Existe em nosso meio um tanto de dificuldades
no discernimento dos objetivos básicos da Doutrina Espírita, bem como uma
tendência a distorcer-lhe determinados aspectos e dissociar-lhe a estrutura
tríplice, ora optando por uma de suas facetas, ora por outra, sempre ao sabor
das preferências grupais, à maneira do acontecido no processo do
desenvolvimento do Cristianismo, após o seu primeiro tricentenário.
Dentro
dessa onda de incongruência, vamos encontrar, como um dos empeços a um melhor
conhecimento dos seus princípios pela sociedade, as chamadas “sessões de cura”
das enfermidades físicas que afligem nosso povo – já como resultante das
transgressões pessoas à Lei Universal, já pela predominância egóica e cegueira
espiritual que nos dirigem os passos neste mundo.
Essa
prática, da forma como muitas vezes é conduzida, gera acendrado misticismo,
contribuindo negativamente para uma descaracterização da Doutrina junto à
comunidade; além do mitismo tão nocivo dos médiuns que intermedeiam as curas,
transferindo do todo para a parte o que há de importante nesses fenômenos.
De
fato, se indagássemos à maioria da população sobre o que seja o Espiritismo, a
resposta, muito provavelmente, resumir-se-ia ao trabalho mediúnico de curas,
pouco acrescentando ao entendimento popular e, ainda uma vez, confundido a
instrumentália com a realidade.
Nada
temos contra a Mediunidade – e especialmente a Mediunidade de Cura -, mas é
notório o despreparo doutrinário de grande parcela dos grupos que a ela se
dedicam, distanciando-se claramente – seja na dinâmica do trabalho, seja nos
propósitos – do que nos ensina Kardec em O
Livro dos Médiuns, no que pese a rotulação de “espíritas” por parte da
maioria desses grupos de trabalho.
Ora,
a Doutrina Tríplice, pelo poder de transformação que detém, ainda possui
inumeráveis contraditores e inimigos que tentam obstacularizar-lhe a expansão e
que, por ignorância ou má-fé, utilizam-se dessas dissonâncias para combate-la,
desfocando-lhe a coerência, no têntamem
de reduzi-la meramente a uma seita de néscios e místicos (na sua acepção mais
deplorável).
E
nós, os agraciados com a luminosidade espargida pela Doutrina de Consolação e
que nos afirmamos espiritistas, o que temos feito para modificara situação que
aí se encontra? É-nos imprescindível e inalienável a participação mais ativa no
cenário comunitário, disseminando suas ideias libertadoras e, mais que isso,
impressionando a mente de quem nos ouve e vê com o vivenciar dessas ideias.
Mas
quais seria, em verdade, os intuitos destacáveis do advento da Terceira
Revelação? Eles transitam pelo esclarecimento da essência humana, apresentando
as provas da realidade post-mortem; pela
justificação dos motivos das nossas vivência e existência terrenas, no
perlustrar dos caminhos que nos transportam à felicidade; pela liberação das
algemas que nos jungem à materialidade, ampliando-nos à visão para as Verdades
Eternas; pela consolação dos nossos sofrimentos e dores, no entendimento da
nossa participação em sua gênese, e mais que isso, indicando-nos o que e como
fazer para nos emanciparmos da dor.
O
Espiritismo é ciência – a Ciência do Espírito – e abriu os horizontes da
Humanidade para a pesquisa psíquica, introduzindo nossa cultura na “Era do
Espírito”. É ciência, conquanto ilimitada, no que tange ao seu campo de
abordagem, posto que transcendem o campo ilusório da matéria.
Apesar
de ciência, assume postura de aproximação com a fé, não dispensando-a, antes
fortalecendo-a com o vigor da razão, metamorfoseando-a em “fé raciocinada”.
Razão e fé unidas em tal simbiose que uma retroalimenta a outra. Razão e fé
que, no contínuo de suas relações, amadurecem a intuição, permitindo o seu uso
na busca da evolução e da compreensão espirituais. Razão e fé conjunta que nos
libertam das teias do mecanicismo, influenciando-nos concepções mais avançadas
da vida e, também da coexistência e interrelação do ser-vivo-na-Terra e do
ser-sobrevivente-à-morte na concepção de matéria do linguajar acanhado da
Física moderna.
Apóia-se
a Doutrina dos Espíritos no Evangelho de Jesus, revivendo-o, redimensionando-o,
clarificando-o e tornando-o compreensível ao nosso tempo; analisando-lhe as
particularidades e promovendo uma visão de conjunto de seu todo, no propiciar
de maior amplitude para a sua proposta; penetrando-lhe o âmago e
desembaraçando-lhe o sentido oculto.
O
Espiritismo congrega simultaneamente a razão, a fé e o gosto pelo saber –
Ciência, Religião e Filosofia. É “a
síntese do conhecimento humano”, no dizer do Prof. José Herculano Pires¹, “com repercussões inteiramente morais”,
no afirmar de Kardec², induzindo a uma mudança de vulto no comportamento do
homem e à tomada de consciência, por parte desse homem, de que deve advir dele
as alterações que tanto anseia para o planeta, posto ser o todo nada mais que o
somatório do que caracteriza cada um.
Essas
alterações farão surgir um mundo novo, onde poderemos nos irmanar, onde as
fronteiras serão encaradas unicamente como necessidades do momento, onde os
caracteres raciais possam ser vistos simplesmente como determinações ecológicas
na adaptabilidade, quando do seu aparecimento na superfície terrena, onde as
diferenças linguísticas sejam consideradas apenas como diferentes símbolos a
externarem os mesmos sentimentos e ideias, e que mais vale a linguagem do amor,
da compreensão e da reciprocidade.
Não
nos anima a mais leve intenção de ferir, julgar, acusar ou condenar quem quer
que seja, mas unicamente o desejo sincero de alertar para a necessidade
premente de orientarmos nossas atividades mediúnicas em consonância com o
Ensinamento Espírita, sob pena de torna-las alienadas à proposição do Cristo,
expondo-nos ao risco de vê-las fracassadas, improdutivas e a perder-se em
mediunismo desgastante e paralisante.
O
Prof. Núbor Facure, professor titular de Neurologia da UNICAMP e espírita, ao
ser entrevistado em programa televisivo que tratava exatamente dessas práticas
mediúnicas de cura, assim se expressou: “Quando
nós médicos compreendermos que precisamos trabalhar mais, hão haverá mais
necessidade de tais comportamentos.”
Compreendemos perfeitamente
que são inúmeros os irmãos de jornada terrena pelos quais pouco ou quase nada
tem a fazer a Medicina Acadêmica, como também compreendermos o nosso Sistema de
Saúde Pública muitíssimo deficitário sob múltiplos aspectos, o que determina
imensas dificuldades ao cidadão pobre quanto da sua utilização; e a isso tudo
não estamos insensíveis, mas entendamos, de uma vez por todas, que a cura do
corpo na Casa Espírita é acontecimento secundário à cura do Espírito, por ser
este o responsável direto pelo conjunto de mazelas que desfiguram-lhe o corpo
somático que, por sua vez, é roupagem descartável de que se serve o Espírito “em trânsito”.
¹ PIRES, J. Herculano in O Espírito e o Tempo;
² KARDEC, Allan in O Livro dos Espíritos
Fonte: Bioética – Uma Contribuição Espírita - Francisco Cajazeiras
Profundamente oportuno e esclarecedor.
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