma de religião. O
ateísmo pode ser apresentado e discutido como um ponto de vista respeitável.
Mas, por outro lado, o ceticismo não tem o direito de impor sua visão
relativista, que com fracos pressupostos, relegam todos os milhares de anos de
religiosidade humana a meras representações simbólicas, a alucinações
coletivas, que vêm satisfazer uma necessidade psicológica de resposta desse
pobre mortal, sem alma, lançado ao acaso, num universo sem sentido.
O pressuposto da fé,
pode-se dizer, não é fruto da mera necessidade humana de resposta e de sentido,
mas fruto de milênios de vivência do sagrado, de experiência e reflexão
metafísica, de que as diversas religiões são manifestações. Todas elas lidam
com uma só realidade: a transcendência, o sagrado, o divino, que está presente
no homem e no cosmos. Cada uma delas, é claro, faz isso, condicionada pelas
circunstâncias culturais e históricas em que se manifestam no mundo, mas essas
diferenças não excluem a essência comum.
Até mesmo Feuerbach,
que foi um crítico radical da religião, reconhece que o homem é naturalmente
religioso e sempre cultivou intensos, vivos, íntimos e profundos
relacionamentos com as divindades, como expressão da universalidade dessa
crença. Bergson confirma, dizendo que: “Houve
no passado e há ainda hoje sociedades humanas que não têm ciência, nem arte,
nem filosofia. Mas não existe nenhuma sociedade sem religião.” (BERGSON,
1984:105) Ou ainda Mondin:
“Desde a idade paleolítica o homo religiosus está em
pé, com os braços levantados. (…) Nas montanhas da Valcamonica vemos esse
homem, representado por centenas de exemplares, alçar o olhar, os braços e as
mãos. Perscrutando o céu, busca no alto uma ‘realidade absoluta’, ‘um ser
supremo’, invisível mas real, simbolizado pela luz do Sol. Essa procura está
por toda a parte, no tempo e no espaço, atravessa a humanidade” (MONDIN, 1997:49)
O que seria universal
nas religiões é objeto de uma discussão mais aprofundada entre os teóricos que
assumem essa visão. Pode ser a crença na sobrevivência da alma, a ideia de
divindade, os princípios éticos, a adoração, a reverência, o respeito dos
homens em relação às coisas espirituais… Para Mircea Eliade, por exemplo, é o
que se segue:
“O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como qualquer coisa de absolutamente diferente do profano. A
fim de indicarmos o ato de manifestação do sagrado propusemos o termo hierofania
(…) a saber, algo de sagrado se nos
mostra. Poderia dizer-se que a história
das religiões – desde as mais primitivas às mais elaboradas – é constituída por
um número considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades
sagradas. A partir da mais elementar hierofania – por exemplo, a manifestação
do sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore – e até à hierofania
suprema que é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não
existe solução de continuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso:
a manifestação de algo ‘de ordem diferente’ – de uma realidade que não pertence
ao nosso mundo…” (ELIADE, s/d: 25)
Mesmo com a morte de Deus
decretada por Nietzsche, e com a onda de ateísmo e secularização a partir do
século XIX, as sociedade modernas aos poucos recuperam os sentimentos
religiosos e a religião passa a crescer cada vez mais no mudo. Assim, de todos
os fenômenos humanos, o religioso é tão importante e fecundo que está na base
de todas as culturas e é um fenômeno que abarca a humanidade toda e resiste a
tentativas intensas de doutrinação materialista (veja-se o resultado de 70 anos
de pregação materialista na extinta União Soviética.) Nas palavras de Bobbio: “O homem continua sendo ser religioso,
apesar de todos os processos de demitização, de secularização e de todas as
afirmações da morte de Deus, características da idade moderna e, sobretudo, da
idade contemporânea”(Apud MONDIN, 1997: 50)
Diríamos, portanto, que
ignorar tudo isso no ensino interreligioso e assumir uma posição de suposto
distanciamento, mas na verdade de inteiro ceticismo, diante da religião,
parece-nos um crime de lesa humanidade e um desrespeito à fé dos alunos.
Um religiosidade crítica
Posta a defesa de uma
realidade subjacente às manifestações religiosas, resta abordar o problema sob
outro ângulo, que é o de se analisar as religiões com um instrumental crítico.
Toda a negação da religião no mundo decorreu de uma necessidade histórica de o
homem desenvolver a ciência, a filosofia, a política, a vida individual e
coletiva, sem a tutela cerceadora e punitiva, que sempre foi exercida em nome
da religião. Não é possível, portanto, e nem desejável, jogar fora todo o
instrumental racional, científico e toda a liberdade de consciência, que
adquirimos nesse projeto de emancipação humana, em que muitos consideraram e
ainda consideram, só se completar com a emancipação da religião.
Por curioso que possa
parecer, no mundo pós-moderno, há um encontro imprevisto de posições: os
critérios da racionalidade são desprezados tanto pelos pós-modernos, que
colocaram a razão sob suspeita, como pelos fundamentalistas, que vêem na razão
um impecilho, para a prática do fanatismo religioso.
Para que escapemos do
niilismo – que leva à desagregação dos valores, da sociedade e inclusive de
qualquer garantia de direito – e do fundamentalismo – que leva à superstição, à
intolerância, ao fanatismo – precisamos preservar a herança milenar da cultura
filosófica, científica e política, que vem desde os gregos.
Assim, não podemos deixar
de fazer uma leitura crítica das religiões. Ninguém poderia estudar o
cristianismo, sem conhecer as barbaridades que foram praticadas em seu nome;
ninguém deveria se aproximar do islamismo, sem questionar a posição da mulher
na sociedade muçulmana… só para citar dois exemplos. A fé precisa aceitar a
crítica, para tornar-se mais autêntica. Em parte, isso já vem acontecendo
naturalmente dentro das próprias religiões. Mas é preciso maior coragem e, na
educação, isto deve ser explícito. Não podemos imaginar despertar religiosidade
nas novas gerações, alienando seu espírito crítico. Foi justamente a posição
inflexível das religiões no passado que deflagrou a sua negação no presente.
Por tudo isso, o ensino
interreligioso deve se fazer de forma a reconhecer que as religiões têm
verdades intrísecas, que podem enriquecer a vivência humana e projetá-la para a
transcendência, mas que, para sobreviverem à crítica da razão, devem renunciar
ao autoritarismo, à violência e à coerção.
A atitude do educador,
para isso, deveria ficar muito clara. Ele deve mostrar-se sinceramente empático
com todas as formas de religiosidade, sem trair a sua própria fé, mas ter ao
mesmo tempo um espírito crítico vacinado em relação aos costumeiros abusos das
religiões – inclusive de sua própria: fanatismo, hipocrisia, intolerância,
exercício indevido de poder sobre as consciências… Seria ideal que o professor
de ensino interreligioso enxergasse em toda a parte a manisfestação real do
sagrado e não tampasse os olhos para as imperfeições humanas, que se misturam a
todas essas manifestações.
Um exemplo de como fazer
Para não ficar apenas
na discussão teórica, resumimos a seguir um projeto aplicado numa escola
pública de Bragança Paulista, que procura atender a esses requisitos.[2]
Fundamentos teóricos[3]
Comenius foi
precursor da proposta de diálogo interreligioso e ecumênico, que apenas agora
se esboça no mundo. Rousseau e Pestalozzi tinham a ideia da religião natural –
aquela que estaria além das instituições humanas e dogmas particulares, pois
seria constituída dos princípios básicos de amor a Deus, crença na imortalidade
da alma e prática de virtudes universais. Diria Rousseau: “os verdadeiros deveres da religião são independentes das instituições
humanas, um coração justo é o verdadeiro templo da divindade, em todos os
países e em todas as seitas, amar a Deus acima de tudo e seu próximo como a si
mesmo é o resumo da lei” (ROUSSEAU, 1967:685) No campo religioso, assim, manifestam-se as duas facetas do plural
e do universal. O dogma, a instituição, as visões de mundo estão no plano da
diversidade e a ética, a dimensão espiritual do homem, o sagrado estão no plano
da universalidade.
A ideia de um ensino
religioso como queriam esses educadores e como Pestalozzi praticou no Instituto
de Yverdon está ancorada assim: 1) no reconhecimento da dimensão espiritual do
homem como algo legítimo e verdadeiro; 2) no respeito, na preservação e no
cultivo da identidade religiosa de cada um; 3) no aprendizado da tolerância
fraterna entre todos os credos e cultos; 4) na identificação de pontos de
encontro e diálogo entre as diversas correntes religiosas. 5) na busca de
elementos éticos, comuns às diversas crenças, e que sirvam de inspiração à
educação moral.
O projeto
(Duração: 2 bimestres)
• Leitura e discussão do
artigo 6 da Constituição Brasileira: “É
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da Lei a proteção aos
locais de culto e às suas liturgias”.
• Exposição dialogada do
significado deste artigo e do que é uma Constituição. Informações históricas
sobre a época da escravidão no Brasil, em que os negros eram proibidos de
praticarem seus cultos e, a Igreja sendo a religião oficial, a ilegalidade de
outros cultos no Brasil. Informações também do tempo da ditadura militar, em
que não havia liberdade de pensamento.
• Discussão sobre
discriminação religiosa.
• Levantamento
estatístico com a ajuda dos alunos das religiões representadas na escola.
Resultado: católicos 67, 24%, evangélicos 25,17%; testemunhas de Jeová 2,4
%; espíritas 1,38%; messiânicos 0,34%;
não sabem 2,75%; não têm religião 0,69% .
• Apresentação
voluntária dos alunos sobre os pontos essenciais de sua religião. Orientação
para que não houvesse discriminação com relação a nenhum ponto de vista
apresentado. Elucidações e comentários sobre cada religião tratada. (Cada
classe levou a discussão para um campo: algumas se interessaram por discutir as
diferenças entre catolicismo e protestantismo, outras, por fenômenos de
aparição de espíritos; outras, por candomblé e religiões africanas; e ainda
outras por reencarnação e ressurreição.)
• Exposição dialogada da
história de vida e as idéias de grandes personalidades de diferentes religiões:
São Franciso de Assis (católico), Gandhi (hindu), Martin Luther King
(protestante) e Bezerra de Menezes (espírita). Essas exposições tiveram caráter
crítico, tratando de questões históricas importantes, como o domínio da Igreja
na Idade Média, o Imperialismo britânico na Índia, o Racismo nos Estados Unidos
e no Brasil, a carência de saúde e bens essenciais do povo brasileiro (no caso
de Bezerra de Menezes, chamado de o médico dos probres).
• Francisco de Assis foi
trabalhado com livro de poesia ilustrado[4],
música (Oração de São Francisco) e
desenho animado[5].
Temas discutidos: ecologia, a pobreza, como proposta cristã, pacifismo. Ao
final do trabalho com Francisco, as 3ªs e 4ªs séries apresentaram para os pais
e para o resto da escola, num sarau de poesia, a Oração de São Francisco e Convite
à Primavera (canção de Mozart para crianças, com versão para português.)
• Gandhi foi trabalhado
com fotos, ilustrações feitas por Liliam Lungarezi, poesia e filme[6].
Temas discutidos: não-violência, colonização, política. Ao final, os alunos
fizeram poesias individuais e coletivas sobre a história de Gandhi.
• Martin Luther King foi
trabalhado com fotos, com trechos do seu célebre discurso “Eu tenho um sonho” e
com um negro spiritual.
• Bezerra de Menezes foi
trabalhado com fotos e cartazes.
• O projeto foi encerrado, com um culto ecumênico realizado com a
participação das próprias crianças, com a presença de pais e professores. Cada
religião se fez representar por uma criança, que orou como achou conveniente.
Estiveram representados os católicos, os evangélicos (embora algumas poucas
crianças evangélicas tenham sido proibidas pelos pais de tomarem parte), os
testemunhas de Jeová, os espíritas e os messiânicos. Então, os alunos cantaram
a Oração de São Francisco, Swing Low,
Sweet Chariot, (spiritual) e Ode à
Alegria (Beethoven).
Bibliografia:
ABBAGNANO,
Nicola. Dicionário de Filosofia. São
Paulo, Mestre Jou, 1986.
————.
História da Filosofia. Vol. I a XIV.
Lisboa, Editorial Presença, 1970 a 1993.
BERGSON, H. Cartas, conferências e outros escritos.
São Paulo, Abril Cultural, Coleção “Os Pensadores”, 1984.
COMENIO. Didactica magna. Pansophia. Firenze,
Nuova Italia, 1984.
COMENIUS,
Johann Amos. Pampaedia. Heidelberg, Quelle & Meyer, 1965. (Texto em latim e
alemão).
————. Selections. (Introduction by Jean
Piaget). Paris/Lausanne,
Unesco, 1957.
DERRIDA,
Jacques, VATTIMO, Gianni et alii. A
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ELIADE, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas.
Tomo II, vol. 1. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
————. O sagrado e o profano. Lisboa, Edição
Livros do Brasil, s/d.
————. Traité d’histoire des religions. Paris,
Payot, 1964.
FEUERBACH, L. Princípios da filosofia do futuro.Lisboa,
Edições 70, 1988.
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D. Diálogos sobre a religião natural.
São Paulo, Martins Fontes, 1992.
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KEPEL, Gilles. La revanche de Dieu. Paris, Editions du
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LYOTARD, Jean-François.
A condição pós-moderna. Rio de
Janeiro, José Olympio, 1998.
MONDIN,
B. Quem é Deus- elementos de Teologia
filosófica. São Paulo, Paulus, 1997.
NIETZSCHE, Friedrich W.
Obras incompletas. São Paulo, Abril
Cultural, Coleção “Os Pensadores”, 1983.
OTTO, Rudolf. O sagrado. Lisboa, Edições 70, 1992.
PENZO, Giorgio e
GIBELLINI, Rosino (orgs.) Deus na
filosofia do século XX. São Paulo, Edições Loyola, 1998.
PESTALOZZI,
Johann Heinrich. Sämtliche Werke und
Briefe. Kritische Ausgabe. Zurique, Orell Füssli, 1927-1980. Obras, Vol. I
a XXVIII. Cartas, Vol. I a XIII.
REALE, Giovanni. O saber dos antigos. Terapia para os tempos
atuais. São Paulo, Loyola, 1999.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Œuvres complètes. 4 vols.
Bibliothèque la Pléiade. Paris, Éditions Gallimard, 1967.
RUSSELL, Bertrand. Science et
religion. Paris, Gallimard, 1971.
SILVA, Eliane Moura da.
& KARNAL, Leandro. O ensino religioso
na escola pública de São Paulo, Secretaria do Estado da Educação, Unicamp.
2002.
VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade. São Paulo, Martins
Fontes, 1996.
VOLTAIRE. Tratado sobre a Tolerância. São Paulo,
Martins Fontes, 1993.
[1] O filósofo
Hume, ao examinar as provas da existência de Deus, afirma que chegar as provas
da existência de Deus partindo a priori
da própria idéia de Deus não tem validade. Isso porque do mesmo modo que
concebemos uma idéia como existente pode ser concebido como não existente.
[2] Esse projeto
faz parte da pesquisa de pós-doutoramento de Dora Incontri, apoiada pela Fapesp
e que está sendo aplicada na Escola Jorge Tibiriçá, em Bragança Paulista. O
resumo do projeto é o seguinte: Fundamentado nos clássicos da Educação, como
Comenius, Rousseau, Pestalozzi, mas tocando igualmente nas propostas
construtivistas contemporâneas, herdeiras destes clássicos, este projeto pretende
testar em em escolas públicas a aplicabilidade de um ensino interdisciplinar,
contemplando a prática moral, a reflexão filosófica, a experiência religiosa
(respeitada em sua diversidade) e o estímulo estético.
Considerando
dentro da filosofia pedagógica desses clássicos e da tradição filosófica
ocidental que remonta a Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e São Tomás, que
além da pluralidade cultural, dos valores históricos, das etnias, das
diferentes doutrinas filosóficas e religiosas, existe um patamar de
universalidade ética; a idéia desse projeto é traballhar com os alunos esses
dois aspectos: o específico, o particular, o regional, (incluindo-se o que a
criança traz como experiência de vida e enraizamento cultural e religioso) e o
universal – aquilo que está arraigado na consciência humana, imanente, comum às
mais diversas culturas e religiões. Entre os princípios universais, que o
projeto pretende desenvolver, discutir, propor e estimular entre os alunos
estão a tolerância e o diálogo entre as religiões, a solidariedade, a
fraternidade, a cooperação mútua, a não-violência, o conhecimento e o respeito
aos direitos fundamentais do homem.
Tomando como
hipótese fundamental que a moralidade, sempre manifesta em ação, enraizada num
sentimento moral latente no homem e de origem divina, tanto é traduzida em
preceitos racionais, quanto intuída e exteriorizada esteticamente, o projeto
faz uso da interdisciplinaridade, como meio de construção desses valores
citados. A possibilidade de uma racionalização dessas leis morais intrínsecas
no ser humano se dá pelos canais da Filosofia. É também pensamento comum entre
os pensadores citados que a estética caminha junto com a Ética, pois o bem e o
belo pertencem à mesma categoria ontológica. Por isso, a arte sempre está no
começo, no meio e no fim do processo para despertar a consciência ética. E, por
fim, a religião, entendida como dimensão necessária e universal do ser humano,
é fonte de vivência e sentido moral.
[3] Esses
fundamentos estão mais detalhados no artigo: INCONTRI, Dora & BIGHETO,
Alessandro. Ensino religioso sem Proselitismo. É possível? (in: Videtur, Salamanca/São Paulo, Arvo
Comunicación/USP/Mandruvá, V. 13, 2002)
[4] INCONTRI, Dora.
Francisco, o pobre rico de Assis. São
Paulo, Editora Comenius, 1999.
[5] Francisco, o cavaleiro de Assis,
Associação do Senhor Jesus, Campinas.
(*) (In: Revista
Mirandum, Porto/São Paulo, Universidade do Porto/USP, V. 15, 2003, www.hottopos.com/mirand15/dora.htm)
Dora Incontri, Pós-doutoranda
FEUSP -Apoio Fapesp
Alessandro Cesar
Bigheto, Mestrando Unicamp
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ResponderExcluirA bibliografia espírita conta, hoje, segundo dois catálogos de respeitáveis distribuidoras que consultei, com um nº de 5 a 7 mil títulos em oferta.
ResponderExcluirDeixando de fora os livros da CULTURA GERAL - que com justa necessidade já são ofertados pelo mercado livreiro espírita -, esses 7 mil títulos se somam, ainda, às obras que deixaram de ser editadas (fora do catálogo). Um cálculo rápido e grosseiro nos leva a nº em torno dos 10 mil títulos espíritas, verdadeiro mar de informações, no qual há muitas "pérolas".
Já que o Espiritismo é, por excelência, a doutrina do conhecimento, eu pergunto às demais pessoas que acessam esse blog, a título de diálogo produtivo e sem fermento:
-- Os editores, os distribuidores, os autores e nós leitores (sob a liderança dos que dirigem o movimento espírita), não poderíamos dar mais atenção às pesquisas e ao trabalho de estudiosos como Dora Incontri, como sendo patrimônio do pensamento espírita?
-- Dr. Sérgio Felipe de Oliveira tem o projeto de uma universidade fundada sobre o pensamento espírita, a UNIESPÍRITO. Não seria o momento de convergir esforços para uma projeto dessa natureza? Com tantas universidades confessionais, espalhadas pelo Brasil, algumas meramente prestadores de serviços, não seria a hora de uma universidade capaz de trabalhar as "hipóteses" espíritas?
-- As coleções TODOS OS JEITOS DE CRER e JEITOS DE CRER, de Dora Incontri e Alessandro Bigheto, foram reconhecidas por uma editora laica, a ÁTICA. Certo que se destinam à função de livro didático e não de obra doutrinária. Mas nos parece o primeiro trabalho feito sob a ótica espírita, que "ganha" o mundo laico (ou interreligioso)... ele não mereceria ser mais prezado por nós, espíritas, começando por conhecê-lo? (Lamentavelmente, não encontro tais coleções entre os 7 mil títulos do catálogo, nem mesmo nas páginas da CULTURA EM GERAL).
-- Não seria Dora Incontri colaboradora indispensável à construção conjunta (ou coordenação) de um projeto similar a JEITOS DE CRER (com as devidas particularidades), destinado à formação da infância espírita brasileira do momento atual?... À nossa Evangelização Infanto-Juvenil do terceiro milênio?
-- Diga-se que ela mesma tem que se lançar a isso, se prontificar, em nome da boa vontade. Então, E a nossa boa-vontade? E a nossa parte na tarefa? Se Allan Kardec estivesse aqui hoje, não iríamos ajudá-lo?
-- Com todas as pessoas fazendo a mesma coisa (lançar livros mediúnicos, distribuí-los, colocá-los à venda em nossas livrarias), conseguiremos manter essa "visão de conjunto" que o pensamento espírita kardequiano conseguiu fazer?
Pensemos e... eu nem diria polemizar... Pensemos e dialoguemos serena e fraternalmente!
Acredito que seria uma ótima experiência para as Casas Espíritas.
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