"O Rapto das Sabinas", pintura de Nicolas Poussin |
Há indignações tão profundas, que só podem
ser expressas em poesia, pelo menos para mim. Nos últimos meses, no meio do
espetáculo constrangedor e bizarro em que o país mergulhou, a mulher brasileira
foi alvo das mais absurdas violências: uma presidenta que não cometeu nenhum
crime afastada do poder por um bando de criminosos, depois de ter sido xingada
por uma parte da população, com as maiores baixarias e depois de ter sido
ofendida por um Bolsonaro, que invocou seu torturador, num gesto de fascismo e
supremo desrespeito humano; a primeira dama do presidente golpista posta como
modelo de “beleza, do lar e recato”; um ministério inteiro só de homens (a
maioria envolvidos com corrupção); um fundamentalismo religioso avançando no
Estado, ameaçando os direitos da mulher; a visita de um ator machista, de
filmes pornô, que nada tem a ver com Educação e que se ufana de ter estuprado
uma mulher, no ministério da Educação e, por fim, esse estupro coletivo de uma
menina de 16 anos, com direito a espetáculo e aplausos na internet! Onde
estamos? Retrocedemos séculos? Ou essas camadas obscuras, nauseantes da
sociedade não estavam tão visíveis?
Se uma brasileira é estuprada a cada 11
minutos, isso está aí há muito tempo. Mas de repente, com a ascensão política
de uma grande maioria de homens que representam justamente esse tipo de macho
cafajeste, opressor e sem respeito pelas mulheres (veja-se o que fizeram com a
presidenta, que pode ter os defeitos que tiver como política, mas é um ser
humano, uma mulher, mãe, avó), temos todos esses homens medievais saindo das
cavernas, para mostrar suas caras.
Para eles e para todos os homens que não são
como eles (graças a Deus, há muitos); para as mulheres, as que lutam por dias
melhores e para aquelas que assumem o discurso do opressor (infelizmente, há
muitas), dedico a poesia abaixo:
À MUSA ESTUPRADA
(VERSOS SÁFICOS)
Na
favela, ou presidenta,
No
congresso, ou no lar...
Há
uma ferida nojenta
Há
uma mulher a sangrar!
A
mulher torturada,
Depois
impedida.
A
mulher estuprada,
Depois
esquecida.
A
mulher excluída,
Se
não for recatada.
A
mulher ofendida,
Se
não for calada.
A
mulher minha mãe,
A
mulher minha irmã,
A
mulher é culpada
Porque
ela se expõe.
A
mulher sufocada
De
vestido na igreja,
De
saia cumprida,
Na
burca escondida.
A
mulher violentada,
Estendida
na rua,
Porque
é despudorada
Porque
é puta e está nua!
É
sempre a culpada,
É
sempre a acusada,
É
sempre a julgada,
É
sempre a safada!
É
sempre a piranha,
Que
não se acanha
Nunca
é culpa do senhor,
Do
macho predador!
Do
poder, exilada,
Se
honesta, impedida.
Se
esbofeteada,
Porque
merecida.
É
sempre a vadia,
É
sempre a que traía!
Mas
onde o traidor?
Onde
o estuprador?
A
mulher que trabalha,
Que
sempre batalha,
Que
raro se ausenta,
Dos
seus que amamenta...
É
a mulher que sustenta
Que
tudo já aguenta
Por
ela que a vida
Se
faz e se alenta.
Ó
terna guerreira,
Eterna
na lida,
Não
mais quero à beira,
Calada,
escondida!
Não
mais de olhos roxos
Não
mais ensanguentada
Não
mais enlameada
Não
mais acuada.
Homens,
sois filhos
Sois
pais, sois irmãos
Por
que não limpais
Enfim
vossas mãos?
Por
que não partilhais
Iguais
condições?
Por
que não espalhais
Honestos
corações!
Mulheres,
não rompamos
Nossas
mãos unidas
E
sempre as estendamos
Às
irmãs mais feridas!
Homens
e mulheres,
Um
mundo mais igual
O
respeito natural
E
a liberdade afinal!
(*)
Jornalista, educadora e escritora. Suas áreas de atuação são Educação,
Filosofia, Espiritualidade, Artes, Espiritismo. Tem mestrado, doutorado e
pós-doutorado em Filosofia da Educação pela USP. É sócia-diretora da Editora
Comenius e coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita.
Coordenadora geral da Universidade Livre Pampédia.
"Onde estamos? Retrocedemos séculos? Ou essas camadas obscuras, nauseantes da sociedade não estavam tão visíveis?"
ResponderExcluirA segunda opção, prof. Dora. O esgoto veio à superfície.